Ontem o presidente Lula concedeu uma entrevista de 45 minutos a rádios baianas, onde fez muitas declarações de impacto. Em particular, sobre o preço alto dos alimentos, ele afirmou que o povo está sendo extorquido pelos fornecedores. Mas o PIG não perdeu a oportunidade de destacar e distorcer sua fala sobre o consumo nos supermercados.
“A nossa tarefa é tentar fazer com que os preços das coisas que o povo compra cheguem a ser compatíveis com aquilo que ele ganha. (…) Você tem muitas vezes produtos cuja produção é muita e o pessoal, ao invés de baratear, aumenta o preço porque as pessoas estão comprando. Eu tenho dito sempre o seguinte nas reuniões que eu tenho feito: uma das coisas mais importantes para que a gente possa controlar o preço é o próprio povo; se você vai num supermercado em Salvador e desconfia que tal produto está caro, você não compra. Se todo mundo tivesse a consciência de não comprar aquilo que acha que está caro, quem está vendendo vai ter de baixar para vender, porque se não vai estragar. Esse é um processo que a gente não precisa falar, porque é da sabedoria do ser humano: eu não posso comprar aquilo que eu acho que o preço está sendo exagerado, então eu vou deixar na prateleira, não vou comprar, eu compro amanhã, compro outra coisa, compro um similar – esse é um processo educacional que nós vamos ter que fazer com o povo brasileiro. Porque é necessário que a gente faça isso. O povo não pode ser extorquido. Não pode ser extorquido. As pessoas não podem tirar proveito do fato de o povo estar comprando. A pessoa sabe que a massa salarial cresceu, então aumenta o preço (…) Não, ninguém pode explorar ninguém! (…) A minha briga é tentar fazer com que os preços cheguem a caber no bolso do povo trabalhador.”
Esse trecho pode ser assistido mais ou menos a partir desta minutagem, e qualquer um perceberá que sua fala foi distorcida. Nela, fica nítido que Lula, pressionado pelo “mercado”, tenta agradá-lo mostrando que não quer intervir diretamente para baixar os preços, porque será brutalmente atacado. Então ele indica que uma das maneiras naturais de se baixar os preços é, portanto, pela lei do mercado: reduzir a procura. Mas, em nenhum momento, ele pediu para que as pessoas deixassem de comprar. Muito menos jogou a culpa no próprio povo.
Instrumento dos bancos internacionais, o PIG se apressou para iniciar mais uma campanha contra Lula. CNN Brasil, Folha de S.Paulo (depois mudou-se o título) e Gazeta do Povo noticiaram que Lula “pediu” para a população não comprar alimentos caros. Claro que o bolsonarismo surfou na onda. Mas ele não inventou nenhuma fake news: quem inventou foi a imprensa tradicional. Os bolsonaristas apenas disseminaram e aumentaram a mentira inventada pela imprensa. Depois, o mesmo PIG continuou repercutindo o caso, dizendo que a “fala de Lula para povo não comprar alimentos caros dá munição para a oposição”.
Na Folha de S.Paulo, a colunista Dora Kramer intitulou sua coluna de “O povo não é bobo” e o jornal deixou como chamada para a matéria na capa a frase “Lula erra ao transferir para o consumidor culpa pela inflação”. No Estadão, Carlos Andreazza disse que “Lula trabalha pelo nosso direito de não comprar” e Eliane Cantanhêde afirmou que Lula usa entrevistas “para falar bobagens”. São distorções criminosas. Isso é pura desinformação, fabricada e disseminada pelos mesmos jornais que promovem a farsa do “combate às fake news”.
Mas este está longe de ser um caso isolado de manipulação para queimar o presidente. Quando Rui Costa sugeriu timidamente algum tipo de intervenção do governo para reduzir o preço dos alimentos, uma avalanche destruidora de críticas caiu sobre o governo e o presidente. Afinal de contas, não seria papel do governo baixar o preço da comida. Precisa deixar nas mãos do “mercado”! Claro que Rui Costa recuou, amedrontado.
Mas então por que o “mercado” e seu aparelho de manipulação da opinião pública culpam o governo pela alta no preço da comida? Como ele mesmo indicou, Lula está apenas tentando deixar que as leis do mercado resolvam o problema, já que é isso que querem.
Na verdade, o que querem mesmo é derrubar o presidente da República. Se fosse possível, antes das eleições. Se não, vão fazer de tudo para dar um golpe eleitoral e impedir que se reeleja.
O “mercado” aponta um revólver para a cabeça de Lula e o faz de refém. Se não seguir sua cartilha, cai. Assim, o presidente é obrigado a adotar medidas impopulares, achando que é possível ceder às imposições dos bancos em troca de uma permissão para alguma medida paliativa a favor do povo. Mas, mesmo sendo beneficiado, o “mercado” se aproveita para queimar Lula na fogueira, usando seus instrumentos de fabricação do consenso para que o povo pense que a culpa das medidas impopulares é de Lula. Como é bom governar nas sombras!
Aproveitando a sutil sugestão de Rui Costa, espalharam-se boatos, nas redes e na imprensa, de que o governo queria aumentar artificialmente o prazo de validade dos alimentos. Rui Costa teve de ir à imprensa desmentir. Mas praticamente nenhum veículo repercutiu a investigação da agência Aos Fatos de que essa nunca foi uma proposta do governo, e sim da associação dos supermercados! O PIG deixou o governo se queimar e não desmentiu. Pouco depois, quando o estrago já havia sido feito e a poeira baixou, o Estadão publicou o editorial “Uma boa discussão desperdiçada”, dizendo que “rever o regulamento dos prazos para consumo de alimentos poderia ser útil para reduzir o desperdício”. Ou seja, mexer no prazo de validade é uma política do “mercado” que, por ser impopular, foi atribuída ao governo, não foi desmentida pelos jornais, que ficaram caladinhos, e, depois que já fizeram sua tarefa de deixar o governo se queimar, disseram que era uma boa ideia!
O caso mais evidente, contudo, foi o do Pix. A medida (equivocada, diga-se de passagem) sofreu com as distorções na opinião pública e Lula perdeu popularidade. Teve de voltar atrás. Ela favoreceria os bancos. Mas os órgãos de propaganda do “mercado” decidiram se calar, porque quem quer que a defendesse seria repudiado pelo povo. Deixaram o governo se queimar sozinho. De novo, depois que a popularidade de Lula despencou por causa disso, o “mercado” evidenciou que aquela medida havia sido encomendada por ele. O Estadão, novamente, publicou o editorial “O sonegador agradece”, salientando: “revogação de monitoramento do Pix só beneficia um grupo: o crime organizado”. Ora, por que não disse isso antes? Porque o “mercado” quer derrubar o governo, mais cedo ou mais tarde. Não cabe sair em defesa de Lula, mesmo quando Lula busca agradá-lo.
Esses exemplos esclarecem nitidamente que não adianta o presidente governar para o “mercado”. Lula poderia até tentar encarnar um FHC, que o “mercado” o rejeitaria. O que os bancos estão fazendo é obrigar Lula a favorecê-los e, ao invés de dar algo em troca, o empurram ainda mais para o precipício. Nem precisa dizer o que acontece quando ele tenta emplacar alguma medida que desagrada ao deus “mercado”, né?
Preso por ter cão, preso por não ter cão.