© Marcelo Camargo/Agência Brasil

Brasília, Distrito Federal
A ideia de criar uma alternativa parlamentar à anistia ampla para os golpistas do 8 de Janeiro fracassou antes mesmo de sair do papel. Liderada por Davi Alcolumbre, senador pelo União Brasil do Amapá e atual presidente do Congresso Nacional, a manobra política derreteu diante da indiferença dos próprios bolsonaristas, que nunca se interessaram em perdoar as “Déboras Rodrigues” da massa de manobra. O objetivo sempre foi outro: blindar Jair Bolsonaro e sua cúpula — não aliviar a barra de quem lambuzou estátua com batom ou invadiu palácio por WhatsApp.

O desinteresse calculado da extrema-direita

Segundo revelado pela Folha de S.Paulo, fontes próximas ao processo de articulação afirmam que a tentativa de costurar uma alternativa “menos indecente” à anistia total foi desidratada pelos próprios aliados de Jair Bolsonaro. A mudança de foco da oposição — agora voltada à criação de uma CPI do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) para investigar supostas fraudes — tornou a anistia um assunto incômodo, melhor deixado para depois. Ou para nunca.

No fundo, a proposta “humanitária” de Alcolumbre jamais empolgou o bolsonarismo raiz. A militância, e seus representantes no Congresso, não estão preocupados com cabeleireiras presas ou aposentados adoecidos. Querem um salvo-conduto político e judicial para Jair Bolsonaro, e ponto. Qualquer alternativa que exclua o ex-presidente é automaticamente descartada como insuficiente.

Um teatro sem público nem aplauso

O pano de fundo dessa encenação legislativa foi o próprio Supremo Tribunal Federal, que fingiu não ver, mas também não aplaudiu. Consultados por Alcolumbre, os ministros da Corte mantiveram a habitual pose institucional: disseram que não resistiriam a um eventual projeto vindo do Congresso, mas também não dariam qualquer aceno público que sugerisse erro nas penas já fixadas. Afinal, admitir que houve exageros seria apontar o dedo contra si mesmos — e ninguém no Supremo parece disposto a pagar esse mico.

Como resumiu um dos magistrados em off: qualquer mudança legal seria um “reconhecimento implícito” de que o Congresso agora acha que as penas foram altas demais. Mas quem aprovou essas leis? O próprio Congresso, claro. A hipocrisia é evidente, mas juridicamente camuflada.

Progressão penal como saída pela tangente

Enquanto o Congresso simula debate e o Supremo finge neutralidade, a realidade dos condenados avança por outra trilha: a progressão de penas. A concessão de prisão domiciliar a Débora Rodrigues, ícone involuntário da “anistia popular”, abriu caminho para a liberação de outros 32 presos desde o dia 28 de março. O total chega a 33 libertações, incluindo alguns condenados com problemas de saúde e outros sequer julgados. A mensagem implícita: não precisa mudar a lei, basta esperar o tempo passar.

O relator dos mais de 1.400 inquéritos relacionados ao 8 de Janeiro, Alexandre de Moraes, conduz a liberação gradual como quem administra uma válvula de pressão. Solta alguns, mantém outros, e controla o clima político com mão firme — mas sem alarde.

Congresso finge que trabalha (e foca em outras pautas)

A anistia esfriou, mas o Senado esquentou. Nas últimas semanas, Davi Alcolumbre acelerou votações há décadas paradas, como a reforma das regras para licenciamento ambiental. Outras pautas de impacto, como a prorrogação das cotas raciais no serviço público e restrições à publicidade de apostas esportivas, também avançaram. Tudo para mostrar serviço enquanto a anistia empaca.

Na Câmara dos Deputados, o presidente Hugo Motta, do Republicanos da Paraíba, entrou no jogo com uma ofensiva contra os descontos abusivos nas aposentadorias do INSS e criou um grupo de trabalho para a reforma administrativa. Mas, sobre a anistia bolsonarista? Silêncio conveniente.

Minuta engavetada e um Frankenstein legislativo

A tal “alternativa” de Alcolumbre nunca virou projeto formal. O que circulou foi apenas uma minuta divulgada pela imprensa, com propostas tímidas e juridicamente questionáveis. Entre elas, a criação de um tipo penal novo para punir quem “foi influenciado pela multidão” a cometer crimes contra o Estado Democrático de Direito. Um dispositivo sob medida para tentar salvar a “massa de manobra”, mas que, na prática, abriria brechas perigosas para futuros arranjos autoritários.

Senadores como Sergio Moro, do União Brasil do Paraná, e Alessandro Vieira, do MDB de Sergipe, foram consultados. Vieira, inclusive, já tem proposta parecida tramitando. Mas não houve formalização de grupo de trabalho, nem definição de relator. Tudo ficou na conversa.

Rodrigo Pacheco, ex-presidente do Senado e advogado de formação, chegou a opinar nos bastidores, junto de sua assessoria jurídica. Mas o projeto nunca passou do estágio de brainstorm informal. Hoje, não há relator, cronograma ou consenso. Só há silêncio.

Conclusão: anistia seletiva morre por falta de público

A verdade nua e crua: a anistia para os golpistas do 8 de Janeiro não morreu por falta de apoio. Morreu porque só interessava a quem já tem foro, advogado caro e proteção política. Sem incluir Jair Bolsonaro no pacote, o bolsonarismo não se mobiliza. E sem essa mobilização, o Congresso finge que se importa, enquanto toca outras prioridades e deixa o tema sangrar lentamente.

No Brasil da “anistia humanitária”, só é perdoado quem nunca foi punido. Os outros que esperem a boa vontade de Alexandre de Moraes, ou o esquecimento conveniente de Davi Alcolumbre.

JR Vital - Diário Carioca
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JR Vital é jornalista e editor do Diário Carioca. Formado no Rio de Janeiro, pela faculdade de jornalismo Pinheiro Guimarães, atua desde 2007, tendo passado por grandes redações.