Jô Oliveira, vereadora de Campina Grande, fala sobre liderança e cenário para eleições de 2024

Josilene Oliveira, conhecida como Jô Oliveira, nasceu em Campina Grande. Foi eleita vereadora da “Rainha da Borborema” pelo PCdoB em 2020. Foi a primeira da família a ter um diploma universitário, assim como um mestrado, ambos em serviço social pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB). Em 2020, alcançou a vitória com 3.050 votos, entrando para a história como a primeira mulher negra a ser eleita vereadora de Campina Grande. 

Suas principais pautas são a defesa dos direitos das mulheres, da população LGBTQIAP+, da periferia, das pessoas com deficiência, e da população idosa, com foco nas mulheres negras e juventudes, segmentos que estão diretamente articulados às demandas de saúde, educação, assistência social, cultura, o direito à cidade, e a defesa do direito à vida.

O Brasil de Fato Paraíba conversou com Jô Oliveira em 2021 sobre as perspectivas e futuro que teria pela frente em seu primeiro mandato. Agora, em 2023, voltamos a conversar sobre os desafios de sua gestão, os andamentos e os cenários políticos para prefeitura da cidade nas eleições de 2024.

:: Jô Oliveira, primeira vereadora negra de CG, fala sobre sua trajetória de vida, luta e racismo

Brasil de Fato Paraíba: Jô, a senhora foi eleita a primeira mulher negra vereadora de Campina Grande, com certeza já deu inúmeras entrevista sobre sua representatividade para outras mulheres pretas, feministas…. Nós gostaríamos que você fizesse um balanço dos desafios de seu mandato feminista, negro e popular na cidade e também pontuasse as bonanças e efeitos progressistas de sua candidatura.

Jô Oliveira: É difícil fazer um balanço dos desafios porque nós que estamos dentro desses mandatos sempre vemos o copo meio cheio, mas o que venho pensando nos últimos tempos e que preciso colocar aqui é o seguinte: eu não tenho romantizado muito a luta, sabe? A questão da representatividade, sabemos que historicamente é uma vitória chegarmos nesse lugar, mas ao mesmo tempo é cansativo do ponto de vista do que significa essa representação. É muito difícil ser a primeira! E as vezes é muito cansativo ter que falar o óbvio todo dia, falando desse lugar enquanto mulher preta, feminista, mandato popular. O tempo inteiro temos que estar falando isso, não por estar lá, mas sempre por reafirmar ‘ó, a gente tá falando aqui uma coisa que já devia ser confirmada, que historicamente já devia ser pautada e trazida para esse debate’.

Ao mesmo tempo que tem esse cansaço, tem coisas que acho muito bacana – e aí faço questão de frisar esses aspectos positivos de ‘primeiro eu fui eleita como qualquer uma/um aqui’, pelos votos, pelas escolhas das pessoas, por acreditarem que esse perfil de candidatura precisaria estar ocupando esse espaço, então, isso que é bacana, nós referenciarmos quem escolheu a gente.

Foi um espaço de conquistas coletivas, não é mesmo?

Sim, compreendermos que nessa questão da representatividade a gente não chega só – quando falo isso não me refiro só as pessoas que construíram esse papel da candidatura conosco, que está no mandato, que nos colou nas ruas, mas pensar, por exemplo que, várias vezes, se você olhar o histórico de nossas audiências públicas, quando estamos discursando na Câmara, não tem uma única vez que alguém que convidamos para participar da audiência, para fazer uma fala de acordo com a temática proposta do dia não diga ‘ó, é a primeira vez que estou falando numa Câmara, compondo uma mesa, numa tribuna, que posso falar aqui’.

Então acho que isso é muito mais significativo, apesar de todas as dificuldades, apesar de reafirmar o óbvio, apesar de brigas por coisas que nem precisariam mais. Isso é nossa compensação, é não estar sozinha nesse mandato, é encontrar as pessoas na rua e elas afirmarem que é isso mesmo, tal pauta tem que ser proposta dessa forma, estamos contigo. Ou ainda dizer que precisamos de outros olhares, nos convidar para ir às escolas, unidades de saúde, entender o processo de cada bairro, entender que precisa de mais, nos apontar o que não enxergamos.

É importante que as pessoas se sintam parte desse mandato, tanto aquelas que votaram, acompanham, mas também as que não votaram, mas me param na rua e diz ‘soube que você é vereadora e queria deixar sugestão de projeto, não votei em você mas tenho acompanhado agora sua atuação, gostei do que você tem dito’, ou quando me encontram e dizem ‘não voto em você por questões ideológicas, por esse partido que você está, mas pelo menos você é coerente’. [Risos] Eu acho isso muito importante!

É esse misto de sensações, tem dias que bate o cansaço, mas precisamos ir, precisamos qualificar o debate do ponto de vista de não deixar que só um lado fale, que só um lado se coloque e, é necessário pela demanda histórica que temos. Estamos ali para lembrar as pessoas que fazem as diversas áreas da cidade, mas que nem sempre são lembradas, citadas em documentos e espaços oficiais, tendo seu trabalho reconhecido, sua luta reconhecida. 

E o que precisa ser feito para que mais mulheres ocupem cargos eletivos na política?

Eu entendo que passa por mudar esse processo de construção social, que leva tempo, mas o caminho é só um – digo enquanto mulher que ocupa esse espaço: estimular que outras mulheres venham! Por que assim, sabe, eu ouvi muito e ainda ouço muito a frase “nossa, como você tem coragem!”, “não sei se me imagino nesse lugar”, “não sei se teria capacidade”. Parece que temos muito mais respostas negativas para aquilo que ainda nem experimentamos. Isso passa por um processo que não fomos ensinadas, orientadas, que são espaços nossos também, que a política também é um lugar nosso.

Eu tenho a oportunidade agora de dizer para essas mulheres “experimente, esse lugar também é nosso, também precisa ser nosso”. Quando estou visitando as estudantes em escolas públicas eu sempre digo para elas: coloquem que a política também pode ser uma oportunidade para ocupação de espaço. Às vezes pensamos que seremos só professoras, advogadas, médicas – não que a política seja colocada num rol de profissão –  mas pensar como possibilidade até para ocupar esse espaço e não torná-lo algo extraordinário, uma exceção, até para que não se tenha somente Jô como vereadora, para que Jô não seja a única, porque imagina se de repente não conseguimos mais eleger outra mulher preta, ou uma mulher de periferia, ou até uma mulher trans? É importante que haja esse processo de estimulação, que quem esteja ocupando esse espaço estimule mais mulheres, e ai, infelizmente é um processo que é longo, não vai ser dentro da demanda que a gente tem na sociedade, mas que precisa ser feito. 

Parece que temos essa inspiração quando mulheres estão no poder, mas nos falta assumir posições de liderança, seja a partir da ocupação de cargos em movimentos, sindicatos. Sinto que somos escutadas, mas nem sempre escolhidas para esses ‘espaços-base’.

Sim, tocou num ponto interessante, pois a gente precisa falar com as mulheres que já estão ocupando algumas lideranças políticas, seja em movimentos, sindicatos, partidos, porque muitas das vezes não assumem esse lugar de liderança, e eu digo isso com muita tranquilidade porque aconteceu comigo. Há quanto tempo eu sou filiada a um partido e quanto tempo eu passei sem ser pensada como um possível nome com viabilidade eleitoral? É importante que pensemos e falemos sobre nossas organizações, que conversemos internamente entre nós, que a gente se fortaleça do ponto de vista de nossas entidades, para que tenhamos a possibilidade, inclusive de disputar partido, sindicato, movimentos.

A gente já faz, já estamos no dia a dia, já construímos a luta, e ai só precisamos garantir esse lugar da liderança, de ter voz, de definir recurso, de definir como fazer as coisas, e que também sejam cada vez mais nossos, né? Eu falo também aqui de outra perspectiva: a de ocuparmos cargos estratégicos nas gestões – obviamente se fossem gestões nossas seria muito melhor, mas mesmo quando estamos nesses cargos, assumimos muito o papel do campo do cuidado e acabamos reproduzindo o que acontece na nossa dinâmica doméstica no ambiente da gestão. Quantas mulheres de fato definem orçamentariamente? Quantas mulheres temos secretárias de finanças? Quantas mulheres temos secretárias de administração? Aqui me refiro ao espaço amplo da administração, onde se definem licitações, processos.

Não que sejamos isentas de cometer erros, no campo humano também falhamos, mas do ponto de ocupar mais lugares pois não podemos ficar só no campo da educação, da assistência. Existem outras pastas, temos a capacidade de estarmos em todos os âmbitos da gestão. É um processo fácil? Não! Mas precisamos construir, falar, ir tensionando. E a depender da gestão também, né, [risos] precisamos ‘pegar’ brigas pra garantir esses espaços. 

Jô, sobre os movimentos estudantis e as mudanças ao longo dos anos: a senhora participou por muito tempo dos movimentos estudantis, começou, podemos dizer, sua vida política nesses espaços, nesses núcleos. Estamos agora num governo democrático, progressista, mas percebemos, nesses últimos anos – devido as circunstâncias de pandemia e governo Bolsonaro, uma certa instabilidade desses movimentos, que só agora retomam com mais força sua voz. Gostaríamos de saber de você, que veio dessa base da militância estudantil, como você enxerga hoje esses movimentos e a importância deles para projetar a ocupação de mais espaços políticos pela diversidade das pautas?

Cada quadro histórico tem sua conjuntura, mas eu cheguei na universidade no momento que o movimento estudantil existia, mas não era aquela referência, inclusive de criação da UNE, que claro, hoje referenciamos. Podemos perceber um certo ‘declínio’. Estou dizendo isso por falta da palavra adequada, mas penso assim: enquanto sociedade tivemos mudanças, entramos nesse discurso da meritocracia e acabamos, em muitas vezes, reproduzindo esse discurso em alguns espaços e o movimento estudantil não está isento. Muito dessa história do estudante de se dedicar, buscar boas notas, ter um currículo bom, arranjar um bom estágio e emprego, mestrado, doutorado. 

Acredito, que de alguma forma, a luta coletiva se perdeu nesse caminho – não falo aqui que é a única causa, mas o que era do campo da motivação pessoal acabou, muitas vezes, limitada pelas possibilidades de ascensão e, também, óbvio, existe um processo de neoliberalismo que coloca a gente nessa louca concorrência entre nós para ocupação de espaço, para concurso público, e aí se torna uma coisa muito solitária também. Todas as lutas coletivas foram impactadas por isso e, infelizmente, não é uma coisa que foge ao movimento estudantil.

Eles resistem, podemos afirmar?

Claro, os movimentos (re)existem, mas percebemos as dificuldades e posso falar por Campina Grande que tem muitas universidades e faculdades, e os estudantes que estão a frente desses espaços sofrem para conseguir, por exemplo, pessoas para votarem nas chapas. No último processo eleitoral pro DCE [Diretório Central de Estudantes] da UEPB os estudantes nem conseguiram um percentual mínimo e temos 15 mil estudantes nesse campus. O que justifica não termos o mínimo de estudantes para votar? O que nos leva a esse lugar? É falta de movimento, disposição, apresentar propostas, reunir para debate, movimentar chapas? Não! Isso é feito, mas eu acho que exista uma apatia, e aqui deixo claro que é do meu achar mesmo, por que é um ambiente que não vivencio diariamente, mas o que consigo perceber sempre que vou nesses espaços é que tá todo mundo vivendo no seu mundo, buscando seu processo de formação, seu momento de crescimento pessoal, e ai, as lutas coletivas infelizmente ficam a parte

E isso tudo numa perspectiva de fala sobre o movimento universitário, mas lembremos das outras experiências nas redes de ensino médio, por exemplo, a gente não tem mais a presença dos grêmios. De quantos grêmios hoje em dia escutamos falar? Então, infelizmente, é algo que se coloca em torno até pela “corrida” do ENEM, pra ter nota mil na redação. Eu celebro bastante o movimento estudantil que está ainda nessa ponta de lança buscando reorganizar esses espaços, a gente acompanha, mesmo que de longe, os processos de construção em torno das chapas do DCE na UFCG [Universidade Federal de Campina Grande], UFPB [Universidade Federal da Paraíba]. É importante que existam as vozes coletivas e diversas que se coloquem a disposição, não podemos permitir que o movimento estudantil se perca.

Recentemente o governador João Azevedo divulgou editais para concursos públicos, dentre eles, o edital para educação com mil vagas para professores. A grande queixa dos movimentos e equipes pedagógicas da rede estadual é a ausência de vagas para profissionais da Psicologia e Assistência Social, uma vez que a demanda por esses profissionais nas equipes é cada vez maior: TDAH, Espectro Autista, Dificuldade de Aprendizagem aliadas a ansiedades, bullying, opressões sociais. O que podemos pensar sobre isso?

Antes dessa entrevista eu estava reunida com algumas mães de filhos atípicos porque teremos reunião com o Ministério Público sobre a rede pública/privada de Campina Grande e a negativa que eles têm dado às mães que buscam matricular seus filhos autistas. Na verdade, não seria uma negativa, mas um certo desestímulo na hora da matrícula, inclusive gerou um processo e buscamos essa audiência. Vamos pontuar a ausência dessa figura do cuidador/cuidadora, acompanhante terapêutico/a, enfim, pra fazer o acompanhamento dessas crianças e acabamos tocando nesse assunto do governo do estado.

Temos agora um volume grande de Escolas Integrais e muitas dessas crianças passam o dia todo no espaço e é importante que tenha essa rede de apoio que passa por profissionais conchaves nessa construção, e é impossível pensar em escolas hoje sem a presença de assistentes sociais e psicólogos/as. Existem também um número alto de adolescentes com depressão nesses espaços, como você citou o bullying, as cobranças, enfim, não que o profissional psicólogo escolar vá fazer atendimentos individuais, mas orientar dentro do coletivo para que o ambiente escolar fique mais leve, para que eles entendam o que é direito e deveres, é uma fase difícil essa, principalmente para jovens com origens sociais que passam por outras implicações, como geração de emprego e renda, contribuição em casa, ajuda familiar, tantos e tantas jovens pretos e pretas que estão em evasão escolar por esses motivos. Então esses indivíduos se colocam em lugares que precisam de apoio para manterem os estudos, seja esse apoio social com políticas publicas voltadas à demandas financeiras até o apoio psicossocial com esses profissionais presentes nas escolas. É uma questão que é pra ontem a presença desses profissionais na rede pública estadual de ensino. 

Campina Grande já viveu tempos progressistas. Podemos citar a luta contra a ditadura, movimentos estudantis, movimentos culturais, organização do encontro da Nova Consciência que trazia essa diversidade religiosa, mas que de um tempo para cá sofreu com essa onda conservadora. Então, mesmo distante, gostaríamos de saber como você enxerga esse cenário para 2024 em CG. Há alguma perspectiva para candidatura progressista, do campo democrático popular?

Então, existe uma voz de eleitores que busca trazer esse discurso, mas vejamos bem, temos avaliado com muito carinho [risos] e vou trazer alguns pontos: temos uma preocupação porque o nosso campo nunca consegue reeleger ninguém, não podemos arriscar o mandato. Outro ponto é que acredito que primeiro temos que construir um cenário de unidade entre nós, porque às vezes estamos fechados em encaminhar um nome e de repente mudamos nossas forças. Acho que teremos aí, pelo menos nesses próximos seis meses, muitos diálogos para construirmos uma unidade.

Então, temos esperança?

Sim, na unidade temos que ter. Eu sou muito esperançosa nessa unidade, vamos cuidar, ensaiar e buscar essas forças porque em algum momento dá certo, né? E esse é o momento. E assim, eu quero e acho importante que seja um nome construído no diálogo e no consenso, a gente tem todas as condições de derrotar essa atual gestão – e digo isso não por sermos nós, mas por ser uma gestão extremamente mal avaliada pela população. Um exemplo que temos é no quadro de avaliação dos órgãos municipais, no que se remete as redes sociais, onde não há palavras de elogios, em sua grande maioria existem muitas reclamações.

Temos cenários alarmantes aqui, a exemplo daquele debate dos empréstimos, que foi um divisor para que as pessoas entendam que não estamos nos colocando contrários ao empréstimo, mas sim a falta de transparência e diálogo sobre o que será feito com esse recurso. Os servidores públicos desde janeiro buscando a garantia do piso da educação, então, temos todas as condições para que esse projeto atual seja revisto pela população e não tenha mais candidatura. Temos sim todas as condições de fazer o enfrentamento à atual gestão, porém precisamos de um nome que seja debatido e discutido de forma coletiva, ampla, em consenso e com muita unidade. 
 

Fonte: BdF Paraíba

Edição: Cida Alves