Terra e Antropoceno

Do colapso climático à ecoansiedade

Crônica sobre a impossibilidade de ser saudável, num planeta enfermo, e seus aspectos psíquicos. Como enfrentá-las: viver angústia, tristeza, impotência e até raiva? Sextar na terça e viajar para as Maldivas? Ser Dom Quixote ou Sancho Pança?

Ilustração: Reprodução do blog Governança Ambiental/USP
Ilustração: Reprodução do blog Governança Ambiental/USP

por Roberto Malvezzi (Gogó) – Quando a fumaça das queimadas chegou aos grandes centros urbanos, o número de doenças respiratórias disparou. Quando os sertanejos do Nordeste bebiam água de barreiro, antes das cisternas, a mortalidade infantil por água contaminada girava em torno de 130 óbitos por mil. Quando as mudanças climáticas devoram os rios amazônicos, as populações adoecem por ingerir água contaminada. Onde o agro-tóxico-negócio usa intensivamente os agro venenos, seja por terra ou por aeronaves, a incidência de câncer dispara, como é o caso dos tumores de garganta na região que moro. Enfim, como diz o Papa Francisco, “não é possível ser saudável num ambiente doentio”.

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Agora os cientistas da área psíquica já falam em “ecoansiedade”, doença de fundo emocional diante das catástrofes cada vez mais repetíveis e intensas. Quem mora em encosta de morros, beira de rios, áreas inundáveis, passa a sofrer emocionalmente a cada período das chuvas: “As doenças emocionais, também chamadas de psicossomáticas, são sintomas físicos causados por algum nível de sofrimento emocional, isto é, quando uma emoção ou sentimento tem a capacidade de gerar ou agravar uma doença ou sintoma no corpo” (Instituto de Psiquiatria Paulista, 2021).

Portanto, além das doenças físicas, um planeta doentio também gera doenças emocionais. Outro especialista acrescenta: “Não é uma patologia, mas um fenômeno que tem a ver com essas emoções desconfortáveis, como angústia, tristeza, impotência e até raiva em relação às mudanças climáticas” (Kristensen, in Flipar, 2024).


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É interessante observar nesse momento de catástrofe do fogo – que Antônio Nobre, do INPE, chama de “Piroceno”, ou seja, a “Era do fogo” – os deputados e senadores desse país prepararem mais um pacote de 25 emendas constitucionais para facilitar a destruição das leis ambientais e, por consequência, das bases naturais de vida de nosso povo. Nem mesmo a fumaça que cobre Brasília, ou que transformou a cidade de São Paulo no pior ar respirável do planeta, é capaz de mover a ética desses homens e mulheres. Sim, não é uma questão só política, nem só econômica, é uma questão de ética, de humanidade, de respeito ao povo brasileiro e a todas as formas de vida que habitam esse país.

Então, como todos os indicadores indicam (aceito a redundância), a decisão já está tomada. É uma lei do capitalismo. Cada um que se defenda, sobreviva quem sobreviver. Ou como dizia Glauber Rocha: “cada um por si e Deus contra todos”.

Outra saída é proposta por uma amiga em card, quando fala do Apocalipse Climático: “a depender da data, vou mudar meu estilo de vida. Se não for demorar, vou começar a beber, sextar na terça, pegar um empréstimo e passar um mês nas Maldivas”.

Eu, mesmo vendo essa situação absurda, prefiro continuar na luta pela sobrevivência humana. Ainda prefiro Dom Quixote ao Sancho Pança!


Roberto Malvezzi (Gogó)

Músico e escritor católico. graduado em Estudos Sociais e em Filosofia pela Faculdade Salesiana de Filosofia, Ciências e Letras de Lorena e em Teologia pelo Instituto Teológico de São Paulo. Foi coordenador nacional da Comissão Pastoral da Terra (CPT) por seis anos. Reside em Juazeiro-BA e atua na Equipe CPP/CPT do São Francisco