No início de março, a presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen, anunciou o plano “ReArm Europe”, que promete mobilizar até 800 bilhões de euros para aumentar os investimentos europeus em defesa. Segundo a presidente, estamos vivendo uma era de rearmamento e a Europa está pronta a acompanhar este fenômeno. De forma semelhante, o presidente francês Emmanuel Macron veio à público se declarar à favor de um aumento em defesa por parte dos países europeus e dizer que “o guarda-chuva nuclear da Europa deve ser ampliado”, o Primeiro-Ministro polonês Donald Tusk anunciou investimentos maciços em defesa, almejando um exército nacional de 500.000 soldados e a obtenção de bombas nucleares e diversas outras lideranças políticas europeias já anunciaram novas políticas de defesa para seus respectivos países.
Estas movimentações europeias que vêm sendo anunciadas desde o início do mês indicam um fato: a Europa pretende se rearmar e voltar a ser um grande polo de poder militar.
Este posicionamento é praticamente unânime na política europeia, mas o questionamento principal é de onde vem essa decisão e, mais do que isso, teria a Europa capacidade de se tornar uma grande força militar novamente?
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O fator Trump e o distanciamento entre Europa e América
Não é segredo nenhum que a origem de toda essa movimentação tem nome e sobrenome: Donald Trump. Isso porque, com suas políticas isolacionistas e anti-OTAN, Trump deixa um alerta claro para a Europa de que os Estados Unidos não mais atuarão como seu guardião. Este fato ficou evidente com o desastre diplomático entre Zelensky e Trump e o anúncio de que os EUA não iriam mais apoiar o esforço de resistência da Ucrânia. Com isso, como descreve Von der Leyen, a Europa se via na necessidade a curto prazo de apoiar o esforço de guerra ucraniano contra a Rússia e na necessidade a longo prazo de se tornar independente militarmente (e, embora não tenha mencionado diretamente, estar preparada para uma possível ameaça russa).
Contudo, embora os anúncios mais drásticos e grandiosos tenham sido feitos em Março deste ano, a movimentação europeia em direção à uma política de defesa mais robusta não é de hoje. Desde o início da invasão russa da Ucrânia a Europa enxerga uma necessidade em se rearmar. Na verdade, figuras como Olaf Scholz, chanceler alemão e Emmanuel Macron já previam isso e defendiam uma política de defesa coesa e forte por parte da Europa. A causa principal disso, naturalmente, é o expansionismo russo, que aterroriza os europeus revisitando o passado: a ameaça do urso soviético agora reaparece com sua herdeira, a Rússia. A necessidade de se proteger diante de uma ameaça do Kremlin reaparece na Europa, mas, desta vez, sem ajuda aparente dos Estados Unidos de Donald Trump.
Portanto, a necessidade europeia de se militarizar é uma congruência de dois fatores correlacionados: o isolacionismo americano de Trump e o expansionismo russo de Putin, que, juntos, passam uma mensagem clara à Europa de que ela está sozinha e deve se preparar para uma ameaça.
Defesa Europeia e o Fator Geopolítico
Com tal entendimento de que é necessário investir em defesa e nas forças armadas de seus Estados-membros, a Europa dá um passo importante em se tornar independente dos EUA. O poder americano, que outrora protegia a Europa democrática da União Soviética e permitiu que seus aliados investissem em outras áreas, seguros de que a defesa seria garantida por Washington, hoje não mais parece disponível para a segurança europeia e, mesmo que fosse, tem sua atenção mais voltada ao extremo oriente do que ao leste europeu (não é por acaso que países desta parte da Europa sejam os mais preocupados, a exemplo da Polônia).
Assim, a Europa pretende estar preparada para se defender contra a Rússia per se, e os maciços investimentos já discutidos são parte disso. Países como a França, a Polônia e até mesmo a Alemanha, relutante com o militarismo devido ao seu passado, defendem uma Europa unida na defesa: investimentos realocados, indústria de defesa em alta e até ideias mais extremas, como o anúncio polonês de que pretende treinar todos seus homens adultos para a guerra, são resultado disso.
É inegável que, com a capacidade econômica, industrial e tecnológica europeia, os investimentos em defesa podem resultar em forças armadas das mais modernas e bem preparadas do mundo. No entanto, as políticas que vêm sendo observadas no momento não parecem apenas voltadas à modernização das forças armadas nacionais de países europeus, mas sim um primeiro passo para uma Europa unida na defesa. As palavras de Macron na primeira semana do mês mostram bem isso: “Nós deveríamos ter acordado mais cedo. Falo há anos: precisamos de uma Europa mais soberana, unida e independente”.
O resultado disso, provavelmente, será uma aproximação cada vez maior dos países europeus (até mesmo aqueles fora da União Europeia, como o Reino Unido e a Turquia) em direção à uma aliança militar bem consolidada em defesa da Europa. Os países que antes viam na OTAN sua esperança de defesa, agora se voltam para uma potencial aliança continental que ainda está no imaginário europeu. Podemos esperar que o caminho para a consolidação de uma aliança neste sentido seja traçado nos próximos anos e a Europa se torne cada vez mais unida na defesa e com forças armadas capazes, modernas e de consideráveis dimensões. A Europa acordou, como diria Macron, e a militarização é um futuro certo para o continente, que enquanto tenta urgentemente modernizar seus exércitos, enfrenta o primeiro grande desafio de apoiar o esforço de guerra ucraniano.