Márcio Santos de Santana, Universidade Estadual de Londrina (UEL)
O presidente da Argentina, Javier Milei, foi escolhido como Economista do Ano, na edição 2025, na tradicional premiação organizada desde 1959 pela Ordem dos Economistas do Brasil (OEB). De imediato, duas instituições manifestaram publicamente sua insatisfação: o Conselho Federal de Economia (Cofecon) e a Associação Brasileira de Economistas pela Democracia (Abed).
A questão que correu por fora, porém importantíssima: o Brasil ainda precisa de instituições autárquicas para controlar o exercício de uma determinada profissão? Essa discussão emana de forma sutil dessa querela. Contenciosos como esse propiciam a reflexão e a correção de rumos. Talvez, se bem aproveitada, essa polêmica possa possibilitar uma ampla discussão nacional sobre o assunto.
A Ordem dos Economistas do Brasil (OEB) é a mais antiga delas. Sua fundação remonta a 1935. Como entidade civil sua atuação tem como foco a valorização do campo econômico no Brasil, tanto da profissão do economista quanto do conhecimento econômico, por meio de cursos, palestras e outros eventos.
O Conselho Federal de Economia (Cofecon) foi criado em 1951, assim como os seus similares regionais – os Corecons –, por ocasião da regulamentação da profissão do Economista, através da Lei n. 1.411, de 13 de agosto. Trata-se de uma autarquia responsável pela fiscalização do exercício legal da profissão.
A Associação Brasileira de Economistas pela Democracia (Abed) é a caçula dentre essas instituições. Sua fundação se deu em 2019, na esteira dos movimentos contrários à posse de Jair Bolsonaro, ocasião na qual foram criadas várias entidades do gênero. Tem a mesma situação institucional que a OEB.
A existência de três entidades representativas da profissão,Um dos pontos em questionamento: a legitimidade para outorga da premiação. Uma instituição detém a autonomia para organizar uma premiação, considerando que ela representa os seus associados. Dessa maneira, considerando as instituições envolvidas na querela, a OEB concede o Prêmio Economista do Ano. A Abed, em parceria com o Corecon-RJ, mantém o Prêmio Nelson Le Cocq. Já o Cofecon concede ao menos três: o Prêmio Destaque Econômico, o Prêmio Brasil de Economia e o Prêmio Paul Singer de Boas Práticas Acadêmicas.
No último dia 25 de fevereiro, uma terça feira, a diretoria da Ordem dos Economistas do Brasil se reuniu com Javier Milei, em Buenos Aires, para a entrega do Diploma impresso em papel pergaminho, acompanhado de uma carta. Na avaliação dos organizadores da premiação, a escolha do presidente argentino se justifica em razão de “Sua visão estratégica e seu compromisso com a estabilidade econômica [que] têm sido fundamentais para guiar o país em momentos de incerteza e volatilidade dos mercados”. Segundo informações divulgadas à imprensa, Milei virá ao Brasil em agosto para a cerimônia de premiação, ocasião na qual receberá o troféu faltante.
O Cofecon emitiu uma nota oficial sobre a questão, no qual ressalta que a OEB é “[…] uma entidade privada que reúne um pequeno grupo de cidadãos, economistas ou não, e não possui qualquer atribuição normativa, fiscalizatória ou representativa sobre a profissão de Economista.” Lembra ainda que “[…] o atual mandatário da OEB, no cargo há mais de uma década, encontra-se com seu registro de economista suspenso em razão de processo ético-disciplinar […]”.
Em linha semelhante seguiu a Abed, via nota de repúdio, expondo não só a rigidez como também o caráter ideológico de sua oposição: “A atual direção daquela entidade [a OEB] demonstra um claro oportunismo ao se apresentar como porta-voz dos economistas brasileiros, tentando legitimar políticas que aprofundam desigualdades e fragilizam a soberania nacional.”
A legitimidade tem origem apenas no ato normativo estatal? Evidentemente que não. Legalidade e legitimidade andam juntas, mas não se confundem. O Cofecon faz essa confusão – proposital? – em sua nota. Pois bem, a legitimidade não deriva apenas da outorga estatal, sendo também construída pacientemente ao longo dos anos, às vezes das décadas, como reflexo do trabalho realizado junto ao seu público-alvo.
Certamente um trabalho bem feito tenha como resultado a ampliação da base de associados; por outro lado, se o trabalho for mal feito, a probabilidade é que ocorra o inverso. Vale questionar: estaria o Cofecon cogitando a criação de uma nova premiação, em concorrência à que é oferecida pela OEB – Economista do Ano –, de tal forma que avance ainda mais em direção a um possível monopólio em relação ao campo profissional dos economistas?
A questão que naturalmente se impõe: por qual razão a diretoria da OEB se decidiu pela premiação de Milei? Há os elementos ditos técnicos, já divulgados para justificar a premiação; especulo acerca dos não tão técnicos assim. Avanço algumas hipóteses, não necessariamente excludentes entre si:
(i) afinidades eletivas entre as partes envolvidas, tanto na economia – Escola Austríaca – quanto na política – conservadorismo;
(ii) promoção da instituição no cenário internacional e, nesse caso, Milei seria uma escolha ideal, pois garantia certa de polêmica, logo de visibilidade na mídia em geral;
(iii) no cenário nacional, o caso permite o aumento de visibilidade junto ao campo de direita, por assim dizer, aparentemente ideologicamente simpático à atual direção.
De um ponto de vista ético, premiar Milei faz sentido? Certamente não, pois tenho para mim que um profissional, independente da sua área de atuação, deve se ater, minimamente a uma tríade orientadora: (i) conhecimento técnico-científico; (ii) criatividade na elaboração e habilidade na implementação de projetos; (iii) respeito à ética profissional e à legalidade.
Talvez seja possível concordar que a premiação de Milei faça algum sentido em relação aos dois primeiros quesitos. Contudo, como agraciar um profissional em virtude do terceiro item? Seja em virtude dos problemas sociais em curso na Argentina – as medidas de Milei, afinal, agravam ou amenizam a coisa? –, seja em virtude de seu envolvimento no escândalo da criptomoeda $LIBRA.
Márcio Santos de Santana, Professor Associado de Teoria da História, Universidade Estadual de Londrina (UEL)
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