Robert Muggah, Instituto Igarapé
Com menos de 50 dias de seu mandato de 1.461 dias, o presidente Trump está determinado a expandir a influência dos Estados Unidos nas Américas. Ele acredita ter tanto o mandato quanto o poder militar e econômico bruto para remodelar o hemisfério por conta própria. Em vez de distinguir entre aliados e inimigos ou entre democratas e autocratas, o governo Trump divide o mundo entre fortes e fracos.
Trump está ecoando Tucídides, que, ao falar sobre o imperialismo ateniense, observou que “os fortes fazem o que querem, e os fracos sofrem o que devem”. E, embora sem dúvida consiga impor sua vontade a alguns países no curto prazo, as consequências de longo prazo podem acabar contrariando seus próprios interesses.
Ameaça de guerra comercial
Nas primeiras semanas de governo, Trump e sua equipe implementaram uma série de medidas protecionistas que fizeram os mercados globais despencarem nos EUA, Europa e Ásia. Em 4 de março, seu governo impôs tarifas de 25% sobre todas as importações do Canadá e do México, além de uma tarifa de 20% sobre produtos chineses.Essas medidas desencadearam uma rápida retaliação do Canadá e da China.
No dia seguinte, com as bolsas em forte queda, Trump suspendeu temporariamente a maioria das tarifas até abril. O Canadá, no entanto, manteve algumas de suas tarifas recíprocas, em meio a um temor crescente de uma guerra comercial prolongada com consequências globais significativas. As tarifas, que ora são aplicadas, ora suspensas, não apenas semeiam confusão nos mercados, mas também ameaçam desacelerar o crescimento, impulsionar a inflação e custar empregos aos trabalhadores.
Um EUA mais intervencionista
As ameaças agressivas de aumento de Trump não apenas reforçam sua política externa de “America First”, mas também sinalizam uma política externa mais ampla de “Américas em primeiro lugar”. Essa estratégia remete às doutrinas do século XIX e início do século XX, defendidas por ex-presidentes como Monroe, Polk, McKinley, Jackson, Roosevelt e Wilson, todos adeptos da primazia dos EUA no Hemisfério Ocidental.
O foco da atual administração em conter o tráfico de drogas, restringir a imigração e corrigir desequilíbrios comerciais – reais ou percebidos –, resultou em uma retórica intervencionista que tem precedentes históricos. Embora a ênfase de Trump na influência regional represente uma ruptura em relação ao distanciamento dos EUA ao longo do século XXI, ela também reaviva preocupações sobre o histórico de interferências norte-americanas na América Latina e no Caribe.
A nomeação do cubano-americano Marco Rubio como Secretário de Estado sinaliza o crescente interesse da administração Trump na América Latina e no Caribe. No mês passado, Rubio realizou sua primeira turnê diplomática, visitando Panamá, El Salvador, Costa Rica, Guatemala e República Dominicana – um feito histórico para um Secretário de Estado dos EUA.
Ele conta com o apoio de vários altos funcionários da administração Trump com interesses e conexões na região, incluindo o vice-secretário de Estado, Chris Landau, o conselheiro de Segurança Nacional Mike Waltz e o ex-diretor sênior do Conselho de Segurança Nacional para Assuntos do Hemisfério Ocidental, Mauricio Claver-Carone. Esse foco renovado pela América Latina reflete o desejo do governo norte-americano de reafirmar sua influência regional, ainda que, possivelmente, em detrimento de alianças tradicionais na região.
As Américas sob ameaça
O Canadá, historicamente considerado o aliado mais próximo dos Estados Unidos, agora se vê em forte desacordo com seu vizinho devido à contínua ameaça de impor novas tarifas. Essas medidas estão causando grande impacto em cadeias de suprimento compartilhadas pelos dois países, afetando setores que vão da manufatura à agricultura.
A mudança de postura dos Estados Unidos gerou debates no Canadá sobre a necessidade de reduzir sua dependência dos EUA, incluindo a diversificação de parcerias comerciais, especialmente com a União Europeia (UE). O maior fundo de pensão do país estaria analisando alternativas para reduzir sua exposição ao mercado norte-americano.
As ações de Trump não apenas desestabilizaram a corrida eleitoral canadense em favor do Partido Liberal, mas também uniram os canadenses, acelerando medidas para reduzir barreiras comerciais federais e entre províncias e desencadeando boicotes de consumidores, incluindo boicotes contra produtos dos Estados Unidos.
Enquanto isso, países da América Central e do Caribe estão lidando com as consequências das mudanças nas relações diplomáticas, do aumento da concorrência, da intensificação das deportações e da redução da assistência dos EUA. Embora as tarifas impostas por Trump devam agravar a escassez de mão de obra e elevar os custos de produção nos Estados Unidos, elas também podem reduzir os fluxos de remessas, um fator essencial para as economias locais.
A postura rígida do governo norte-americano em relação à segurança das fronteiras e à imigração tem gerado preocupações sobre uma possível desestabilização. E, embora as ações de Trump corram o risco de aumentar o ressentimento e as turbulências políticas, elas ainda não provocaram protestos em massa ou apelos por solidariedade regional, como ocorreu no passado.
Empoderando a extrema direita
Ao mesmo tempo, o cenário político na América Latina está passando por transformações, com ideologias de extrema direita ganhando força enquanto a esquerda se desintegra em muitas regiões. Figuras como Javier Milei, na Argentina, e Nayib Bukele, em El Salvador, adotaram uma retórica populista semelhante ao Trumpismo (e seu correspondenteanti-wokismo), refletindo uma guinada regional mais ampla em direção ao conservadorismo.
Essas tendências, combinadas com medidas agressivas de mano dura para reprimir o crime organizado (e à redução dos esforços dos EUA no combate à corrupção), levantam questões preocupantes sobre o futuro das normas democráticas e dos direitos humanos nesses países. Além disso, a classificação de vários cartéis e gangues como “terroristas” pelo governo dos EUA desperta receios no México e em outros países da região sobre possíveis violações de soberania.
O fator chinês
A forte influência da China na América Latina adiciona mais uma camada de complexidade à estratégia dos Estados Unidos. Como principal parceiro comercial da América Latina, a presença chinesa desafia os esforços norte-americanos para reafirmar sua hegemonia.
As tentativas da administração de conter essa influência envolvem pressionar países a reduzirem suas dependências da China, mas essa estratégia pode gerar ressentimento e, paradoxalmente, aproximar ainda mais essas nações de Pequim – mesmo em um momento de desafios políticos,econômicos e demográficos dentro da própria China.
Após Marco Rubio exigir “mudanças imediatas” do Panamá em relação à “influência e controle” da China sobre o canal, uma empresa com sede em Hong Kong concordou em vender sua participação em dois portos estratégicos para um grupo liderado pelo banco de investimentos norte-americano BlackRock. Enquanto isso, o aprofundamento dos laços dos EUA com a Rússia pode reconfigurar as alianças na região,levantando ainda mais questões sobre como Washington lidará com adversários como Cuba, Nicarágua e Venezuela.
Ambições expansionistas
Trump 2.0 inaugurou um período de maior envolvimento dos EUA nas Américas, marcado por políticas protecionistas, medidas agressivas de deportação e uma reafirmação de influência. Com razão ou não, o presidente norte-americano está convencido de que o caminho para o sucesso no front doméstico passa pelo controle das drogas e da imigração, além do retorno da produção industrial ao território norte-americano.
De forma mais controversa, ele também parece nutrir ambições expansionistas, incluindo a ideia de tomar a Groenlândia e, potencialmente, o Canadá “à força”, se necessário – uma ameaça levada a sério por Copenhague e Ottawa. Embora algumas de suas medidas tenham como objetivo enfrentar problemas internos de longa data nos EUA, elas também provocaram disrupções econômicas e realinhamentos geopolíticos, forçando tanto aliados quanto adversários a reavaliar suas posições em um cenário global em rápida transformação.
Buscando novas parcerias
Por outro lado, é possível que, embora as ações agressivas dos EUA possam assustar os mercados e romper alianças tradicionais, elas também possam acelerar novas formas de investimento e cooperação em um mundo cada vez mais fragmentado. Embora haja fortes incentivos para que países pequenos e médios adotem uma postura mais competitiva e transacional, também surgem oportunidades para maior solidariedade e colaboração, especialmente em áreas como segurança, imigração, comércio e políticas climáticas.
Apesar do choque causado pela rapidez e severidade das medidas norte-americanas, muitos países estão, discretamente,aderindo a acordos de deportação de imigrantes. O Canadá, por exemplo, está acelerando esforços para expandir seus gastos com defesa, reduzir suas dependências digitais e de infraestrutura em relação aos EUA e até criar um corpo de defesa civil. Nos bastidores, praticamente todos os países (e empresas) das Américas estão buscando novas parcerias, alianças e acordos comerciais com a Europa, China, Índia e os países do BRICS+.
Independentemente do desfecho dessas coalizões regionais e das reformas políticas internas nos próximos anos, fica evidente que a região como um todo está buscando reduzir sua dependência dos EUA o mais rápido possível.
O autor agradece o apoio da Robert Bosch Academy para a realização deste artigo.
Robert Muggah, Richard von Weizsäcker Fellow na Bosch Academy e Co-fundador, Instituto Igarapé
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