Progresso x preservação: o impasse entre IBAMA e Petrobras

O processo de licenciamento ambiental do bloco FZA-M-59 teve início em 2014. Na época, a solicitação foi feita a pedido da BP Energy do Brasil, que não prosperou

Há mais de uma década, comenta-se sobre o enorme potencial petrolífero na Margem Equatorial do Brasil, onde, a partir do Norte, encontram-se as bacias Foz do Amazonas, Pará-Maranhão, Barreirinhas, Ceará e Potiguar. Entretanto, durante este período, apesar dos inúmeros poços perfurados na região até 2011 (a grande maioria em águas rasas), pouco resultado foi alcançado no sentido de confirmar o potencial petrolífero do local.

Mais um capítulo desta novela se iniciou recentemente. No último dia 17 de maio, o IBAMA indeferiu licença solicitada pela Petrobras para atividade de perfuração marítima no bloco FZA-M-59, na bacia da foz do Amazonas. Importante destacar que o bloco está localizado a uma distância de 175 quilômetros da costa do Amapá, a mais de 500 quilômetros da foz do rio, e encontra-se em águas ultra profundas.

É a segunda negativa para atividades de perfuração na região. Em 2018, o IBAMA também negou a solicitação de emissão de licença para os cinco blocos sob controle da empresa TotalEnergies, que resultou na desistência da empresa na exploração da Margem Equatorial no lado brasileiro. Acreditando no potencial da região, a empresa investiu na exploração na bacia Guiana-Suriname, e tem prosperado com resultados promissores, com descobertas desde janeiro de 2020, no Bloco B58.

O processo de licenciamento ambiental do bloco FZA-M-59 teve início em 2014. Na época, a solicitação foi feita a pedido da BP Energy do Brasil, que não prosperou. A empresa era originalmente operadora do projeto, com 70% de participação no consórcio e a Petrobras com 30%. Assim, com a desistência da BP Energy, no final de 2020, os direitos de exploração de petróleo no bloco foram transferidos integralmente para a Petrobras.

Importante ressaltar que no pedido de licenciamento negado na semana passada pelo IBAMA, a Petrobras havia solicitado tão somente a realização de uma avaliação pré-operacional (APO), que consiste em uma simulação de emergência e não a licença propriamente dita para exploração da região. Ou seja, nem realizar estudos preliminares para avaliar o potencial da riqueza a ser explorada, está sendo autorizado.

A Petrobras tem em seu plano estratégico 2023-2027 uma previsão de investimentos de cerca US$ 3 bilhões destinados à exploração na Margem Equatorial. Isto significa que, já com a iniciativa de pesquisa cientifica/exploração, a região da Margem Equatorial será beneficiada com aumento da atividade econômica, geração de empregos, aumento da renda e crescimento socioeconômico.

Espera-se que os resultados exitosos desta campanha exploratória possam transformar a região em um “novo pré-sal brasileiro”, com benefícios incalculáveis para a sociedade, para o setor de petróleo e gás natural e para o Brasil. Do ponto de vista da segurança energética, o êxito na Margem Equatorial seria transformacional e, ainda, incrivelmente importante para a transição energética, já que recursos poderiam ser direcionados para pesquisas e projetos de energia renovável.

Estudos geológicos preliminares sugerem que essa nova fronteira de exploração tenha a possibilidade de produzir de 5 a 7,5 bilhões de barris de petróleo recuperáveis, se considerado um fator de recuperação de 25%. Ou seja, pode existir um volume inicial in situ de 20 a 30 bilhões de barris de petróleo.

No âmbito das preocupações levantadas pelo IBAMA, de fato, não foram realizadas avaliações ambientais de área sedimentar (AAAS) para a bacia da foz do Amazonas. Esta avaliação é uma análise ampla, estratégica e bem detalhada que permite identificar áreas em que não seria possível realizar atividades de extração e produção de petróleo e gás em razão dos graves riscos e impactos ambientais associados.

Ainda segundo o IBAMA, a bacia da foz é considerada uma região de extrema sensibilidade socioambiental e, por isso, existe a necessidade de uma AAAS. O órgão cita unidades de conservação, terras indígenas, mangues, formações biogênicas de organismos, como corais e esponjas, além de grande biodiversidade marinha com espécies ameaçadas de extinção.

Porém, considera-se que este estudo não seja um impeditivo para liberar a licença para exploração, pois, segundo parecer do próprio IBAMA, de janeiro de 2023, o órgão informa que “não há instrumentos jurídicos para justificar a recomendação de não emissão de licenças ambientais de perfuração exploratória até que seja realizada uma avaliação ambiental estratégica – como a AAAS.”

Considerando todo o histórico e as ponderações de lado a lado, é preciso que o diálogo continue de forma construtiva entre todos os envolvidos para que se possa desenvolver uma visão estratégica de longo prazo com o objetivo de explorar esta riqueza de forma sustentável. Não há dúvidas de que o IBAMA está legitimamente buscando proteger nossas riquezas naturais. Assim como também é legitimo dizer que o povo do Amapá e a sociedade brasileira podem ter a oportunidade de buscar o desenvolvimento econômico sustentável da região, especialmente, se confirmado o potencial petrolífero na campanha exploratória.

Por mais que se tenha todo cuidado para prevenir acidentes, os riscos e impactos ao meio ambiente de qualquer atividade produtiva sempre existe. E, o que se espera é minimizar estes riscos com diversas atividades preventivas e de contingência vis a vis com os benefícios gerados para a sociedade. A Petrobras é reconhecida nacional e internacionalmente pelo excelente histórico na prevenção de acidentes e atividades de contingenciamento, já que utiliza padrões muito rigorosos de segurança operacional e proteção ao meio ambiente.

Importante lembrar que, não muito longe da fronteira do Brasil, do lado da Guiana-Suriname, já existem diversas empresas operando na exploração e produção de petróleo de forma segura e com resultados expressivos. A ExxonMobil, por exemplo, espera alcançar uma produção de cerca de 500 mil barris/dia este ano e cerca de 1.2 milhões de barris em 2027.

Outro fator importante a ser considerado é que, do lado brasileiro da Margem Equatorial deveria existir planos de contingência e proteção ao meio ambiente, caso ocorra algum acidente do lado da Guiana-Suriname. Porém, somente conseguimos isso de forma efetiva com empresas operando na exploração/produção de petróleo do lado brasileiro.

O processo decisório de concessão de uma licença ambiental não pode ficar restrito aos aspectos técnicos socioambientais, especialmente, em casos de grande relevância para o desenvolvimento econômico do país. A exploração na Margem Equatorial, certamente, é um projeto estratégico e de grande relevância, portanto, precisa ser avaliado por um conselho multidisciplinar, à exemplo do CNPE (Conselho Nacional de Política Energética), e com anuência, em última instância, do chefe do executivo e de seu governo, por se tratar de um projeto de estado.

É preciso modernizar o marco legal do licenciamento ambiental para reduzir a burocracia e equilibrar o processo decisório e de governança, para, assim, simplificar, agilizar e padronizar os procedimentos para diferentes tipos de licenciamento ambiental em todo o país.

Nada mais importante – especialmente considerando a conjuntura geopolítica para a segurança/transição energética e desenvolvimento socioeconômico do país – do que conhecer seu potencial energético e explorá-lo de forma sustentável.

Os recursos provenientes da exploração de combustíveis fosseis podem acelerar a transição energética, ajudar na preservação do meio ambiente e criar condições diferenciadas no desenvolvimento econômico da margem equatorial e do país. Há quem diga que o maior inimigo do meio ambiente é a proliferação da pobreza e do atraso no desenvolvimento econômico.

Felipe Kury é ex-diretor da ANP – Agência Nacional de Petróleo e consultor independente