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sexta-feira, janeiro 10, 2025
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Trump exacerba as contradições entre EUA e América Latina

Donald Trump ainda nem tomou posse e os atritos com a América Latina já se desenvolvem rapidamente. Temos aqui quatro exemplos muito recentes que apontam para uma tendência de conflitos políticos sem precedentes entre os países latino-americanos e caribenhos e os Estados Unidos.

O mais recente foi a troca de declarações entre Trump e a presidenta Xiomara Castro sobre os imigrantes e a base militar em Honduras. Após o presidente eleito dos EUA reafirmar que vai deportar uma quantidade ainda indefinida (porém, ao que se espera, recorde) de imigrantes ilegais da América Central – o que inclui Honduras –, a líder hondurenha tomou uma postura surpreendente e corajosa.

“Diante de uma atitude hostil de expulsão em massa de nossos irmãos, teríamos que considerar uma mudança em nossas políticas de cooperação com os Estados Unidos, especialmente no campo militar em que, sem pagar um centavo, há décadas, eles mantêm bases militares em nosso território, que neste caso perderiam toda a razão de existir em Honduras”, disse ela em sua mensagem de Ano Novo.

Os Estados Unidos mantêm em Honduras a Base Aérea de Soto Cano, construída em 1982 em plena ditadura militar terrorista, famosa por seus massacres sumários na área rural com a utilização de esquadrões da morte. O grande pretexto para a construção da base era o combate aos guerrilheiros que lutavam contra a ditadura patrocinada por Washington. A ditadura acabou, a guerrilha sumiu, mas a base permaneceu.

São cerca de 1.000 pessoas que ainda servem na base, entre militares e civis, a maioria norte-americanos. Nos últimos anos, a presença militar dos EUA no país serviu para desestabilizar o governo de Manuel Zelaya – marido de Castro –, derrubado por um golpe militar-policial apoiado pelo Pentágono. O regime que se seguiu, considerado uma ditadura pelo atual governo, recebeu grande suporte dos EUA na repressão à oposição e aos movimentos sociais que contestavam a política de entrega dos recursos econômicos e naturais do país às companhias estadunidenses.

Um pouco antes outra crise diplomática já havia surgido, mais ao sul da América Central. No final de dezembro, Trump ameaçou retomar o controle do Canal do Panamá, por considerar que as tarifas cobradas aos EUA pela passagem pelo canal são “altamente injustas”. “Essa enganação completa do nosso país vai acabar imediatamente”, acrescentou Trump.

“Quero expressar de forma precisa que cada metro quadrado do Canal do Panamá e sua área adjacente pertencem ao Panamá e continuarão sendo”, respondeu imediatamente o presidente panamenho, José Raúl Mulino. “Soberania e independência não são negociáveis”, continuou ele.

O líder panamenho continuou: “Todo panamenho aqui ou em qualquer lugar do mundo o carrega no coração, e ele faz parte da nossa história de luta e de uma conquista irreversível.” Ele enfatizou: “Os panamenhos podem pensar diferente em muitas questões, mas quando se trata do nosso Canal e da nossa soberania, todos nós nos unimos sob uma única bandeira, a do Panamá.” 

Como Honduras, o Panamá sofre com um histórico de intensa interferência estadunidense. Ela começou com a própria criação do país, em 1903, quando Theodore Roosevelt percebeu a importância de se construir um canal para o escoamento da produção industrial dos EUA e a recepção das matérias primas vindas da Ásia. Só que o Panamá não existia: era uma parte da Colômbia. Então foi organizada uma revolução colorida que pedia a independência do Panamá. Os EUA enviaram navios de guerra para a região e, quando o movimento sagrou-se vitorioso, reconheceu imediatamente o novo país. No ano seguinte, o Canal do Panamá já estava sendo construído e seria concedido aos EUA. Um claro exemplo de como o imperialismo americano, já naquela época, dividia para reinar.

Quando Manuel Noriega, um notório colaborador da CIA, começou a se tornar independente demais do controle estadunidense, na década de 1980 – após o fim do prazo de concessão do Canal –, os Estados Unidos o acusaram de ser um narcotraficante e ameaçar a sua segurança nacional. Invadiram o Panamá, mataram um monte de panamenhos, prenderam Noriega e o levaram para os EUA e retomaram o controle efetivo sobre o país.

Tarifas contra México e Brasil

Até mesmo dois gigantes do continente estão sofrendo ameaças de desestabilização do novo presidente dos EUA. No final de novembro, uma troca de declarações elevou as tensões de Washington com seu vizinho. Recém-eleito, Trump disse que irá impor tarifas de 25% a todas as importações do México e do Canadá e que só voltaria atrás em sua decisão caso os vizinhos detenham a imigração ilegal e o tráfico de drogas.

Então, a presidenta mexicana Claudia Sheinbaum respondeu: “Se houver tarifas dos EUA, o México também as aumentará.” Os dois então tiveram uma conversa por telefone e Trump revelou que sua colega havia “concordado em interromper a migração através do México e para solo americano, efetivamente fechando nossa fronteira sul”. Porém, Sheinbaum se apressou para negar categoricamente as afirmações do empresário tornado presidente.

“Se uma porcentagem do que os Estados Unidos alocam para a guerra for dedicada à construção da paz e ao desenvolvimento, a mobilidade das pessoas será fundamentalmente abortada”, escreveu Sheinbaum em uma carta a Trump.

O último capítulo das tensões foi a reivindicação do nome do Golfo do México, que, segundo a administração que assumirá o país, precisa mudar para Golfo da América e ser reconhecido como tal a nível internacional. Sheinbaum reagiu com humor: exibiu um mapa da América do Norte em que o sul dos Estados Unidos é descrito como “América Mexicana”.

Seja como for, as autoridades mexicanas estão apreensivas pelas primeiras medidas que poderão ser tomadas pela nova administração de seu vizinho do norte. Um sinal de alerta já está sendo enviado à comunidade mexicana nos Estados Unidos, para que fiquem atentos aos recados urgentes em caso de perigo.

Mas não foi somente o México que foi ameaçado com tarifas comerciais. No dia 16 de dezembro, Trump citou o Brasil nominalmente como exemplo de país que sofrerá novas taxas. Pouco antes, já havia anunciado a intenção de impor tarifas de 100% aos produtos importados dos países do BRICS, caso eles concretizem as ideias de desdolarização de suas transações comerciais. O ministro das Relações Exteriores do Brasil, Mauro Vieira, chamou as ameaças de “provocativas”.

O Brasil também teve desavenças nos últimos meses com Elon Musk, que agora fará parte do governo Trump, na prática. O magnata da tecnologia tem interferido de forma escandalosa nos assuntos internos do país. No ano passado, a Suprema Corte bloqueou o X por algumas semanas e a primeira-dama o acusou de violar a soberania nacional brasileira.

Com as declarações de Trump, os posicionamentos intervencionistas de Musk (como está fazendo também na Europa) e um secretário de Estado como Marco Rubio, a tendência é que as relações dos Estados Unidos com a América Latina observem uma piora significativa em comparação com os últimos anos – incluindo o primeiro mandato de Trump. Apesar de o continente sempre ter sido considerado por Washington como um quintal onde os estadunidenses fazem o que querem, o intercâmbio crescente com China e Rússia e a presença de líderes de esquerda (ainda que moderada) em vários países deve gerar atritos significativos.

Embora seja claro que os países latino-americanos sofrerão pressões da nova administração da Casa Branca, a situação tem um lado positivo que se sobrepõe ao negativo. Fica cada vez mais evidente como os Estados Unidos não veem as nações do sul como iguais e como desprezam os seus povos. As contradições abrem uma ótima possibilidade para colocar em prática as sugestões de Xiomara Castro e expulsar os militares estadunidenses que estão instalados em vários países latino-americanos para garantir o controle político ou desestabilizar seus governos.

Também surge a chance de diversificar as relações comerciais dos países da América Latina, historicamente dependentes dos EUA, e acelerar a aproximação com China, Rússia e os BRICS. É fundamental abandonar a dependência econômica dos Estados Unidos, porque ela é a base para a escravidão política e as intervenções militares promovidas por Washington quando bem entende. O establishment estadunidense não gosta de Trump por vários motivos, mas principalmente porque sua política escancara o funcionamento do imperialismo americano. Trump pode estar abrindo os olhos de muitos latino-americanos, que agora veem (já temperados por seu primeiro mandato) o quão nocivas e subservientes são as relações de seus países com os EUA. E que isso tem que acabar.

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