Uso descontrolado de smartphones e redes sociais está transformando ansiedade em epidemia entre os jovens

17 de março de 2025
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“Parte essencial da crise global de saúde mental entre menores de idade”: é dessa forma que os estudos mais recentes indicam a gravidade da dependência de celulares e redes sociais apresentadas pelas novas gerações. Pela primeira vez, os registros de ansiedade entre crianças e jovens superaram os de adultos. Foto: Freepik, CC BY
“Parte essencial da crise global de saúde mental entre menores de idade”: é dessa forma que os estudos mais recentes indicam a gravidade da dependência de celulares e redes sociais apresentadas pelas novas gerações. Pela primeira vez, os registros de ansiedade entre crianças e jovens superaram os de adultos. Foto: Freepik, CC BY

Carlos Vogt, Fundação Conrado Wessel e Heitor Shimizu, Fundação Conrado Wessel


Nos últimos anos, a ansiedade tem despontado como um dos maiores desafios para a saúde pública em todo o mundo. O que antes era visto como um transtorno pontual, hoje é considerado por especialistas um problema tão grave a ponto de alguns considerarem uma epidemia. Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) indicam que o transtorno de ansiedade afeta mais de 300 milhões de pessoas no mundo, com um crescimento alarmante entre adolescentes e jovens adultos.

Como os dados são de 2019, pré-pandemia, hoje o número deve ser muito maior. No Brasil, por exemplo, um levantamento feito recentemente pelo Ministério da Saúde surpreendeu ao mostrar que, de 2014 a 2024, os atendimentos relacionados a transtornos de ansiedade no SUS aumentaram 1.575% entre as crianças de 10 a 14 anos. Entre adolescentes, de 15 a 19 anos, o avanço foi de 4.423%.


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Uma análise feita em 2024 pelo jornal Folha de S.Paulo, com dados da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) do SUS de 2013 a 2023, indicou que, pela primeira vez, os registros de ansiedade entre crianças e jovens superaram os de adultos. A reportagem apontou que o telefone celular seria “parte essencial da crise global de saúde mental entre menores”, reforçando a tese lançada por Jonathan Haidt, professor da New York University, no livro A geração ansiosa: Como a infância hiperconectada está causando uma epidemia de transtornos mentais, que se tornou um best-seller mundial. Segundo Haidt, por trás do grande aumento na ocorrência de transtornos de ansiedade em jovens estão as mudanças profundas que as novas tecnologias de comunicação trouxeram para o cotidiano.

O uso excessivo de smartphones, a exposição constante às redes sociais e a hiperconectividade seriam os principais vilões dessa crise. “A Geração Z foi a primeira na história a passar pela puberdade com um portal no bolso que os afastava das pessoas ao seu redor e os transportava para um universo alternativo excitante, viciante, instável e inadequado para crianças e adolescentes”, escreveu.

A tese de Haidt é que as redes sociais, às quais os jovens se conectam dia e noite por meio de seus celulares, em plataformas como Instagram, TikTok, YouTube e Facebook, criam um ambiente de comparação social constante, onde os jovens são bombardeados por imagens de vidas supostamente perfeitas. “Para ter sucesso social nesse universo, os jovens precisam dedicar uma grande parte de sua consciência — constantemente — à administração do que se tornou sua marca on-line. Isso passou a ser essencial para obter aceitação dos colegas, que é o oxigênio da adolescência, e para evitar a humilhação online, que é o pesadelo dessa fase da vida”, disse.

A pesquisa feita por Haidt deu sequência ao trabalho de Jean Twenge, professora da San Diego State University, e autora de iGen: Why Today’s Super-Connected Kids Are Growing Up Less Rebellious, More Tolerant, Less Happy—and Completely Unprepared for Adulthood, que foi uma das primeiras a soar o alarme. Segundo ela, os jovens nascidos após 1995, a chamada Geração Z, são os primeiros a passar toda a adolescência imersos no mundo digital, o que tem consequências profundas. “Os adolescentes que passam mais tempo em frente às telas têm maior probabilidade de relatar sintomas de depressão e ansiedade. Eles também são mais propensos a se sentir solitários e desconectados, mesmo estando sempre on-line”, disse.

Os cientistas alertam que o uso excessivo de smartphones e de redes sociais acarreta diversos outros problemas, além de interferir no sono, um fator crucial para a saúde mental. A luz azul emitida pelas telas suprime a produção de melatonina, o hormônio responsável pelo sono, e a constante estimulação de notificações mantém o cérebro em estado de alerta. “A privação de sono é um dos principais gatilhos para a ansiedade e a depressão”, alerta Haidt.

Haidt chama esse cenário de ansiedade epidêmica de “A Grande Reconfiguração” (The Great Rewiring), onde o tempo que antes era dedicado a brincadeiras ao ar livre, interações sociais presenciais e experiências reais foi substituído por horas sem fim em frente às telas em ambientes virtuais.

“Os adolescentes da Geração Z foram sugados para um ciclo em que passam muitas horas do dia rolando a tela, vendo as postagens brilhantes e felizes de amigos, conhecidos e influenciadores distantes. Eles consomem quantidades cada vez maiores de vídeos gerados por usuários e de entretenimento transmitido por streaming, oferecidos por algoritmos e reprodução automática, projetados para mantê-los on-line pelo maior tempo possível. Como resultado, passam muito menos tempo brincando, conversando ou até mesmo fazendo contato visual com amigos e familiares, reduzindo assim sua participação em comportamentos sociais corporais que são essenciais para o desenvolvimento humano saudável”, disse Haidt.

A questão é que, para muitos jovens, desligar-se das redes sociais não é uma opção. “As redes sociais são o principal meio de socialização para essa geração. Elas são usadas para fazer amigos, manter relacionamentos e até para atividades escolares. O problema é que isso cria uma dependência difícil de romper”, disse Twenge.

Além disso, o fenômeno do cyberbullying agrava a situação. Segundo dados da Unicef, um em cada três jovens no mundo já foi vítima de bullying on-line. Esse tipo de violência, que pode ocorrer 24 horas por dia, deixa marcas profundas na saúde mental. “O cyberbullying é particularmente devastador porque não há escapatória. A vítima é perseguida em casa, na escola, em todos os lugares”, diz Haidt.

De fenômeno natural a digital

A ansiedade é uma resposta natural do organismo a situações percebidas como ameaçadoras ou desafiadoras. Ela envolve uma combinação de sintomas físicos, emocionais e cognitivos, como aumento dos batimentos cardíacos, tensão muscular, inquietação, preocupação excessiva e dificuldade de concentração.

Do ponto de vista biológico, a ansiedade está relacionada à ativação do sistema nervoso simpático e à liberação de hormônios como adrenalina e cortisol, preparando o corpo para enfrentar ou fugir de um perigo – a chamada “resposta de luta ou fuga” ou “reação de lutar ou fugir”.

“A ansiedade é um fenômeno humano. Nos animais, o medo é uma reação inata a situações de perigo, uma resposta que o organismo adota para se manter, se proteger e continuar existindo. No entanto, é a condição humana que explica a vivência chamada ansiedade. A ansiedade é um fenômeno fisiológico, relacionado a uma série de mecanismos corporais, autonômicos e hormonais que preparam o indivíduo para a sobrevivência. De forma simplificada, a ansiedade é uma derivação do medo”, diz Marcelo Queiroz Hoexter, vice-chefe do Laboratório de Psicopatologia e Terapêutica Psiquiátrica da Faculdade de Medicina da USP, em uma das entrevistas na edição de FCW Cultura Científica que acabamos de lançar.

A ansiedade é uma resposta fisiológica complexa que envolve o cérebro, o sistema nervoso e os hormônios do estresse. Quando esse mecanismo funciona corretamente, ajuda a lidar com desafios e ameaças. No entanto, se for hiperativado ou desregulado, pode levar a transtornos de ansiedade, impactando negativamente a saúde física e mental.

Embora a ansiedade seja uma emoção normal e até benéfica em certas situações, ela pode se tornar um problema quando é intensa, persistente e interfere na vida diária. Nesses casos, pode indicar um transtorno de ansiedade, que requer atenção e, muitas vezes, tratamento especializado.

Na história recente, a ansiedade passou a ser mais associada ao estresse cotidiano da vida moderna, como pressões no trabalho, nos estudos e nas interações sociais. O século 20 viu um aumento na compreensão dos transtornos de ansiedade, com o desenvolvimento de tratamentos psicológicos e farmacológicos para lidar com o problema. Viu também a ansiedade ser intensificada por fatores como o uso excessivo de redes sociais, a superproteção no mundo real e a hiperexposição a estímulos digitais. A necessidade constante de validação on-line, o medo de perder oportunidades (FOMO, do inglês “fear of missing out”) e a comparação incessante com vidas idealizadas geram um estado de alerta permanente, prejudicando o bem-estar mental. Dessa forma, a ansiedade, que antes era um mecanismo de defesa útil, tornou-se uma barreira para o desenvolvimento saudável das novas gerações.

Sem tempo livre

Haidt ressalta em seu livro que a “A Grande Reconfiguração” não diz respeito apenas às mudanças nas tecnologias que moldam os dias e as mentes das crianças. “Há uma segunda narrativa: a mudança bem-intencionada, mas desastrosa, de superproteger as crianças e restringir sua autonomia no mundo real. As crianças precisam de uma grande quantidade de brincadeiras livres para se desenvolverem plenamente. Isso é uma necessidade evidente em todas as espécies de mamíferos. Os pequenos desafios e contratempos que ocorrem durante as brincadeiras funcionam como uma espécie de imunização, preparando as crianças para enfrentar desafios muito maiores no futuro. No entanto, por uma série de razões históricas e sociológicas, o tempo de brincadeira livre começou a diminuir nos anos 1980, e essa queda se acelerou na década de 1990”, disse.

Adultos em todo o mundo passaram a achar, cada vez mais, que ao deixar seus filhos andarem sozinhos na rua, eles se tornariam alvo de sequestradores e agressores sexuais. Segundo Haidt, o tempo de brincar livremente e sem supervisão diminuiu ao mesmo tempo em que, primeiro o computador, e depois o celular, tornaram-se mais populares e mais atraentes, substituindo os espaços e tomando os tempos livres de antes. “Minha tese central é que essas duas tendências — superproteção no mundo real e falta de proteção no mundo virtual — são as principais razões pelas quais as crianças nascidas depois de 1995 se tornaram a geração ansiosa”, disse.

Alunos desconectados

Diante da epidemia de ansiedade em jovens, governos de diversos países têm adotado medidas para tentar mitigar os efeitos negativos do uso das novas tecnologias. No Brasil, o Governo Federal sancionou a Lei15.100/25, que proíbe alunos de usar telefone celular e outros aparelhos eletrônicos portáteis em escolas públicas e particulares, inclusive no recreio e intervalo entre as aulas. A proibição vale para a educação infantil e os ensinos fundamental e médio.

Outros países têm adotado medidas semelhantes na tentativa de reduzir a distração em sala de aula e, ao mesmo tempo, proteger a saúde mental dos estudantes. Na Flórida, crianças menores de 14 anos estão proibidas de criar contas em redes sociais. A Austrália foi ainda mais longe, ao proibir o uso de redes sociais para menores de 16 anos.

A proibição, no entanto, divide opiniões. Para alguns especialistas, pode ser uma solução simplista para um problema complexo, mesmo porque uma medida como não poder criar contas, por exemplo, é algo que os jovens sabem burlar com facilidade. “Proibir o celular na escola é importante, mas não resolve a questão de fundo. Precisamos educar os jovens para saber como usar a tecnologia de forma saudável”, disse Twenge.

Outro entrevistado da edição de FCW Cultura Científica, Antônio Álvaro Soares Zuin, professor titular do Departamento de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de São Carlos, concorda em parte. “Pesquisas feitas em todo o mundo têm mostrado que não é viável permitir que crianças, pré-adolescentes ou adolescentes fiquem em sala de aula com o celular ligado nas redes sociais. É claro que a tecnologia digital tem um potencial pedagógico incrível, mas com crianças e adolescentes, a realidade é que os docentes precisam ter o controle durante a aula”, disse.

Com adolescentes mais velhos, como por exemplo, estudantes nos primeiros anos do ensino superior, a solução estaria além da simples proibição do uso. “Podemos fazer com que professores e alunas, alunos e professores, conversem e entrem em acordo quanto ao uso do celular na aula, mas apenas em momentos eventuais, como ao buscar informações sobre conceitos ou conteúdos que estão sendo estudados. No entanto, para isso, todos precisam estar juntos, compartilhando a atenção no mesmo objeto, sem fragmentá-la”, disse.

Para combater a epidemia de ansiedade, especialistas defendem uma abordagem multifacetada. Em primeiro lugar, é essencial promover a educação digital, ensinando os jovens a usar a tecnologia de forma consciente e equilibrada. A ideia é ajudar os adolescentes a entender que o que eles veem nas redes sociais muitas vezes não é a realidade e que eles precisam aprender a se desconectar e a valorizar as interações interpessoais e não apenas as virtuais.

Além disso, é crucial investir em políticas públicas que priorizem a saúde mental. No Brasil, o Sistema Único de Saúde (SUS) oferece atendimento psicológico gratuito, mas a demanda ainda supera a oferta. Por fim, os especialistas destacam a importância do papel dos pais e educadores. “Os adultos precisam dar o exemplo, limitando seu próprio uso de tecnologia e criando espaços de desconexão em casa”, disse Twenge.

Enfrentar o problema é também responsabilidade dos pais. “Se você atrasar o momento de dar um smartphone ao seu filho, isso tornará mais fácil para outros pais fazerem o mesmo. Se você der mais independência ao seu filho, isso também tornará mais fácil para outros pais fazerem o mesmo. Se vocês fizerem isso junto com outras famílias, será ainda mais fácil e até mesmo mais divertido”, disse Haidt.

A epidemia de ansiedade entre os jovens é um reflexo das transformações profundas que as novas tecnologias trazem para a sociedade. Embora as novas ferramentas de comunicação tenham o potencial de conectar e informar, elas também podem alienar e causar problemas de saúde. Cabe a todos — governos, instituições, educadores, pais e especialistas — encontrar um equilíbrio que permita aproveitar os benefícios da tecnologia sem sacrificar a saúde mental das futuras gerações.


Clique aqui e leia a edição completa da Revista FCW Cultura Cientifica sobre Ansiedade.

Carlos Vogt, Diretor-Presidente, Fundação Conrado Wessel e Heitor Shimizu, Editor-chefe da Revista FCW Cultura Científica, Fundação Conrado Wessel

This article is republished from The Conversation under a Creative Commons license. Read the original article.

Redacao

Equipe de jornalistas do Jornal DC - Diário Carioca

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