Artigo | Pero Vaz, Bento Teixeira, Nísia Floresta: como começou a literatura no Brasil

Quando a frota de Pedro Álvares Cabral desembarcou no Brasil, em abril de 1500, encontrou um povo ágrafo, que sequer conhecia a existência da escrita. A primeira notícia que se tem desta atividade em território brasileiro deu-se através da famosa carta de Pero Vaz de Caminha, na qual eram narradas ao rei de Portugal as singularidades da nova terra.

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O que não se comenta, em relação a tal carta, é que a real motivação de Caminha, ao escrevê-la, era pedir a Dom Manuel que libertasse o seu genro, Jorge de Osório, do exílio em que se encontrava por ter roubado uma igreja e ferido um padre. Caminha, a bem da verdade, nem era o escrivão oficial da esquadra. O verdadeiro escrivão, Gonçalo Gil Barbosa, acabou nem chegando ao seu destino. O pedido do substituto, entretanto, só foi acatado após a sua morte.

E assim ficou registrado o primeiro ato ligado à literatura em solo brasileiro. E se você pensa que este desconserto foi apenas um fato isolado, na conturbada história da nossa literatura, está muito enganado.

A primeira obra brasileira que se tem notícia, Prosopopéia, foi do poeta Bento Teixeira, escrita em Olinda e publicada em Lisboa no ano de 1601, já que não havia gráficas no Brasil naquela época. O autor morreu em Portugal, onde cumpriu pena por ter matado a própria esposa, em vingança por ela o ter denunciado à Vara Eclesiástica da Inquisição, posto que ele era judeu.

Gregório de Matos

Em seguida, veio o caso de Gregório de Matos, o Boca do Inferno, acusado de não prestar reverência às autoridades religiosas e de satirizar a elite da época. Matos também teve problemas com a Promotoria da Inquisição. Naquele tempo, as publicações eram proibidas na Colônia, e como os seus textos eram transmitidos apenas através da literatura oral, sua biografia é incerta e repleta de lacunas. O processo inquisitório contra Gregório não prosperou, mas o escritor acabou exilado em Angola, onde combateu uma conspiração militar e acabou ganhando o direito de voltar ao Brasil. Morreu em Recife, vítima de uma febre que, ironicamente, contraiu no país africano.

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Já no que se refere à literatura feminina, o primeiro registro no Brasil se deu com Nísia Floresta e o livro Direito das Mulheres e Injustiça dos Homens, publicado em 1832. Nísia foi poeta, teve eloquente participação na imprensa e revolucionou a Educação brasileira ao ensinar, para meninas acostumadas com aulas de bons costumes, matérias como história, geografia e matemática. Natural do Rio Grande do Norte, a escritora sofreu influência do antilusitanismo, e passou a abordar temas como o machismo e as injustiças contra os escravos e os índios, o que, em meados do século dezenove, impressionava pelo seu caráter vanguardista.


Nísia Floresta é a escritora pioneira no país com o livro Direito das Mulheres e Injustiça dos Homens / Reprodução

Nísia Floresta também é considerada a precursora do movimento feminista no Brasil. Nunca cumpriu pena nem morreu de uma forma inusitada, mas seus feitos lhe renderam ataques misóginos nos jornais da época, insinuando que a escritora mantinha relações promíscuas, inclusive com as próprias alunas. O que chama atenção, no caso de uma personagem tão importante para a literatura e a educação brasileira, é o fato de ela ter sido sentenciada ao esquecimento.

 

*Aroldo Veiga é professor e escritor, autor do livro “Trono de Cangalha”.

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.