Arte Ponto Vital: Museu Bispo do Rosário inaugura exposição permanente

Exposição permanente vai percorrer a história do local onde funciona o Museu, mostrando as inter-relações entre arte e psiquiatria e a evolução da luta antimanicomial. De colônia agrícola a hospital, manicômio e museu, 100 obras, entre pinturas, fotos inéditas, vídeos e aparelhos usados em pacientes no século XX vão retratar essa evolução

Nem sempre foi arte a história do local onde funciona o Museu Bispo do Rosário, em Jacarepaguá, no Rio de Janeiro. Os acontecimentos ali se confundem com a história da própria cidade, mas, acima de tudo, com a relação entre a psiquiatria e a arte. De colônia agrícola a manicômio, hospital e museu, o lugar já teve muitos usos. Para retratar essa história nem sempre bordada com as linhas do Bispo, a partir do dia 11 de março, o Museu apresenta a exposição Arte Ponto Vital. A curadoria é coletiva e conta com a participação dos artistas do Atelier Gaia, que apresentam suas perspectivas sobre essa história. 

Com a participação de 30 artistas, vai reconstruir o percurso das manifestações artísticas que surgiram na Colônia Juliano Moreira desde a sua criação, nos anos 1940, quando aconteciam os ateliês de arteterapia, a evolução dos tratamentos psiquiátricos até o momento atual, a descoberta dos trabalhos de Arthur Bispo do Rosário e Stella do Patrocínio, até o rompimento com o sistema manicomial. São pinturas, esculturas, fotos históricas, vídeos e até aparelhos arcaicos que eram usados em pacientes no início do século XX, para tratamentos com choques e lobotomias, por exemplo.

Arte Ponto Vital será uma exposição híbrida, presencial e virtual, e vai mostrar diversas experiências artísticas que surgiram ali desde os tempos da Colônia Juliano Moreira, como a do próprio Bispo do Rosário, Stella do Patrocínio e Arlindo Oliveira. Na mesa de abertura, realizada de forma online às 19 horas, estarão representantes do Hospital Psiquiátrico do Juqueri, do Museu de Imagens do Inconsciente e do Hospital Psiquiátrico São Pedro, além da direção do Museu Bispo do Rosário. A programação conta também com uma performance de Arlindo Oliveira. Entre as atrações estão também a pintura de um painel por Leonardo Lobão, retratando o dia a dia na antiga Colônia e a pintura de um mural na parede lateral do edifício sede, por Miguel Afa. A obra com mais de mais de cinco metros de altura poderá ser vista desde a Transolímpica. Arte Ponto Vital inclui ainda webinários e visitas guiadas e mediadas.

Arte Ponto Vital: Museu Bispo do Rosário inaugura exposição permanente - Foto: Ian de Farias
Arte Ponto Vital: Museu Bispo do Rosário inaugura exposição permanente – Foto: Ian de Farias

É importante reviver essa história nesse momento em que, infelizmente, existe um risco real da volta dos manicômios de uma forma disfarçada, em um processo flagrante de silenciamento das pessoas. Muitos artistas viveram e morreram na Colônia, sem nunca ter tido qualquer visibilidade”, explica a médica psiquiátrica Raquel Fernandes, diretora do Museu Bispo do Rosário.

Entre os trabalhos, além dos artistas de referência do museu, participam também os que integraram o programa de resistência artística do projeto CasaB como Ricardo Basbaum, Fernanda Magalhães e Luiz Gustavo Carvalho, e do Atelier Gaia, como Arlindo Oliveira, André Bastos, Clovis Aparecido, Leonardo Lobão, Luiz Carlos Marques, Patricia Ruth, Pedro Motta, Rogéria Barbosa, Sebastião Swayzzer e Victor Alexandre.

“Nunca foi tão atual pensar a importância da arte como algo estruturante na essência humana. Ou, como disse o crítico de arte Mário Pedrosa, uma ‘necessidade vital’. Mas quais as possibilidades dentro de universo na vida de pessoas atravessadas pelo sofrimento psíquico?”, explica Ricardo Resende, curador da instituição.

Hugo Denizart, psicanalista e fotógrafo, foi um dos artistas que desenvolveu um denso trabalho na Colônia Juliano Moreira. Entre 1982 e 1984, coordenou o projeto Juliano Moreira, que disponibilizou equipamento fotográfico para os próprios pacientes registrarem livremente o cotidiano da instituição. Em 1982, fez o documentário O Prisioneiro da Passagem, filme sobre Arthur Bispo do Rosario realizado no contexto da Colônia.Em Região dos Desejos, trabalho fotográfico publicado em 1984, revelou detalhes do cotidiano dos internos e toda uma variedade de fragmentos que se escondiam no mundo invisível da instituição.

DA COLÔNIA JULIANO MOREIRA AO MUSEU BISPO DO ROSARIO

A Colônia de Psicopatas-Homens, inaugurada em Jacarepaguá em 1924, representou um modelo de assistência psiquiátrica organizado em colônias agrícolas para abrigar pacientes ditos incuráveis. Renomeada Colônia Juliano Moreira (CJM), em 1935, ampliou de maneira significativa suas instalações com a instituição de um novo modelo de assistência – o hospital-colônia. 

Os anos 1970 marcam o início da luta antimanicomial brasileira, cujos movimentos denunciaram as violências praticadas nos manicômios, além de criticar o modelo de tratamento e lutar por cidadania e direitos humanos.

O avanço da Reforma Psiquiátrica apontou a urgência de atravessar os muros das instituições, reavendo a cidade. As ações culturais, educativas e artísticas tornaram-se pontos fundamentais na criação de novas práticas de cuidado e no movimento de desinstitucionalização. Os museus ligados às instituições de saúde fizeram parte das estratégias que atuaram no imaginário social para permitir novas representações sobre a loucura.

Nos anos 2000, após a municipalização, a CJM passa a se chamar Instituto Municipal de Assistência à Saúde Mental Juliano Moreira (IMASJM). Foi criado o Clube de Lazer, um dos precursores dos atuais Centros de Convivência e o projeto de geração de renda Arte Horta & Cia para usuários dos serviços de saúde mental. É também nesse período que o museu muda seu nome para Museu Bispo do Rosário Arte Contemporânea.

Em 2013, o Museu incorpora todos os programas culturais do IMASJM através de seu novo eixo de atuação local – o Polo Experimental de Convivência Educação e Cultura. O Atelier Gaia, integrante do Polo, transforma-se em um lugar de criação e formação, gerido coletivamente pelos seus artistas: Arlindo Oliveira, André Bastos, Clovis Aparecido, Leonardo Lobão, Luiz Carlos Marques, Patricia Ruth, Pedro Motta, Rogéria Barbosa, Sebastião Swayzzer e Victor Alexandre.

Com o apoio do museu, os artistas ampliam suas pesquisas e práticas, favorecendo o ingresso no circuito da arte e o intercâmbio com artistas de outros contextos – em especial através de seu programa de residências artísticas chamado Casa B. A imersão no universo da Colônia, vivenciada pelos participantes do programa Casa B, se dá no encontro com os conviventes do Polo Experimental, no contato com o acervo do museu e na relação com o território. Na interface entre a arte e a saúde mental, os artistas residentes vivenciam o processo de criação em suas dimensões éticas e estéticas, sendo afetados e afetando reciprocamente. 

O Polo Experimental – com suas oficinas de bordado, música, mosaico, horta, audiovisual, teatro de bonecos, dança, pilates, culinária, bloco de carnaval e a rádio Delírio Cultural – transforma-se nessa amálgama, que reúne a comunidade, artistas, usuários e trabalhadores de saúde mental em uma relação horizontal e não hierarquizada para experimentar através da arte, novos encontros e possibilidades de existência. Sua potência está na ampliação dos laços, no tornar-se casa, território de vínculos, criação, transformação e afetos.

ARTHUR BISPO DO ROSARIO

“Cidade dos rejeitados”, “fim de linha”, “depósito de loucos”, “casa dos horrores”, assim foi apresentada a CJM, na reportagem de TV realizada pelo jornalista Samuel Wainer Filho, exibida em 18 de maio de 1980. As denúncias de maus tratos e das condições precárias de vida dos internos da CJM, comparadas aos campos de concentração nazista, tiveram grande repercussão e pressionaram por mudanças no modelo de assistência manicomial. Foi nessa reportagem que Arthur Bispo do Rosário e suas obras foram vistos pela primeira vez à nível nacional.

O interesse despertado por seu trabalho atraiu artistas e curadores de arte. Em 1982, o crítico de arte e curador Frederico de Moraes organizou no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM) a exposição coletiva À Margem da Vida, que contou com 16 estandartes do artista. Após a mostra, surgiram vários convites para novas exposições, todos recusados, pela dificuldade de Bispo de separar-se de sua obra, já que a mesma tinha uma função religiosa e não artística. 

Com sua morte em 1989, realizou-se a primeira exposição individual, Registros de minha passagem na terra, com curadoria de Frederico de Moraes, no Parque Lage. Através dessa mostra, o trabalho de Bispo, de inestimável valor artístico, inicia uma trajetória de reconhecimento nacional e internacional, sendo considerado hoje um dos maiores nomes da arte contemporânea brasileira, ao lado de Lígia Clark e Hélio Oiticica.  

Se no campo da arte Bispo influenciou diversos artistas, em especial a “Geração 80”, no campo da saúde mental sua obra apontava para uma mudança de práticas de cuidado, através da valorização da capacidade criativa e do resgate da liberdade, sendo a arte um caminho de possibilidades. 

Serviço:

Exposição Arte Ponto Vital

Abertura:  11 de março de 2021

Dias: Terça a sexta

Horário: 10h às 17h

Entrada gratuita, apenas mediante agendamento através do site (www.museubispodorosario.com) ou e-mail [email protected]

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