Olimpíadas de Paris 2024: Victor Hugo recebe Machado de Assis em casa

Um evento esportivo desse porte pede um exercício de imaginação

Olimpíadas de Paris 2024: Victor Hugo recebe Machado de Assis em casa
Olimpíadas de Paris 2024: Victor Hugo recebe Machado de Assis em casa

Os Jogos Olímpicos Modernos existem há pouco mais de 100 anos, um sonho (ou delírio?) de união pelo esporte datado do fim do século XIX. O evento que contava com apenas 9 esportes no início agora será disputado em quase 50 modalidades esportivas! Mais de 200 países e mais de 10.000 atletas empenhados em alcançar a glória e levar uma (ou algumas) medalha para casa. 

Em Paris, estão reunidos ao mesmo tempo os melhores atletas de cada país, os melhores representantes da sua modalidade. Certo? Certo! Porém, e se em um exercício de imaginação as modalidades fossem artísticas? E se a arte, normalmente tão individual, fosse subitamente coletiva? Quem representaria o Brasil, por exemplo, no esporte literatura? 

Na seleção masculina, encabeçando a lista como capitão e, provavelmente na posição de atacante, viria Machado de Assis, ídolo imortal e recém-redescoberto pelos gringos. Com certeza, fariam uma boa dupla de zaga os fortes Lima Barreto e João Cabral de Melo Neto. Jorge Amado e Erico Verissimo trabalhariam ali pelo meio de campo. E o gol, ah, o gol poderia muito bem ser vedado por Carlos Drummond de Andrade. Quem ousaria golear um senhor de óculos? O banco coalhadíssimo das melhores lendas, incluindo até Chico Buarque que, atleta de múltiplos talentos, não perderia a oportunidade de disputar também o seu futebol.

Já a seleção feminina contaria com estrelas como Clarice Lispector, Lygia Fagundes, Rachel de Queiroz, Conceição Evaristo e a recém-premiada Adélia Prado, que ninguém teria coragem de não escalar depois de tanto reconhecimento. Socorro Acioli ficaria no banco no primeiro tempo para brilhar no segundo junto com Carolina Maria de Jesus.

Os técnicos seríamos nós, os juízes seriam os outros e as reclamações seriam de todos, como de costume. “Por que não chamou fulano?”, “Por que não chamou sicrano?”, “Beltrano está brilhando muito no Corinthians”, essas coisas. 

Mas isto, é claro, não passa de um exercício de imaginação. Até porque Machado de Assis mesmo, o nosso Imortal mais querido, não tinha uma opinião lá muito boa sobre os Jogos Olímpicos. Em crônica publicada na Gazeta de Notícias, em 1894, quando o COI (Comitê Olímpico Internacional) foi criado, escreve ele:

“Também a arqueologia é ciência, mas há de ser com a condição de estudar as coisas mortas, não ressuscitá-las. Se quereis ver a diferença de uma e outra ciência, comparai as alegrias vivas do nosso jardim Zoológico com o projeto de ressuscitar em Atenas, após dois mil anos, os jogos olímpicos. Realmente, é preciso ter grande amor a essa ciência de farrapos para ir desenterrar tais jogos. Pois é do que trata agora uma comissão, que já dispõe de fundos e boa vontade. Está marcado o espetáculo para abril de 1896. Não há lá burros nem cavalos; há só homens e homens. Corridas a pé, luta corporal, exercícios ginásticos, corridas náuticas, natação, jogos atléticos, tudo o que possa esfalfar um homem sem nenhuma vantagem dos espectadores, porque não há apostas. Os prêmios são para os vencedores e honoríficos. Toda a metafísica de Aristóteles. Parece que há idéia de repetir tais jogos em Paris, no fim do século, e nos Estados Unidos em 1904. Se tal acontecer, adeus, América! Não valia a pena descobri-la há quatro séculos, para fazê-la recuar vinte.”

Os Jogos em Paris se repetem também agora em 2024 e, recepcionados por Victor Hugo, Verne, Balzac et caterva, que nos perdoe o Bruxo do Cosme Velho, lá vamos nós de novo!