Em um cenário onde a desinformação se espalha como um vírus digital, a série catalã Merlí nos convida a refletir sobre o processo de idiossubjetivação e a construção do que o juiz e escritor Rubens Casara, em seu livro a “A Contrução do Idiota”, chama de “idiota neoliberal”.
Esse fenômeno, que ganha força no atual estágio do capitalismo, reorganiza a personalidade do indivíduo e altera sua relação com o conhecimento, o tempo e a própria identidade.
Em uma das cenas mais bem montadas da série Merli, o processo idiossubjetivação é explicado de forma impar e mostra como muito agem diante das pressões sociais, mesmo tendo duvidas sobre as informações que recebem:
O Professor Merlí e a Luta Contra a Ignorância
Na série, o professor de filosofia Merlí Bergeron desafia seus alunos a questionar o status quo e desenvolver pensamento crítico. Sua abordagem não convencional ecoa o alerta de Casara sobre a valorização social da ignorância e o empobrecimento subjetivo que vivemos.
Merlí, ao introduzir conceitos filosóficos complexos de forma acessível, combate justamente o que Casara descreve como “a simplificação do ato de pensar”, que se tornou imperativa na reprodução do modo de vida neoliberal.
O Paradoxo das Fake News e o Bolsonarismo
Enquanto Merlí luta para despertar mentes, o mundo real enfrenta uma avalanche de desinformação. O fenômeno das fake news, particularmente forte entre apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro, ilustra o processo de idiossubjetivação em sua forma mais nociva.
Um estudo da organização Avaaz revelou que 98,21% dos eleitores de Bolsonaro foram expostos a notícias falsas durante a eleição, com 89,77% acreditando que eram verdadeiras. Esse dado alarmante demonstra como a idiossubjetivação pode levar à formação de um “mundo paralelo”, onde fatos são substituídos por narrativas convenientes.
E assim, como diria o genial Millôr Fernandes: “Um idiota nunca aproveita a oportunidade. Na verdade muitas vezes o idiota é a oportunidade que os outros aproveitam”.
A Construção do Idiota Neoliberal
Rubens Casara, em seu livro “A Construção do Idiota”, argumenta que o sujeito neoliberal, moldado pela idiossubjetivação, torna-se incapaz de reflexão crítica e de reconhecer a importância do bem comum.
Esse indivíduo, alienado e narcisista, valida diferentes formas de violência necessárias à acumulação do capital, muitas vezes sem perceber.
O processo resulta em um sentimento anti-intelectual, desprezo à educação e uma simplificação da linguagem que empobrece o debate público. É exatamente contra esse cenário que o personagem Merlí luta em suas aulas de filosofia.
O Risco do Imobilismo
O fenômeno da idiossubjetivação e a proliferação de fake news criam um terreno fértil para o que alguns analistas chamam de “imobilismo das massas”. Enquanto defensores ferrenhos de figuras como Bolsonaro ignoram dados sobre a realidade, cria-se uma polarização que paralisa o debate construtivo e a ação coletiva.
Conclusão: O Desafio de Despertar Mentes
O paradoxo entre a busca pelo conhecimento representada por Merlí e a construção do “idiota neoliberal” descrita por Casara nos coloca diante de um desafio urgente. Como sociedade, precisamos encontrar formas de combater a desinformação e estimular o pensamento crítico, antes que o empobrecimento subjetivo se torne irreversível.
A luta contra a idiossubjetivação e as fake news não é apenas uma questão de educação, mas de sobrevivência da própria democracia. Como Merlí nos ensina, é preciso questionar, refletir e, acima de tudo, pensar por si mesmo. Só assim poderemos construir uma sociedade mais justa, igualitária e verdadeiramente livre.