Finalmente acabou o reinado de Luis Almagro à frente da Organização dos Estados Americanos (OEA), após dez anos de liderança na desestabilização, intervenção e apoio a golpes de Estado em diversos países da América Latina – obviamente, a mando de Washington.
Em seu lugar foi eleito o ministro de Relações Exteriores do Suriname, Albert Ramdin. Esse pleito foi um sinal de que até mesmo governos de rabo preso com os Estados Unidos estão incomodados com o papel nocivo da OEA. O candidato do Paraguai, cujo governo é um dos mais submissos aos estadunidenses, teve de desistir de sua candidatura ao perceber que perderia feio. Ramdin foi eleito de forma unânime e a Javier Milei só restou resmungar, acusando o Suriname de proximidade com a China.
O governo brasileiro teve papel importante nessa eleição. As declarações da secretária-geral do Itamaraty sugerem que o governo Lula trabalhou para garantir a escolha do candidato surinamês, supostamente mais neutro. “A OEA perdeu legitimidade e relevância em determinados temas”, criticou Maria Laura da Rocha, devido à “lógica de exclusão, estigmatização e isolamento dos que pensam diferente”.
A embaixadora se referia, especialmente, à atuação da entidade contra Venezuela e Nicarágua porque seus respectivos governos não se dobraram à política de saque do imperialismo americano. Almagro cumpriu quase perfeitamente o seu papel à frente da OEA. Diante da necessidade imperialista de ampliar a espoliação sobre os nossos países devido à época de crise econômica aberta em 2008, a OEA tirou a máscara e retomou a linha dura que a caracterizou nas primeiras décadas após sua fundação.
Após 1948, ela possibilitou o golpe dos EUA contra o governo da Guatemala em 1954, baniu Cuba por fazer uma revolução popular e apoiou as ditaduras militares do continente e até mesmo a invasão britânica das Malvinas. Nas palavras de Maria Laura da Rocha, com Almagro a OEA voltou a ser “embalada por um maniqueísmo reminiscente da Guerra Fria, mas com novas roupagens”. Ela denunciou ainda as sanções criminosas dos EUA contra
Venezuela e Nicarágua, apoiadas pela OEA, verdadeiras responsáveis pela crise econômica e social naqueles países. “A defesa da democracia”, completou, “não raro foi objeto de seletividade política”.
Mas engana-se quem pensa que o novo secretário-geral da OEA a transformará em uma plataforma democrática. A própria sede da OEA, onde trabalham seus funcionários, fica a menos de um quilômetro da Casa Branca e 60% do seu orçamento é pago pelos EUA (100%, em alguns órgãos). É o verdadeiro “ministério das colônias dos EUA”, como eternizou Fidel Castro. Não é uma mudança de ministro que fará um órgão dessa natureza modificar a essência de sua atuação.
Embora ainda muito atarefado com a bagunça interna e uma guerra para lidar no leste europeu, o governo Trump não pensa em fechar os olhos para a América Latina. Marco Rubio é uma indicação disso. Indicação extremamente perigosa. As ameaças contra Panamá e México também. Tanto a direita tradicional (que se apresenta como “centro” e “democrática”) quanto a extrema-direita já estão se aproveitando desse cenário favorável.
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A imprensa brasileira endossa as críticas da OEA contra o ministro Dias Toffoli do STF, por anular as farsas da Lava Jato contra a Odebrecht e o ex-ministro Antônio Palocci do PT. ONGs financiadas pelos EUA, como a Transparência Internacional – que participou das tramas escandalosas da Lava Jato –, unem-se ao coro. Do outro lado do mesmo espectro político, Bolsonaro revela que é um informante de Trump e pede publicamente uma intervenção imperialista no Brasil: “eles [o governo dos EUA] têm uma preocupação com o Brasil, eles não querem que o Brasil se consolide como uma nova Venezuela e nós sabemos que o problema do Brasil não vai ser resolvido internamente, tem que ser resolvido com apoio de fora.” Seu filho foi para os EUA pensando exatamente nisso.
Os bancos fazem uma campanha aberta de desestabilização contra o governo Lula. Na imprensa, já se declara a necessidade de um nome de “centro”, que só poderia vencer o atual presidente em 2026 com o apoio do bolsonarismo. Mas nem isso seria garantia de vitória – nem mesmo as pesquisas de opinião manipuladas têm a cara de pau de apresentar Lula como derrotado.
A OEA poderia jogar um papel fundamental em um cenário de contestação de possível vitória de Lula, como fez em 2019 contra Evo Morales. Ali, ela manipulou um relatório para promover um golpe de Estado, acusando o então presidente de ter fraudado as eleições.
Mais tarde a OEA foi desmascarada por um estudo do Center for Economic and Policy Research, de Washington, que analisou sua auditoria da eleição boliviana e concluiu que a conduta da OEA foi “desonesta, parcial e pouco profissional”. Os autores afirmaram que a atuação da OEA afetou profundamente a credibilidade da instituição para conferir as eleições realizadas no continente (atuação que já havia sido irregular nas eleições de 2010 no Haiti, prejudicando o partido do ex-presidente Jean Bertrand Aristide, que já havia sido derrubado por golpes patrocinados pelos EUA em 1991 e 2004). Outra análise, de pesquisadores do MIT, também publicada em 2020, corroborou as conclusões de que a OEA manipulou o relatório, que serviu de base para a oposição dar um golpe de Estado contra Morales.
Até por questão de sobrevivência, o Brasil deveria abandonar a OEA, como já fizeram os governos verdadeiramente soberanos do nosso continente. Temos a Celac, organismo legítimo de integração entre os nossos povos, sem a interferência de Estados Unidos ou Canadá. Temos a ALBA. A OEA não pode ser reformada. Deve ser repudiada e substituída. A não ser que desejemos continuar sendo colônia dos Estados Unidos, de Donald Trump e de Elon Musk.