Muitos discutiram o caso dos brasileiros deportados dos Estados Unidos que chegaram ao Brasil algemados nos pulsos e nos tornozelos, além de terem denunciado humilhações, racismo e maus-tratos pelas autoridades americanas. Mas poucos se questionaram o porquê desse tratamento humilhante.
Alguns argumentaram que isso já era sintoma do fascismo implantado por Donald Trump em seu novo governo. Mas os agentes que algemaram e transportaram os brasileiros como escravos já estavam nas mesmas funções muito antes de Trump tomar posse. Além disso, Joe Biden deportou mais brasileiros do que Trump, inclusive sob as mesmas condições desumanas.
Também se poderia dizer que os americanos são supremacistas e consideram os latino-americanos serem inferiores. Isso já está mais próximo da verdade.
Mas o principal motivo é que o Brasil deixa os Estados Unidos tratarem os brasileiros como lixo. As deportações em voos fretados eram um procedimento comum e legal até 2006, quando o Brasil decidiu que não permitiria mais essa modalidade. Tal decisão dificultou a deportação de brasileiros dos EUA.
Contudo, a paixão de Jair Bolsonaro pelos Estados Unidos fez com que o Brasil voltasse a aceitar essa humilhação. O primeiro voo fretado de brasileiros deportados dos EUA em 13 anos chegou em outubro de 2019, com 60 imigrantes. O segundo, em janeiro de 2020, com 50. Depois, em março. As denúncias de maus-tratos, assim, também voltaram. Até mesmo um menor de idade relatou ter sido acorrentado nos braços e pés.
Bolsonaro recebeu mais de 7,5 mil brasileiros deportados dos EUA, após concordar com a vinda de dois voos por mês – uma média de mais de 200 a cada mês retornaram ao Brasil. Em geral, sob essas condições subumanas. Segundo a imprensa, o Itamaraty teria tentado, tanto durante o primeiro mandato de Trump quanto no governo Biden, um acordo para liberar os brasileiros do uso humilhante de algemas pelo corpo. Mas outros relatos mostram que o aparato diplomático brasileiro nos EUA atuou contra os direitos de seus cidadãos para favorecer as autoridades norte-americanas.
O acordo de Bolsonaro para retomar as deportações humilhantes passou despercebido, ao contrário do escândalo que gerou a medida que acabou com a necessidade de visto para turistas americanos, sem a tradicional reciprocidade. Uma decisão, complementando a outra, evidencia a que o Brasil foi reduzido: uma colônia de onde bancos e indústrias dos EUA recolhem as riquezas, desgraçando o país, gerando miséria e êxodo, e cujos cidadãos são tratados como animais por tentarem uma nova vida na metrópole. Já os superiores estadunidenses vêm ao Brasil desfrutar de prostitutas e água de coco.
Fulgencio Batista sentiria inveja de Bolsonaro.
Felizmente, logo ao reassumir o governo, o presidente Lula anulou a medida humilhante sobre os vistos de turismo dos americanos. Porém, manteve a aceitação dos voos da vergonha, das correntes, do racismo e dos maus-tratos.
Como em muitas áreas da política governamental, basta anular o acordo. Uma canetada já encerraria esse caso. Só precisa voltar a aplicar a decisão de 2006.
É claro que uma única medida não seria capaz de recuperar a soberania perdida. Até porque o Brasil não perdeu a soberania por essa decisão. Desde 2016, as medidas de Temer e Bolsonaro – como as reformas trabalhista, previdenciária, teto de gastos, privatizações, autonomia do BC – serviram para elevar o grau de submissão do Brasil aos Estados Unidos. Embora na campanha eleitoral de 2022 tenha sido prometida a revisão e anulação dessas medidas, nada foi feito.
E isso explica porque, apesar de uma melhoria relativa das condições de vida e da economia do país em comparação com o período anterior, o Brasil continua em crise e a situação geral dos trabalhadores segue se degradando.