Peronismo apresenta ampla vantagem nas eleições provinciais; extrema direita não passa de 15%

Os últimos dados da variação mensal da inflação na Argentina revelam um aumento nos preços de 8,4% em abril em relação a março. O contexto é adverso em ano eleitoral para a coalizão governista, a peronista Frente de Todos (FdT). Sergio Massa, terceiro Ministro da Economia do governo de Alberto Fernández, tem buscado um improvável equilíbrio entre conter a degradação social e atender as exigências do Fundo Monetário Internacional com o país endividado.

No entanto, as eleições provinciais revelam outro cenário para o peronismo. O grupo político tem conquistado a reeleição em todas as províncias (o equivalente a estados, no Brasil) em que governa.

A performance do peronismo nas eleições provinciais

Os pleitos locais começaram em fevereiro, inaugurando o calendário eleitoral deste ano. As eleições escolhem os novos governadores de suas províncias, além de outros cargos como prefeitos, vereadores, deputados e senadores. Das 24 jurisdições, 21 renovam governadores, e, até agora, nove já tiveram eleições.

As mais recentes foram no último domingo (14), em três províncias que renovaram mandatos peronistas. Foram Salta, com a reeleição de Gustavo Sáenz, com 47% dos votos; Tierra del Fuego, com a reeleição de Gustavo Melella (52%); e La Pampa, com a reeleição de Sergio Ziliotto (47%).

Outras duas províncias, Tucumán e San Juan, teriam eleição também neste domingo, mas tiveram o pleito suspenso por uma medida cautelar emitida pela Suprema Corte de Justiça. Em ambas, o peronismo também era favorito.

No início de maio, Jujuy, La Rioja e Misiones foram às urnas. O peronismo se reelegeu em La Rioja: Ricardo Quintela recebeu 50,6% dos votos. Em Misiones, a força local Frente Renovadora da Concórdia, aliada da FdT, teve uma vitória avassaladora: Hugo Passalacqua foi eleito com 64% dos votos.

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Ao lado de partidos locais, as principais forças políticas da Argentina em nível nacional tiveram melhor desempenho também nas províncias: o peronismo e a direita macrista representada pela coalizão Juntos por el Cambio (JxC). Esta última venceu apenas em Jujuy, província que já governava: Carlos Sadir venceu com 49% dos votos, e o FdT ficou em segundo lugar, com 22%.

Em Neuquén e Río Negro, predominaram as forças locais. Em Río Negro, a coalizão de direita Juntos Somos Río Negro venceu com Alberto Weretilneck, que recebeu 41% dos votos – algo que o Juntos por el Cambio nacional, em um panorama desfavorável, incorporou como vitória própria. E, em Neuquén, venceu Rolando Figueroa (35%), dissidente do tradicional Movimiento Popular Neuquino (MPN), que governava a província há mais de 60 anos.

O cientista político e codiretor do Centro de Investigação para a Qualidade Democrática (Cicad) Facundo Cruz destaca que a eleição de Neuquén foi a que se diferenciou na tendência de reeleição entre os pleitos até agora.

“É o único caso de vitória sem tanto apoio, e em que a força governista perdeu; no caso, o MPN”, afirma Cruz. “Mas também não perde para uma força totalmente nova, se não, para uma força transversal, construída por alguém que saiu do MPN, o que constitui apenas uma meia derrota”, destaca o cientista político. A coalizão de Figueroa também teve a particularidade de unir uma parte do peronismo, do macrismo e forças municipais.

Tradicionalmente, a Argentina tem alta participação eleitoral, e um marco destas eleições provinciais tem sido, além das reeleições, a alta aprovação das forças governistas. “Com exceção de Neuquén, as gestões demonstraram ter boa imagem, e ganharam entre 40 e 50% dos votos”, ressalta Cruz.

Assim como na eleição presidencial, os governadores eleitos assumirão seus mandatos no dia 10 de dezembro.

Termômetro para a eleição presidencial

Ainda que não sejam necessariamente um reflexo do que acontecerá na eleição nacional, alguns fatores sobre os resultados das eleições provinciais são notáveis e servem como termômetro sobre a incidência das forças políticas nos territórios.

O primeiro deles é o bom desempenho da Frente de Todos, em contraste com a alta rejeição ao governo nacional, algo destacado pelo cientista político e consultor Augusto Reina.

“É uma eleição particular, porque as provinciais se adiantaram muito às nacionais”, pontua, explicando que, na Argentina, os governadores podem desacoplar as eleições locais das nacionais. “Se decidem desacoplar, normalmente é um indicador de que a eleição nacional não goza de boa saúde; desacoplam para desassociar sua eleição da nacional”, explica.

É o que acontece, neste caso, com o governo da FdT. “Todos os estudos de opinião pública mostram que o governo de Alberto Fernández tem o nível de aprovação mais baixo de seus últimos 4 anos, abaixo de 20%”, afirma Reina.

O segundo ponto é a vitória das forças governistas, contra a tendência nacional do eleitorado a adotar uma postura anti-política, fruto de um claro cansaço pela política tradicional – o que se traduz na ascenção do ultra-direitista Javier Milei, da coalizão La Libertad Avanza.

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Além da alta aprovação das gestões provinciais, girando em torno de 50%, que culminou majoritariamente em reeleições, a derrota dos segundos colocados também é ampla. “O que vemos é um fenômeno de fragmentação”, observa a socióloga e consultora política Daniela Barbieri. “A polarização entre as duas principais coalizões começa a debilitar-se nos territórios provinciais.”

Segundo Barbieri, diretora do Observatório Pulsar sobre opinião pública, da Universidade de Buenos Aires, a relação entre essa ampla vantagem dos favoritos observadas nas províncias não é proporcional ao panorama nacional.

“Parece que nos dirigimos a um contexto de mudança de governo e de fragmentação, onde há uma terceira força, representada pela coalizão La Libertad Avanza. Não necessariamente esse movimento de reeleições das forças governistas nas províncias vai se repetir na eleição nacional”, destaca Barbieri.

Além disso, outro fator específico das eleições provinciais é a conformação das alianças, como é o caso de Neuquén. “As construções políticas provinciais tendem a ser mais transversais do que as coalizões nacionais”, observa Facundo Cruz. “Há agrupamentos políticos que se aliaram nas províncias mas que, em nível nacional, disputam pelo poder político e não têm chance de acordo”, diz, citando também o caso de Río Negro, onde a aliança vencedora Juntos Somos Río Negro reúne desde o movimento kirchnerista La Cámpora a políticos da União Cívica Radical, adversários na eleição nacional.

O terceiro ponto, e relacionado ao anterior, são os maus resultados dos candidatos provinciais de Javier Milei, pré-candidato da extrema direita à presidência pela Libertad Avanza, um movimento de autodenominados libertários.

Milei tem instalado agenda com suas propostas e crescido nas pesquisas de opinião como candidato presidencial. Mas seu desempenho em apoio nas candidaturas provinciais aponta uma tendência contrária: apenas um de seus candidatos superou 10% dos votos, e os mais bem colocados ficaram em terceiro lugar.

Martín Menem, sobrinho do ex-presidente Carlos Menem, foi o candidato de Milei para o governo de La Rioja. Seu desempenho foi mais baixo que em candidaturas anteriores, com 15% dos votos. Já em Neuquén, o candidato de Milei, Carlos Eguía, também ficou em terceiro lugar, com apenas 7% dos votos.

“Milei enfrenta dificuldades para transferir sua popularidade aos seus candidatos provinciais”, observa Cruz. “Algo similar acontece com a esquerda, em que, salvo no caso de Jujuy, em que ficou em terceiro lugar com uma muito boa eleição, no resto dos distritos não superou 5%”, diz, referindo-se aos partidos à esquerda do peronismo argentino.

O mapa das eleições provinciais ocorridas até agora trouxe sinais para os grupos políticos que miram a eleição presidencial. A direita macrista caminha para uma estratégia de imagem de unidade entre os pré-candidatos principais para disputar a eleição primária no dia 13 de agosto, o moderado Horacio Larreta e a extremista Patricia Bullrich.

Javier Milei é o favorito como candidato único, mas em termos de espaço político, ainda é a terceira força. O peronismo se reorganiza após a renúncia das candidaturas do presidente Alberto Fernández e da vice-presidenta Cristina Kirchner, que reúne maior apoio no eleitorado.

As chapas devem ser apresentadas até o dia 25 de junho para as eleições presidenciais no país.

“Hoje, a Frente de Todos é um claro possível competidor para o segundo turno e não deixa de ser uma força governista que busca a reeleição, com tudo o que isso implica em termos de vantagem ou não”, pontua Daniela Barbieri. “O cenário é muito aberto, muito incerto e não necessariamente está dado.”

Edição: Nicolau Soares