Artigo | Falta de inclusão na web dificulta processos de cidadania para pessoas com deficiência

A pandemia da covid-19 aproximou pessoas de baixa renda a uma série de discussões a respeito do acesso à internet e às tecnologias. Home office, ensino à distância, abertura ou não das escolas, foram temas dominantes em 2020.

Para pessoas e entidades ligadas a direitos humanos, o salto foi iminente: reuniões online, protestos virtuais e até mesmo coberturas de manifestações feitas de forma híbrida (com pessoas que ainda não se sentiam seguras para sair às ruas acompanhando transmissões ao vivo dos atos realizados).

Mas como ficam as pessoas com deficiência, que têm acesso à Internet, mas são colocadas de lado pela maioria dos sites ou redes sociais, incluindo os relacionados ao terceiro setor e entidades e associações ligadas a direitos da sociedade civil?

O Brasil conta, segundo a última pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE 2010), com quase 25% da sua população com alguma deficiência. São 45 milhões de pessoas, em sua maioria com problemas para enxergar, que muitas vezes ficam à margem ou sofrem para acompanhar conteúdos rotineiros.

Seguindo a tendência mundial, o Brasil aprovou recentemente uma legislação que tenta proteger a privacidade dos internautas, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), mas a legislação referente à inclusão digital de pessoas com deficiências ainda é “a lei que não pegou”.

Promulgada pela ex-presidenta Dilma Rousseff, a lei 13.146, de 6 de julho de 2015 prevê que “(…)É obrigatória a acessibilidade nos sítios da internet mantidos por empresas com sede ou representação comercial no país ou por órgãos de governo, para uso da pessoa com deficiência, garantindo-lhe acesso às informações disponíveis, conforme as melhores práticas e diretrizes de acessibilidade adotadas internacionalmente”. A lei vai além, e obriga que os sites tenham um símbolo de acessibilidade em destaque.

No entanto, segundo o Movimento Web para Todos apenas 0,89% dos sites tiveram sucesso em todos os testes de acessibilidade aplicados, de um total de 16,89 milhões de sites ativos no Brasil, de acordo com sua pesquisa divulgada agora, em 2021. Um número muito aquém dos quase 25% da população que precisa destas ferramentas.

E nem mesmo o governo federal cumpre a lei; a mesma pesquisa indica que do total de sites governamentais nos quais foram aplicados os testes, quase 90% apresentaram alguma falha. Ou seja, empresas e governos que não se preocupam com a inclusão digital de pessoas com deficiências estão, na prática, excluindo quase ¼ da população nacional.

Inclusão para classes C e D

Os processos de construção de cidadania e participação política democrática exigem novas práticas para incluir toda a sociedade. Entre as diversas pautas, é preciso aderir às políticas sociais destinadas às pessoas com deficiência, sejam elas limitações físicas, sensoriais ou intelectuais.

Mas como implementar isso em um país onde a situação de insegurança alimentar já atinge mais da metade dos lares brasileiros? Devemos priorizar quais urgências neste momento de crise humanitária em que vivemos?

Na realidade, é preciso tratar tantos “problemas” de forma paralela e com igual atenção. Em 2011, por exemplo, a Organização das Nações Unidas (ONU) afirmou que o acesso à internet é um direito humano.

Assim, a proteção às pessoas com deficiência passa, também, pelo acolhimento através de iniciativas que as incluam no universo digital, como a adesão de tradutores e intérpretes em transmissões ao vivo, transcrição simultânea de vídeos, auto descrição no começo de reuniões e debates, ou a descrição #pracegover em publicações nas redes sociais.

Podem, ainda, haver formações e rodas de conversa com profissionais que atuam com quem possui deficiências físicas ou não é neurotípico, para aprender e desenvolver estratégias de inclusão digital para este público.

Alguns aplicativos gratuitos também contribuem com a acessibilidade e podem ser apropriados pelo terceiro setor e entidades ligadas a direitos humanos, como, por exemplo, o HandTalk, que usa avatares para traduzir suas falas ou escrita para Linguagem Brasileira de Sinais (Libras). Ou ainda o app Transcrição Instantânea, pensado para pessoas com deficiência auditiva, que transcreve as falas em tempo real utilizando o microfone.

Assegurar direitos humanos básicos como moradia, educação, emprego e livre expressão justificam as lutas que emergem em nossa sociedade, e não pode ser diferente no âmbito das práticas voltadas às pessoas com deficiência. O protagonismo na busca por seus direitos está atrelado a garantias constitucionais, inclusive no meio digital.

Quando a pessoa com deficiência tem a oportunidade de exercer sua cidadania com acessibilidade garantida, ela tem, também, condições de se perceber e perceber ao outro, aprender mais sobre si mesmo, sobre os outros e sobre os espaços que disputa.

Não se trata de caridade, assistencialismo, filantropia para pessoas passivas e objetos da benevolência alheia, mas de fazer frente à contradição estrutural da sociedade que, hoje, as exclui.

*Victor Amatucci é jornalista da agência Social Comunicação e atende projetos do Instituto Aliança, a União dos Movimentos de Moradia de São Paulo e o CAMI – Centro de Apoio e Pastoral do Migrante., entre outros.

**Tatiana Oliveira é jornalista da agência Social Comunicação e atende o movimento Aliança pela Infância, o Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos e a Olhar Cidadão – Estratégias para o Desenvolvimento Humanos, entre outros.

***Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Leandro Melito