Agência Brasil faz 33 anos; desafio é consolidar jornalismo público

Tem coletiva no Planalto. Tem greve de ônibus. Tem projeto sendo votado agora no Congresso. Quem vai? E o julgamento no STF? E os relatórios sobre racismo? Os dados novos de violência contra as mulheres já chegaram no e-mail? As fotos já estão no sistema! 

Esse é o clima de urgência de todos os dias, de todas as horas, na redação da Agência Brasil, agência pública de notícias que completa, nesta quarta-feira (10), 33 anos de existência. A informação de interesse público, gratuita, contextualizada e de qualidade faz a diferença para o país, avaliam especialistas.

O professor de comunicação Rogério Christofoletti, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), ressalta que todas as pessoas têm direito à informação e de saber o que se passa em sociedade. “Esses conteúdos precisam ter qualidade, o que significa dizer que precisam ser corretos, claros, precisos, bem apurados, envolventes, éticos e responsáveis”. Ele diz que, entre os desafios do jornalismo público, estão os de “ampliar seu público, produzir com qualidade e manter a independência do governo”.

Também pesquisador dos temas da comunicação pública, o professor Josenildo Luiz Guerra, da Universidade Federal de Sergipe (UFS), entende que as organizações jornalísticas precisam investir no fortalecimento de sua credibilidade, com inovações editoriais e tecnológicas interligadas. 

“Essas inovações devem não apenas resultar em produtos jornalísticos melhores, mas permitir a extração de indicadores de qualidade editorial, capazes de demonstrar que a qualidade sugerida pelos veículos é efetivamente entregue em seu conteúdo noticioso”, afirma o professor da UFS.

Jornalismo público deve liderar processos

Guerra aponta que a pluralidade não deve ficar apenas no discurso dos veículos e dos jornalistas. Isso precisa estar provado nas métricas e nos indicadores que demonstrem equilíbrio e diversidade. “O jornalismo público tem o dever de liderar esse processo, de abrir esse movimento”. Por um lado, avalia o pesquisador, porque tem uma rotina de prestação de contas à sociedade. Por outro, porque o jornalismo público pode estimular o jornalismo privado a elevar também o seu patamar de qualidade.

Sob ótica semelhante, o diretor da União Latino-americana de Agências de Notícias (Ulan), o jornalista argentino Juan Manuel Fonrouge, considera que o principal desafio desse tipo de veículo público é ser competitivo. Para ele, é necessário atingir a audiência pelos portais e redes sociais, mas também  pelas mídias que utilizam esses conteúdos.

“Os órgãos públicos, mesmo que tenham finalidade não comercial, devem buscar atingir o público e fornecer conteúdo aos meios de comunicação, manter sua relevância”. Isso, para Fonrouge, era muito mais fácil antes da internet, quando o papel dos órgãos nacionais era preponderante para a mídia, “Hoje é diferente. A oferta de agências estrangeiras, como as europeias, tem sido muito mais diversificada”.

Impactos

O professor Josenildo Guerra lembra que o Manual de Jornalismo da EBC orienta a cobertura de um conjunto de temas de respeito à cidadania. Para ele, a Agência Brasil deve fugir de reproduzir modelos e de se ater a declarações das fontes oficiais.

“O arsenal de dados públicos disponíveis hoje, por processos ativos e passivos de transparência, e a facilidade de acesso a fontes relevantes da sociedade civil, por exemplo, abrem possibilidades de ampliação e qualificação da cobertura além dos órgãos e das fontes oficiais”. Isso gera impactos na sociedade, na avaliação dos pesquisadores.

Segundo Rogério Christofoletti, da UFSC, ampliar o público significa alcançar os lugares onde as informações vão importar e impactar. Para ele, esse tipo de conteúdo deve sair da superficialidade.

 “(Deve ter) noticiário econômico e político, com doses generosas de contextualização, um bom noticiário sobre educação, direito do consumidor, direitos humanos, justiça e meio ambiente, também com inteligência, criatividade e linguagem clara”.

Presidente da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), o jornalista Hélio Doyle destaca que todos os países com economia desenvolvida mantêm agências noticiosas de caráter público que prestam grande serviço à população. 

“São reconhecidas pela população. São referências não só para as pessoas de maneira geral, como para formadores de opinião e meios de comunicação. Então, isso é o que nós queremos da Agência Brasil”, afirma Doyle, que foi professor por mais de três décadas na Universidade de Brasília (UnB).

Ele ressalta que a Agência Brasil busca se firmar como agência de comunicação pública, relevante para sociedade brasileira.

Para a jornalista Midiã Noelle, fundadora da iniciativa Commbne (Comunicação baseada em inovação, raça e etnia), a comunicação pública conta a história do Brasil e é parte da memória da sociedade. Como memória, na avaliação dela, precisa ser sempre contada e recontada com os vieses da diversidade, inclusão e do enfrentamento às desigualdades.

“A Agência Brasil é parceira da população brasileira no combate ao racismo. Ter agências de comunicação pública que contemplem a pauta racial desde o olhar da construção da pauta, a partir de uma equipe diversa racialmente, comprometida com o enfrentamento ao racismo é fundamental para a mudança da sociedade. As percepções sobre o impacto do racismo no Brasil se dá sobretudo a partir da disseminação de informações jornalísticas. Pensar a construção destas narrativas, a partir de um olhar comprometido com a luta antirracista e de forma responsável, como é feita pela Agência Brasil, é necessário para a mudança do país, forjado a partir da violação de corpos indígenas e negros”, afirma a mestre em cultura.

Diversidade de fontes Na opinião de Christofoletti,  todos os veículos devem priorizar a diversidade de fontes de informação (as pessoas e os documentos que servem de subsídios para os materiais jornalísticos), mas, para a Agência Brasil, há uma dimensão mais importante. 

“Como a Agência Brasil abastece localidades que, muitas vezes, são carentes de outras possibilidades de informação, sua influência no imaginário e na consciência social coletiva é maior. Por isso, garantir a diversidade das fontes e a pluralidade de pontos de vista é elemento de qualidade e de ética jornalística”, afirma.

De olho no futuro-presente  Para o professor Rogério Christofoletti, o avanço de tecnologias de robotização do jornalismo não deve causar temor para a produção noticiosa. De acordo com os especialistas, humanizar e aprofundar podem ser receitas importantes. 

 “Algumas tarefas podem ser executadas por robôs ou sistemas. Tarefas que demandam o manejo de um volume imenso de dados, por exemplo. Recorrer a tais sistemas nunca pode significar abrir mão da supervisão de humanos. Nunca”.

Josenildo Guerra, da UFS, também entende que as tecnologias precisam ser analisadas e incorporadas de “modo seguro” ao jornalismo. “O uso responsável e eticamente orientado dessas tecnologias não exclui a humanização e o aprofundamento dos temas. Ao contrário, por exemplo, em termos de aprofundamento dos temas pode haver imensos ganhos”.

Contra a desinformação

O pesquisador argentino Juan Manuel Fonrouge diz que o combate à desinformação é papel central das agências de notícias. “Caso uma informação publicada em um meio seja citada por uma agência ou reproduzida na íntegra, um material de uma agência de notícias como a Agência Brasil ou a Telam (Argentina), o veículo deve ser uma garantia de veracidade”. 

Na opinião dos pesquisadores, o veículo público pode proteger a sociedade de quem busca perturbar a ordem pública, manipular e desinformar por meio de notícias falsas. “Essa é uma das razões pelas quais as agências de notícias públicas, privadas e mistas não vão desaparecer, a opinião pública precisa delas, devem ser garantidoras de informação verídica e fidedigna”.

Democratização O fato de a Agência Brasil fornecer conteúdos gratuitos para todo o país é caminho importante para a garantia dos direitos de cidadania dos brasileiros no campo do jornalismo público, afirma o coordenador-geral do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), Admilson Ferro Jr.

“A história de luta pela democratização da comunicação não é de hoje e remonta ao período antes da Constituição de 1988. De fato, o país teve avanços com a criação do EBC (2007) e do Conselho Curador, em que a sociedade civil passou a participar de maneira importantíssima desse processo de construção da comunicação no país”. 

O coordenador do FNDC defende que a comunicação pública deve ser fortalecida com maior participação da sociedade e que as necessidades populares pautem os veículos públicos. “O país tem um contingente imenso de pessoas na miséria, sem recursos básicos a que teriam direito”.

Para a pesquisadora de mídia negra Alane Reis, editora da Revista Afirmativa, o fortalecimento da comunicação pública é fundamental como um espaço estratégico na garantia da democratização da comunicação. “Acreditamos que a presença de profissionais comprometidos com os valores do antirracismo, da justiça social e da democracia, nas empresas públicas de comunicação estaduais e federais, como a Agência Brasil, fortalece a potência destes espaços enquanto instituições comprometidas com a reparação dos direitos à comunicação, à informação e à memória, tão violados para a maioria da população brasileira: negra, indígena, quilombola, de periferias, rurais, juventudes e comunidades LGBTQIA+.”

Raio-X A Agência Brasil nasceu em 1990 como uma agência governamental de notícias ligada à empresa de comunicação do governo federal, a Radiobras.  Até 1997, todo conteúdo da agência era distribuído via telex. A estreia da agência na web se deu em 1996 e, durante aproximadamente um ano, a migração de plataformas foi concluída. Em 2003, no primeiro governo Lula, sob a gestão do jornalista Eugênio Bucci, a linha editorial ampliou o foco, até então restrito ao governo, para também abordar a participação social na construção de políticas públicas e da cidadania.

Quatro anos depois, a partir da criação da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), o veículo passou a integrar um conglomerado de comunicação pública criado para tirar do papel e ampliar o conceito presente no artigo 223 da Constituição Federal: o da complementaridade entre os sistemas privado, público e estatal de radiodifusão.

Reproduzida por veículos de comunicação de todo o Brasil, apenas nos primeiros meses deste ano, a Agência Brasil teve cerca de 160 milhões de visualizações de seus conteúdos em outros sites. Foram publicadas 5,7 mil matérias em português, 515 em inglês e 516 em espanhol. O serviço de fotografia disponibilizou 8,6 mil fotos. Atualmente, a redação conta com cerca de 70 profissionais em Brasília, no Rio de Janeiro, São Paulo e no Maranhão, entre repórteres, editores, repórteres-fotográficos, pauteiros e tradutores.