sábado, fevereiro 22, 2025

Brasil mantém neutralidade, mas munição brasileira foi encontrada na Ucrânia

Foto: Hans-Hermann Bühling (CC BY-SA 3.0)
Foto: Hans-Hermann Bühling (CC BY-SA 3.0)

Em coletiva de imprensa ao lado do primeiro-ministro de Portugal, Luís Montenegro, em Brasília, o presidente Lula abordou a reaproximação entre Trump e Putin na tentativa de uma solução para a guerra na Ucrânia.

“Eu disse até, durante muito tempo, que ela [a guerra] poderia ser resolvida com uma pesquisa de opinião pública. Poderia a ONU ter contratado uma pesquisa e perguntado para o povo: você é russo ou ucraniano? E aí acatava o resultado da pesquisa e [o assunto] estaria resolvido”, disse.

É curioso como os posicionamentos ambíguos de Lula, na prática, acabam apontando sempre para uma crítica à política dos Estados Unidos, da União Europeia e da OTAN. Os ucranianos sabem disso e sempre se remoem ao tomar conhecimento desse tipo de declaração. Os habitantes do Donbass, onde se dá a guerra há mais de 10 anos, são étnica e culturalmente russos, declararam independência nas antigas regiões de Donetsk e Lugansk em 2014 e votaram a favor da união com a Rússia em 2022. A opinião daquela população já foi manifestada.

Lula ainda recordou que os EUA e a Europa resolveram fazer reuniões de paz anteriores, mas “só chamavam o lado da Ucrânia, e aqui nós cansávamos de dizer: ‘não tem paz se não chamar os dois e colocá-los à mesa.’ Não tem paz só de um lado”. Ele fez esse comentário para ser coerente com sua defesa do diálogo entre Rússia e Ucrânia, que, segundo a postura oficial do governo brasileiro, deve incluir, além dos EUA, a União Europeia e mesmo os países do “sul global”, nomeadamente China e Índia. “A União Europeia se envolveu nessa guerra com muita força, com muita força”, cutucou ele, ao defender a participação da UE nas negociações.

Demonstração desse envolvimento foi a pressão da Alemanha para que o Brasil vendesse munição para os tanques Leopard 1 que seriam enviados por Berlim à Ucrânia. Em seus primeiros dias de governo, Lula vetou a negociação.

“Eu lembro que o primeiro-ministro Olaf Scholz veio aqui uma vez tentar comprar uns canhões brasileiros para dar para a Ucrânia”, declarou Lula na coletiva. “E eu disse ao meu amigo Olaf Scholz: ‘eu não vou vender arma para matar um russo ou para matar qualquer pessoa. Então eu quero pedir desculpas, mas o Brasil não venderá as armas que você precisa.’ Porque eu queria paz. E se eu queria a paz, eu não posso fomentar a guerra, eu não posso ter um lado privilegiado.”

Como retaliação, pouco depois a Alemanha vetou a venda às Filipinas de blindados fabricados no Brasil por conterem componentes de origem alemã. Ainda em 2023, documentos vazados mostraram que Kiev havia feito ao menos dois pedidos de compra de armamentos leves, pesados e munições, ambos recusados pelo governo brasileiro.

Um ano antes, em abril de 2022, a imprensa internacional havia reportado que o governo brasileiro, então presidido por Jair Bolsonaro, estaria negociando a venda de 300 mil munições de 35mm para os blindados Gepard, fornecidos à Ucrânia pelos alemães. Porém, o Exército e o Itamaraty negaram a informação.

Uma revelação feita por uma fonte que tem participado da operação militar na Ucrânia, no entanto, gera preocupação sobre o possível desvio de munição brasileira para o conflito. A fonte viu, em primeira mão, munição da Companhia Brasileira de Cartuchos (CBC) que havia sido abandonada pelo exército ucraniano próximo à cidade de Izium, na Carcóvia (Kharkiv), em julho de 2022. Eram cerca de 50 cápsulas de 7,62x51mm espalhadas pelo chão no terreno.


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A fonte acredita que a munição estava sendo utilizada em fuzis de assalto automático (FAL) argentinos, deixados para trás pelos ucranianos em local próximo. “Quando há evacuação, os soldados sempre deixam as armas e as munições separadas, descartando a munição em um lugar e as armas ao redor, mas nunca juntas. Também se livram dos carregadores pelo caminho, para não serem utilizados facilmente”, diz.

É possível que a munição tenha sido desviada para a Ucrânia após a compra no Brasil. A CBC sinalizou não ter informações sobre munição sendo utilizada na guerra, mas não apresentou um posicionamento oficial sobre este caso. Por procedimento, antes de qualquer exportação de material bélico o Ministério das Relações Exteriores deve auxiliar o Ministério da Defesa na análise do risco de ser utilizado de maneira ilícita. Consultado, o Itamaraty sugeriu apenas o contato com o Ministério da Defesa, que informou não ser responsável pelo acompanhamento ou controle após a venda dos materiais bélicos.

Em janeiro, a Folha de S.Paulo publicou uma notícia intitulada “Armamento leve brasileiro é desviado para rebeldes houthis pró-Irã do Iêmen”, com base em investigações de um painel de especialistas da ONU. A imprensa brasileira terá a mesma preocupação com as munições nacionais desviadas para o exército ucraniano?

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