Geopolítica & Guerra

A grande vítima da corrida armamentista é o próprio povo europeu

26 de março de 2025
Leia em 4 mins
A grande vítima da corrida armamentista é o próprio povo europeu
Freepik

No início de março, os líderes da União Europeia aprovaram um plano de rearmamento avaliado em mais de 800 bilhões de euros. Logo após o anúncio, as bolsas europeias tiveram altas históricas, puxadas pela grande valorização das ações das empresas de defesa. Só por isso, já se vê quem está empurrando os governos para a guerra.

Os gastos em defesa explodiram nos últimos dez anos na Europa. Em 2024, atingiram o recorde de 326 bilhões de euros, um terço a mais do que o registrado em 2021, antes da intervenção russa na Ucrânia. Esta, aliás, é a principal desculpa dos líderes europeus para encherem o bolso dos fabricantes de armamentos.

Donald Tusk, cujo país é recordista em gastos militares, vai dobrar o tamanho do exército polonês já quer até mesmo armas nucleares. “Não basta comprar armas convencionais, as mais tradicionais. O campo de batalha está mudando diante de nossos olhos mês a mês”, disse, reconhecendo – ainda que sem querer – que todos os discursos de que os ucranianos estão vencendo a guerra não passam de pura falsificação.

Quem gostou do posicionamento de Tusk foi Emmanuel Macron. Diante da possibilidade de retirada do escudo nuclear dos EUA da Europa, com a aproximação de Donald Trump a Vladimir Putin, o presidente francês ofereceu um guarda-chuva nuclear para o continente. “Nosso país e nosso continente devem continuar a se defender, a se equipar, a se preparar, a evitar a guerra”, declarou.

Claro, quando os russos, chineses e iranianos se armam o objetivo é sempre atacar o pobre Ocidente. Mas quando é o Ocidente que se arma, é sempre para se defender dessas ameaças. Embora quem esteja cercado por bases militares e mísseis nucleares sejam os russos, chineses e iranianos, não os europeus.

Macron tem um bom motivo para pretender liderar a corrida armamentista europeia. Banqueiro ligado aos Rothschild, não vê comparação com nenhum líder contemporâneo no quesito política econômica neoliberal. Implementa as medidas mais benéficas aos grandes capitalistas, cortando impostos dos bilionários e destruindo a previdência social. Não atende somente aos interesses do grande capital francês, mas mundial.


LEIA TAMBÉM

O presidente francês é a personificação do formato neoliberal do capitalismo moderno. Até por isso sofre forte e crescente rejeição do seu povo. O bode expiatório russo cai como uma luva para impor uma política de arrocho nos gastos sociais a fim de desviar o dinheiro público para os cofres dos bancos para pagar as dívidas com os empréstimos para o rearmamento. Não apenas da França, mas de toda a Europa.

A taxa inflacionária europeia já começa a aumentar novamente. Em um ano, a Bélgica experimentou um incremento de 3,9%, a Holanda de 2,9%, a Dinamarca de 1,4%, Portugal de 1,2% e a Itália de 0,9%. Finlândia, Letônia, Lituânia e Chipre também viram um aumento da inflação em comparação com 2023. A inflação na Turquia, que também é membro da OTAN, está na casa dos 44%.

Embora não tenha alcançado os níveis recorde de 2022, o preço do gás subiu 45% em 2024 e as reservas europeias estão se esvaindo. Além de elevar os preços do gás, o bloqueio às exportações da Rússia obrigou a Europa a comprar gás dos Estados Unidos, naturalmente mais caro.

Somado à guerra da OTAN contra a Rússia na Ucrânia, o genocídio em Gaza também contribui para a deterioração das condições de vida na Europa. Como resposta à carnificina de Israel, os houthis bloquearam o Mar Vermelho e deram um golpe na indústria automotiva, de construção, equipamentos, eletrônicos e semicondutores europeia. Também foi responsável por uma queda de 1,6% nas exportações europeias e pelo aumento do preço do petróleo importado do Oriente Médio.

Isso tem resultado em uma onda de demissões em massa na BMW, Audi e Siemens, algumas das principais companhias da Alemanha. O outrora colosso industrial é um dos mais afetados pela crise atual e já está no seu terceiro ano de recessão. Para tentar contornar a crise, o novo governo alemão – uma continuidade da administração Olaf Scholz, inclusive com o SPD na coalizão – anunciou um investimento de meio trilhão de euros em infraestrutura e defesa, cinco vezes mais do que a medida introduzida por Scholz três anos atrás, já considerada caríssima.

Pois a Alemanha – aquela mesma que obrigou os países do sul da Europa a fazerem seus povos passar fome após a crise de 2008 – agora vai aumentar sua dívida ao contrair empréstimos para financiar sua militarização. Claro que também vai cortar os investimentos públicos com serviços sociais, o que já vem sendo feito em grande medida. Esse é um dos ingredientes do descontentamento popular contra o regime alemão, o que tem levado a um crescimento histórico da extrema-direita (e a um ensaio de crescimento da esquerda menos apegada ao establishment).

Contudo, esse ressurgimento militar das potências europeias não virá da noite para o dia. Daí a importância de manter a Ucrânia como bucha de canhão contra os russos e impedir qualquer acordo de paz, como indicou o chefe da inteligência alemã. Os europeus precisam ganhar tempo para se rearmar e por isso incentivam Kiev a lutar até o último ucraniano.

Eduardo Vasco

Eduardo Vasco é jornalista especializado em política internacional, correspondente de guerra e autor dos livros O povo esquecido: genocídio e resistência no Donbass e Bloqueio: a guerra silenciosa contra Cuba

– Publicidade –

Mais Lidas

Authors

Newsletter

Banner

Leia Também

Jair Bolsonaro ainda não foi condenado, mas implora por anistia - © Lula Marques/Agência Brasil

Anistia para golpista? Nunca mais!

Enquanto um fã de torturador se…
© Vladimir Platonow/Agência Brasil

Sequestro de ônibus no Rio chega a 32 casos em 2025

Zona Norte registra dez casos de…