Protagonismo feminino sofre apagão na produção cultural brasileira

Coordenado e escrito por advogadas, procuradoras da justiça, jornalistas e professoras, o livro Mulheres, Direito e Protagonismo Cultural oferece subsídios para a proteção e promoção dos direitos culturais sob a perspectiva de gênero. O título, lançamento da editora Almedina Brasil, fomenta uma discussão jurídica mais aberta e sensível à equidade entre homens e mulheres na efetividade dos direitos e liberdades culturais e na proteção do patrimônio cultural material e imaterial brasileiro.

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A obra coletiva é coordenada pela Mestre em Direito Constitucional e presidente do Instituto Brasileiro de Direitos Culturais, Cecília Nunes Rabelo; pela Procuradora do Estado de São Paulo, Flávia Piovesan; pela bacharela em Direito Vivian Barbour; e pela juíza de Enlace para a Convenção de Haia de 1980, Inês Virgínia Soares, e reúne textos de 48 especialistas.

As pesquisas e dados resgatados pelas autoras invocam a importância de valorizar o protagonismo feminino, compreendendo os desafios e as perspectivas no âmbito jurídico. Dividido em quatro partes, o livro adota como ponto de partida a reflexão sobre as estruturas protetivas dos direitos e saberes culturais das mulheres, com destaque à contribuição delas para uma cultura jurídica feminista.

Na segunda parte, o volume apresenta a força feminina como motriz das políticas, patrimônios e direitos culturais no Brasil, compreendendo a voz e a experiência das indígenas, negras, campesinas, migrantes, dentre outras, sob o enfoque interseccional e pautado na diversidade cultural.

Os capítulos vão do protagonismo das catadoras de mangaba de Sergipe ao das cineastas da região do Cariri; da importância das mulheres no pagode baiano à ocupação dos espaços pelas humoristas no Ceará; da relevância das indígenas Iny Karajá para preservação da identidade do grupo até a transformação decorrente das lideranças femininas em comunidades indígenas. Esta seção também traz luz às memórias femininas apagadas das compositoras musicais.

Durante essas pesquisas, percebi muitas formas de apagamentos que submeteram as compositoras, mas quatro específicos, todos ligados, direta ou indiretamente, ao discurso do patriarcado sobre a incapacidade da criação por parte das mulheres: usurpação dos direitos autorais por maridos ou parceiros, dúvidas não fundamentadas sobre a veracidade do pertencimento da obra, ausência marcante de dados biográficos mesmo sobre grandes nomes e, incrivelmente, dúvidas de biógrafos e pesquisadores – de outros compositores ou sobre elas mesmo – sobre a obra das compositoras. Culturalmente, as mulheres são bombardeadas desde crianças sobre a incapacidade de criar.
(Mulheres, Direito e Protagonismo Cultural, p. 131)

A terceira parte da obra é centrada na contribuição e resistência das mulheres para a memória coletiva e formação do patrimônio cultural. A diversidade de formas de estar no mundo e transformá-lo é trazida em capítulos que versam sobre o movimento político das negras nos últimos 50 anos no país, das ativistas e militantes contra a Ditadura Militar no Brasil, mulheres como protetoras das águas e, ainda, daquelas tratadas como feiticeiras nos Campos de Concentração do sertão cearense.

Por fim, o livro se concentra na voz e na experiência feminina, por meio de entrevistas com aquelas que contribuem para a vivência e o fortalecimento da cultura. Os relatos de uma parteira tradicional, da idealizadora do Ballet para Cegos e de uma multiartista encerram a obra falando sobre a missão, a leveza e o empoderamento das mulheres. A ideia, segundo as autoras, é oferecer um impacto emancipatório e transformador, tendo como princípio maior a prevalência da dignidade humana.