O sofá de casa

A delícia do “sofá de casa” descrita por David Luiz nada mais é do que o retorno ao cerne do apego

O sofá de casa
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Há poucos dias, David Luiz – grande nome do futebol internacional, atualmente jogando no Flamengo – concedeu uma entrevista na qual afirmou, espontaneamente, que o sofá de casa, onde se fica junto com a família é o melhor lugar do mundo. Frase aparentemente simples, mas que carrega um profundo significado, atrelado a um lastro de valores morais digressivamente escassos em tempos contemporâneos. 

As palavras do zagueiro sintetizam o movimento que muitos experimentam quando precisam dar a volta ao mundo para reconhecer no ponto de partida o verdadeiro pote de ouro mirado ao fim do arco-íris. Um exercício cada vez mais complexo, em um mundo de oportunidades horizontais, o que estabelece uma natureza bastante desafiadora para as atuais e futuras gerações. 

Falando em classificações geracionais, pode-se traçar um paralelo bastante claro entre os hábitos das pessoas, partindo-se de premissas genéricas como faixa etária ou molde de educação familiar. De qualquer forma, em linhas abstratas, vejo aglutinadas essas características de forma, pautadas pela forma de viver emblemática referente à época. Modus vivendi que vem se modificando profundamente em um pequeno intervalo de tempo. Vejamos. 

A chamada geração x tinha à sua frente um mundo vertical, no que se refere ao que se esperava em termos de evolução e crescimento, sobretudo acadêmico e profissional. Em outras palavras, o chamado “caminho das pedras” desvendava-se em uma trajetória insculpida de forma conjunta entre o adulto em formação e sua família, geralmente delimitada pelas guidelines do conhecimento e poder aquisitivo dos pais. Justamente por isso, era possível enxergar a verticalidade do crescimento, em ascendência vertical, cujo sucesso dependia muito mais do jovem aspirante do que de qualquer outro fator externo. 

Entretanto, os tempos foram alterando o panorama vertical em um cenário cada vez mais horizontal. A chamada sociedade da informação – com primórdios nos anos 90 – passou a oferecer uma experiência completamente diferente aos atores da geração y, os quais experimentaram uma alfabetização totalmente “analógica”, seguida de uma introdução paulatina dos meios digitais, inclusive no seu processo de formação acadêmica. Mas o cume desse grande ciclo ocorre dentro da geração z, cujos pertencentes não experimentaram um mundo sem computadores eficazmente conectados à Internet, proporcionando-lhes uma experiência totalmente horizontal de crescimento, sobretudo no que se refere às oportunidades. 

Vale destacar que a geração das informações se apresenta como um verdadeiro cardápio de oportunidades, não apenas no plano profissional, mas também no pessoal. Com isso, os relacionamentos passaram a ignorar as fronteiras, extrapolando os limites físicos. Sobretudo no pós-pandemia, as opções virtuais aumentaram significativamente as possibilidades e, assim, as tais oportunidades. No entanto, as pessoas não estavam acostumadas a um leque desta dimensão, sobressaindo-se mais as oportunidades perdidas do que a única eleita. E essa permanente necessidade de escolha tem gerado angústia, o que deságua no grande mal psicológico do século XXI: a ansiedade. 

Dessa forma, em diâmetro totalmente diferente dos cenários verticais, o jovem de hoje precisa enfrentar muitas escolhas a mais do que um jovem da geração x, por exemplo. E é exatamente essa grande gama de possibilidades que tem gerado tantas voltas – muitas vezes desnecessárias – e o consequente afastamento das famílias. Isso porque o seio residencial representa a referência mais conservadora da vida, muitas vezes indo de encontro ao que ventilam as vozes ocultas da Internet. Mudanças rápidas, decisões imediatistas e arrependimentos tão rápidos quanto, o que tem atormentado os pensamentos dos jovens. 

A delícia do “sofá de casa” descrita por David Luiz nada mais é do que o retorno ao cerne do apego, onde – independente do que ocorra externamente – sentimos a proteção e o abraço acolhedor da família. Não à toa, há uma expressão do Direito Saxão que muito bem representa a natureza inviolável da residência: My home is my castle. E esse castelo do aforisma traduz exatamente a concretude das edificações pétreas medievais, calcadas na realidade inquestionável e, sobretudo, palpável da conservadora estrutura familiar. 

O fato é que tanto para os mais arrojados, quanto para os mais conservadores, a casa – abrigo da família – sempre será o ponto de refúgio e acolhimento mais eficaz, sendo o “sofá de casa” uma alegoria ao insubstituível “colo de mãe”. Meus parabéns àqueles que já conseguiram enxergar a importância e o incomensurável valor deste local, mais incrível e precioso de todo o mundo.