Por Carolina Jatobá, professora de Direito do Centro Universitário de Brasília (CEUB)
No memorial dos mortos torturados no Chile, uma frase de Mario Benedetti ecoa: “El olvido esta lleno de memoria.” Essas palavras ressoam a necessidade de lembrar eventos considerados sombrios na história. A reflexão coletiva sobre tais acontecimentos gera repulsa pela repetição e promove um aprendizado essencial para as futuras gerações, evitando a perpetuação de erros, construindo uma cultura consciente e perene. No caso específico do 08/01/2023, vamos para o segundo ano de memória.
A polarização atingiu um ponto tal em que uma parcela da população ainda acredita na narrativa de que os eventos foram meramente uma desordem generalizada, sem a intenção de minar o sistema democrático. Em outras palavras: esvaziaram a simbologia do ato político e focaram na depredação de patrimônio público. É fato que o ataque ao patrimônio cultural atinge a identidade de uma nação, já que os símbolos artísticos são sua expressão. Tanto é que estamos em clima de Copa do Mundo porque Fernanda Torres foi reconhecida para além das terras tupiniquins com filme de temática necessária para o país. Não podemos esquecer nossas dores. Elas também são patrimônio.
Comemoramos também por termos recebido peças restauradas, destacando-se o relógio suíço que viajou longínquas terras estrangeiras para voltar para a capital da República. No entanto, não se trata apenas disso. A percepção equivocada de que tudo não passou de baderna merece atenção das autoridades, pois a pós-verdade alimenta crenças dissociadas da realidade. Aliás, a disseminação de desinformação e fake news deu origem ao ocorrido em 08 de janeiro, gestado muito antes, por meio do desrespeito às instituições, discursos de ódio camuflados como liberdade de expressão e a normalização do mal.
Conforme destacam os autores de “Como morrem as democracias”, a quebra da democracia não se dá de maneira súbita, ela se fragmenta gradualmente sob a aparência de um status quo democrático. Não há um colapso explícito, mas um declínio por meio de ações antidemocráticas cotidianas, na intolerância política, na criação de inimigos e na conivência de figuras governamentais. No entanto, quando tais constatações vêm dos próprios poderes, dos agentes políticos rejeitados pela massa, não surtem efeito. As pessoas se ancoram em suas crenças, ouvindo apenas verdades que confirmem suas convicções.
Para promover uma mudança de perspectiva, é essencial que outros atores levantem essas questões. A responsabilidade recai sobre a mídia, os juristas e os professores. Para preservar a democracia, precisamos desmistificar a ideia de liberdades absolutas, especialmente a liberdade de expressão, que não deve ser confundida com discursos de ódio que incitam violência e desordem. O respeito à ordem é crucial para o exercício dessas liberdades – sem isso, todas as liberdades serão restringidas, culminando na morte da democracia. O desafio consiste em conceder ao próximo direitos que ele tenta suprimir e, dentro da ordem, compreender que atentar contra esses direitos é prejudicar a si mesmo.