Olho na COP 30

Decisão sobre exploração de petróleo na Amazônia é o grande dilema da política ambiental do Brasil

Plano de perfuração na Margem Equatorial pode comprometer avanços ambientais.

Manifestante carrega cartaz que alerta para a contradição entre o projeto da Petrobras de perfurar poços na Amazônia e a COP30, marcada para acontecer em Belém, no ano que vem: situação pode colocar em cheque a ambiciosa agenda ambiental do governo Lula. AP Photo/Eraldo Peres
Manifestante carrega cartaz que alerta para a contradição entre o projeto da Petrobras de perfurar poços na Amazônia e a COP30, marcada para acontecer em Belém, no ano que vem: situação pode colocar em cheque a ambiciosa agenda ambiental do governo Lula. AP Photo/Eraldo Peres

Por Bernardo Jurema, Research Institute for Sustainability – Helmholtz Centre Potsdam

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Em maio de 2023, o Ibama negou um pedido para a Petrobras perfurar um poço de petróleo na bacia da Foz do Amazonas, a 170 km da costa do estado do Amapá, no norte, e a 500 km da foz do Rio Amazonas. O órgão ambiental justificou que o pedido de licença não continha garantias para o cuidado da fauna em caso de possíveis vazamentos de óleo e não levou em consideração os impactos em três terras indígenas na costa norte do Amapá. A decisão causou tensão dentro do governo e entre parlamentares da região amazônica. A Petrobras apresentou um novo requerimento, que está atualmente em análise.

Na época, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva declarou: “Se encontrar a riqueza que se pressupõe que exista lá, aí é uma decisão de Estado se você vai explorar ou não”. Em junho de 2024, ele acrescentou: “É importante ter em conta na hora em que começarmos a explorar a margem equatorial… Acho que a gente vai dar um salto de qualidade extraordinário. Queremos fazer tudo legal, respeitando o meio-ambiente, respeitando tudo, mas não vamos desperdiçar nenhuma oportunidade de crescer”.

A Margem Equatorial é uma das últimas fronteiras petrolíferas inexploradas do Brasil, abrangendo toda a faixa costeira do norte, da Guiana até o estado do Rio Grande do Norte. Estudos internos sugerem que esse bloco pode conter 5,6 bilhões de barris de petróleo, aumentando potencialmente as reservas do Brasil em 37%.

A justificativa para perfurar na região é que isso garantiria a segurança energética durante a transição verde. Mas os planos do Brasil enfrentam resistências. “Um bloco perfurado hoje gerará petróleo e royalties daqui a uma década”, diz Suely Araújo, ex-presidente do Ibama e especialista em políticas públicas do Observatório do Clima (uma associação de 95 organizações ambientais). “Não temos uma década para esperar pela transição energética. Isso colocaria a crise climática em um nível insuportável”.

A ambiciosa agenda climática de Lula em jogo

Em seu discurso de posse no Congresso, Lula apresentou o Brasil como uma “potência ambiental”. Ele anunciou uma série de decretos executivos destinados a reverter várias decisões tomadas pelo governo de extrema direita de Jair Bolsonaro, que explorou a situação instável da pandemia de Covid-19 para promulgar medidas que flexibilizavam as regulamentações ambientais.

Desde então, é inegável que algum progresso foi feito. De acordo com o Ministério do Meio Ambiente, a taxa de desmatamento na Amazônia caiu quase 50% em 2023 em comparação ao ano anterior, marcando a menor taxa registrada nos últimos cinco anos.

O impulso para desenvolver a extração de petróleo na região amazônica, no entanto, aponta para uma tendência preocupante que remonta aos mandatos anteriores de Lula. Embora o desmatamento tenha diminuído durante aquele período, ele priorizou o desenvolvimento industrial tradicional com pouca consideração pelas emissões, financiando, por exemplo, a expansão da indústria de carne bovina (um dos principais impulsionadores do desmatamento na Amazônia) e desenvolvendo novas reservas de petróleo extensas.

Além disso, a Petrobras cita sua exploração de petróleo segura e sem acidentes no campo terrestre de Urucu, na Amazônia, desde 1986, como evidência de sua segurança operacional. Mas o histórico de acidentes do setor na Amazônia e em outros lugares — incluindo 62 vazamentos de óleo somente em 2022 — deixa amplo espaço para preocupação.

À medida que a decisão sobre a exploração da Margem Equatorial se aproxima, o Brasil descobrirá que não pode ter tudo: ou segue a abordagem destrutiva habitual, ou aceita que uma abordagem baseada na ciência que visa garantir as condições básicas de vida no planeta é incompatível com a extração de petróleo.

Crescimento da produção na contramão das necessidades do planeta

A América do Sul está passando por um calor extraordinário. Em maio de 2024, as temperaturas globais atingiram os níveis mais altos já registrados para aquele mês. Isso marcou o 11º mês consecutivo em que as temperaturas excederam o limite de aquecimento global de 1,5 °C definido pelo Acordo de Paris.

Um estudo recente de cientistas da NASA revela que certas regiões ao redor do mundo podem se tornar inabitáveis nas próximas décadas devido ao aumento das temperaturas, incluindo áreas no Centro-Oeste, Nordeste, Norte e Sudeste do Brasil. Um estudo publicado na Nature, em fevereiro de 2024, apresenta projeções preocupantes para a floresta amazônica, sugerindo que ela pode perder muito de sua capacidade de regeneração nos próximos 25 anos.

Em 2022, a Agência Internacional de Energia divulgou um relatório que apontava que limitar o aumento da temperatura global a 1,5 °C até o final do século ainda é possível, desde que a demanda global por petróleo diminua significativamente, de 97 milhões de barris por dia em 2022 para 77 milhões até 2030 e 24 milhões até 2050. Se esse cenário otimista se confirmar e a demanda global por combustíveis fósseis diminuir conforme projetado, pode não haver compradores para todo esse petróleo.

Pressões sobre a Amazônia

Lula enfrenta pressões da própria Petrobras, que está decidida a executar esse projeto para “se tornar o terceiro maior produtor mundial até 2030”, e de políticos regionais, atraídos pelas promessas de empregos e royalties.

E o próprio Lula acredita firmemente no petróleo como uma ferramenta de desenvolvimento. Em 2023, ele disse: “Quem mora na Amazônia tem direito a ter os bens materiais que todo mundo tem”, como se qualquer um dos megaprojetos anteriores tivesse trazido bem-estar material para a população local, em vez de destruição ambiental, miséria e violência.

Outros vizinhos amazônicos, como Equador e Colômbia, tomaram medidas concretas para controlar o capital fóssil. A incapacidade do Brasil de fazer o mesmo expõe a força do agronegócio, que usou sua influência política para impor uma agenda legislativa que enfraquece as proteções ambientais, os direitos indígenas e as regulamentações de pesticidas — abrindo caminho para o extrativismo em geral.

Lula enfrenta o desafio de equilibrar a sustentabilidade ambiental com os megaprojetos em andamento que podem prejudicar significativamente o meio ambiente e minar sua reputação como líder ambiental.

As principais questões incluem, além do projeto de perfuração de petróleo na Margem Equatorial, uma ferrovia que pode acelerar o desmatamento em terras indígenas, uma rodovia cortando uma floresta tropical intocada e a renovação da licença de uma grande barragem hidrelétrica. Suas decisões sobre esses projetos determinarão se ele pode manter sua postura ambiental enquanto administra interesses econômicos.

Assim como a construção da barragem de Belo Monte sob os governos anteriores do PT gerou pobreza e invasão urbana na floresta, o jornal Folha de São Paulo relata que “o petróleo na costa amazônica provoca ondas migratórias antes mesmo de existir uma prospecção do poço. Oiapoque não é a mesma cidade de antes: há as ocupações que cresceram de forma desordenada nas imediações do aeroporto”.

Apesar das consequências deletérias agora óbvias de sua abordagem, Lula e o PT continuam neste caminho desastroso. No mínimo, os últimos 20 anos mostraram que um caminho diferente não é apenas possível, mas uma necessidade absoluta.

Capital fóssil ou vida planetária

Ricardo Baitelo, do Instituto de Energia e Meio Ambiente, afirma que a Petrobras e os defensores dos combustíveis fósseis estão excessivamente otimistas sobre o encolhimento do mercado internacional de petróleo. Ele observa que a China, o maior cliente de petróleo do Brasil, planeja atingir o pico de consumo de petróleo antes de 2030 e reduzir sua dependência de combustível importado em meio a tensões com os Estados Unidos.

Sob a administração atual, o plano estratégico recém-aprovado da Petrobras descreve um investimento de US$ 102 bilhões nos próximos cinco anos. No entanto, apenas 11% desse orçamento será destinado a iniciativas de “baixo carbono”, o que é menor do que os 15% projetados inicialmente e abaixo da média das principais empresas de petróleo da Europa. Apesar do potencial do Brasil para limpar sua matriz energética, o plano prioriza a exploração e produção de petróleo e gás, com 72% dos fundos direcionados a esses setores.

Esse deveria ser o sentido de se ter uma empresa pública e propriedade pública sobre recursos naturais: priorizar as considerações estratégicas de longo prazo (levando em conta o interesse público) em contraste com os imperativos de mercado de curto prazo para ganhos dos acionistas.

O Brasil tem uma variedade de movimentos sociais liderados por ativistas rurais, urbanos e indígenas. É imperativo que eles trabalhem juntos com a crise climática como uma linha unificadora, para exercer pressão sobre o governo federal. O agronegócio e o capital fóssil estão exercendo pressão, e se os ativistas brasileiros não se movimentarem, o setor privado preencherá o vazio político.

Existem medidas concretas em torno das quais uma coalizão pró-clima pode se unir. E não faltam medidas que o governo Lula pode tomar se quiser executar uma agenda climática séria. Mas ele deve abandonar a tentativa fútil de tentar aplacar capital fóssil e ao mesmo tempo garantir a vida planetária. Não há meio termo.The Conversation

Bernardo Jurema, Research associate, Research Institute for Sustainability – Helmholtz Centre Potsdam

This article is republished from The Conversation under a Creative Commons license. Read the original article.