O que o protagonismo feminino em épocas de crise pode nos dizer?

A pandemia da covid-19, que teve início em março de 2020, aprofundou e expôs a situação social e econômica do país. Sob o governo de Bolsonaro desde 2019, a população pobre se encontrava a cada dia mais descoberta pelo Estado, com o enfraquecimento de políticas públicas, aumento da fome e da população em situação de vulnerabilidade social.

Os dados desse período são chocantes de se ler, mas, caminhar pelos centros urbanos é algo ainda mais alarmante. Foi nesse cenário, então, que movimentos sociais, partidos, ONGs e demais organizações de esquerda começaram a organizar e fortalecer campanhas de solidariedade, cozinhas populares, entre outras atitudes ao redor do Brasil, e as mulheres mostraram uma força e autonomia já antes muito vista.

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Em Pernambuco foi criada a campanha Mãos Solidárias – que contribuiu na formação da rede Periferia Viva -, pelo MST, Levante Popular da Juventude, Movimento Brasil Popular, Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Universidade de Pernambuco (UPE), a Arquidiocese de Recife e Olinda, entre outros movimentos ao longo do caminho, além, claro, da sociedade civil por meio de voluntariado e doações.

A partir dessa campanha surgiu o curso de Agentes Populares de Saúde, com o intuito de levar informações e proteção a população de alguns bairros da periferia da RMR, os Bancos Populares de Alimentos, que recebiam sempre doação de frutas e verduras advindas dos das áreas do MST, e as Cozinhas Populares dentro dos territórios e também uma cozinha central, localizada no Armazém do Campo, no bairro de Santo Antônio, que atendia a população em situação de vulnerabilidade – que aumentava a cada dia nos bairros centrais da área.

Em meio a todas essas ações, o que chama a atenção é a quantidade de mulheres que tomam a frente dentro dos seus bairros e comunidades. E por quê isso? Historicamente, é notável que em momentos de crise, as mulheres são aquelas que sentem mais rapidamente e com maior intensidade as consequências dentro dos lares. Nos anos 1970, durante a Ditadura Militar, foi criado o Movimento do Custo de Vida, encabeçado por mulheres que viam todas as consequências da alta inflação no seu dia a dia a cada vez que faziam a feira e que preparavam uma refeição para suas famílias.

Campanha Mãos Solidárias na distribuição marmitas para os moradores das comunidades no Recife / Mãos Solidárias

São essas mulheres que são responsáveis pela economia doméstica, que calculam e dividem as refeições entre todos, e que sentia fortemente o custo do dito “milagre econômico” da época. Esse é um exemplo, entre tantos, que pode ser dado quando se procura na história por episódios que comprovem a força política que nasce a partir das experiências diárias das mulheres, dentro de um recorte de classe e de raça. É, portanto, desse mesmo raciocínio que se dá o protagonismo das mulheres nas campanhas de solidariedade durante o período de pandemia.

Mulheres como Rubenita em Camaragibe, Cris Martins e Vinha no Ibura, Luciene em Paulista, entre tantas outras cujos nomes poderiam preencher páginas e mais páginas, tomaram a frente dentro das suas comunidades e abriram o caminho para que fossem levadas adiante mais ações. Algumas dessas ações, como as de doações de alimentos, que são marcadas pelas centenas de caixas cheias de frutas e verduras, que precisam ser carregadas de um lado para o outro a fim de encherem as cestas que chegam até as comunidades, é visível a majoritária presença dessas mulheres, que cuidam de todas as etapas desse processo, e carregam as caixas e cestas, mostrando sua força, mas não apenas física. É também nas Cozinhas Populares Solidárias, que produzem diariamente centenas de refeições, que as mulheres se destacam. Ou seja, em todas as práticas que aliam cuidado a atuação política.

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O fortalecimento dentro dos territórios de ações que visam toda a estrutura familiar, tem um impacto muito diferente na vida das mulheres, sendo, inclusive, formas de atuação política baseada em suas vivências, que se expandem. Essas formas de atuação política podem ser um pontapé pra outros tipos de geração de autonomia feminina. É a partir desse cotidiano que as mulheres se fortalecem e fortalecem umas às outras, muitas vezes dentro de contextos de violência, dependência financeira e emocional e demais dificuldades, e também por serem relegadas, historicamente, aos cuidados com a casa e os familiares.

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Apesar de a OMS ter declarado o fim da pandemia de covid  depois de três anos, ainda vivemos sob fortes efeitos dos desmontes dos últimos seis anos e dos anos de emergência sanitária, ou seja, com o forte agravamento da fome. É sobretudo por isso que essas campanhas devem continuar de acordo com a nova conjuntura que se forma, e deve ser cobrado do atual governo Lula, eleito sob forte campanha e participação popular, que essas ações sejam fortalecidas e alargadas, dando subsídio para que as mulheres sejam cada vez mais protagonistas de suas trajetórias e rumo à erradicação da fome.

*Vittória Paz é Mestra em História pela UFPE e militante do Movimento Brasil Popular em Pernambuco.

Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Fonte: BdF Pernambuco

Edição: Vanessa Gonzaga