“Enquanto eu tiver forças, vou lutar para que os jovens regressem às suas casas”, diz Marilene que perdeu a filha na tragédia da Boate Kiss

Associação de familiares de vítimas e sobreviventes da tragédia, que completa dez anos, está em Brasília em busca de justiça pela memória dos filhos e amigos

Justiça é o que esperam os familiares de vítimas e os sobreviventes da tragédia de 27 de janeiro de 2013, na Boate Kiss. A dolorida espera pela responsabilização dos envolvidos no incêndio esbarra em um novo obstáculo: o julgamento de um recurso que pode anular o júri que condenou quatro pessoas. Um grupo de pais e sobreviventes voltam a Brasília para clamar às Cortes uma chance de viver seu luto.
 

O ministro Paulo Pimenta, da Secretaria de Comunicação Social, recebeu cinco representantes da Associação dos Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria, que falam em nome de todos aqueles que perderam alguém naquela noite de sábado, para prestar apoio e dar voz aos clamores. “Essas pessoas merecem todo o nosso respeito e terão da parte da Secom e do Governo Federal, a mais absoluta solidariedade e apoio e espaço por sua luta pela justiça”, disse.
 

Dez anos à espera de um desfecho do caso na Justiça, Marilene dos Santos luta para que o Brasil não vivencie outro desastre como o de Santa Maria. “A gente vai morrendo um pouquinho por dia, mas eu disse para mim mesma que enquanto eu tiver força, eu vou lutar por justiça; pelos jovens de hoje que saem de casa para que consigam voltar; e para que outras mães não sofram o que nós estamos sofrendo”. 

Marilene é mãe de Nathiele dos Santos, que não conseguiu sair da boate a tempo. “Ela trabalhou até 11h da noite, chegou em casa, tomou um banho e saiu para a boate e não voltou mais. Foi tirada lá de dentro em um caminhão frigorífico e jogada em uma lona preta como se fosse um animal. Isso é dolorido demais, ainda mais sabendo que estamos em uma luta por justiça e não conseguimos nada”, relata a mãe que busca o direito de viver o seu luto. 

Dividindo a mesma dor, Ligiane Righi, mãe de Adrielli Righi, também está em Brasília reivindicando às Cortes a responsabilização dos envolvidos. “Tem muitas pessoas que pedem para que a gente vire a página, esquecer. Mas só quem viveu aquele domingo, sabe e nós não queremos que ninguém mais sinta na pele o que a gente sentiu. Então, essa luta é para não cair no esquecimento, para que nenhum pai ou mãe passe pelo mesmo que nós”, diz.
 

Adrielli estava na Boate Kiss comemorando seu aniversário, que para mãe parecia ser um programa prudente. “Quando minha filha entrou naquela boate, ela acreditava estar segura. A nossa preocupação era a insegurança das ruas, mas foi provado que se pode estar inseguro em qualquer lugar, por causa da negligência e ganância. Eu sempre falo que a vida da minha filha não foi em vão, e a gente espera que a morte não seja”, afirma Ligiane. 

CORTES SUPERIORES — O Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o Supremo Tribunal Federal (STF) vão julgar recursos apresentados pelo Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul que pedem a manutenção das penas dos quatro condenados pelo incêndio. 

A Justiça estadual, em agosto de 2022, anulou o julgamento ocorrido em dezembro de 2021, no qual responsabilizou dois sócios da boate, um produtor musical e o vocalista da banda, que manuseou os fogos de artifício na noite da tragédia. 

Por esta razão, o grupo de familiares e vítimas está na capital federal para pressionar as autoridades em busca de justiça. Kelen Ferreira, que teve 18% do corpo queimado e a perna direita amputada, pede pela condenação dos responsáveis, que hoje estão soltos. 

“Estamos aqui em Brasília, alguns pais e eu, como sobrevivente, para pedir que o julgamento deste recurso ocorra o mais rápido possível. Já esperamos tempo demais, são 10 anos que aguardamos sem ter respostas. É muito dolorido que as famílias não conseguem viver o seu luto em paz”, diz. 

Ligiane Righi acredita que manter a condenação é o mínimo que o Estado pode fazer pelas vítimas. “Estamos na frente do STJ clamando para que não aceitem o recurso para anulação do júri, a gente pede que tenha prioridade. É o mínimo que a gente espera para poder encerrar esse ciclo e poder viver, finalmente, o nosso luto é que os quatro que foram julgados sejam responsabilizados, de fato, para dar o exemplo e fazer com que as pessoas voltem a acreditar na justiça”.