Silke Oldenburg, Graduate Institute – Institut de hautes études internationales et du développement (IHEID)
O Dia Mundial das Zonas Úmidas, celebrado anualmente em 2 de fevereiro, marca o aniversário da Convenção de Ramsar, um tratado global assinado em 1971 para proteger essas regiões.
Zonas úmidas são áreas onde a água satura o solo, seja de forma permanente ou sazonal, criando ecossistemas que abrigam uma diversidade de espécies. Essas zonas incluem manguezais, pântanos, charcos e turfeiras, que desempenham um papel fundamental na manutenção da biodiversidade, na regulação dos ciclos hídricos e no sustento das comunidades locais. Em áreas costeiras, as zonas úmidas funcionam como barreiras naturais contra o aumento do nível do mar, enchentes e eventos climáticos extremos.
Embora as discussões globais neste dia enfatizem frequentemente a conservação, as zonas úmidas não são apenas sobre a natureza. Esses espaços também são locais de conflito social e desigualdade urbana.
Zonas úmidas de Cartagena: uma questão histórica
Na cidade de Cartagena, na Colômbia, zonas úmidas são mais do que apenas ecossistemas frágeis — são espaços onde lutas sociais, econômicas e ambientais se entrelaçam.
Como cidade costeira, Cartagena sempre esteve globalmente conectada. Desde sua fundação em 1533, foi um dos portos mais centrais do Império Espanhol na América Latina, transportando pessoas escravizadas para dentro e tesouros para fora.
Ciénaga de la Virgen é a zona úmida mais importante de Cartagena. Com uma área de 502,45 km², composta predominantemente por ecossistemas de manguezais, a Ciénaga já foi um corpo d’água próspero.
Durante o período colonial, serviu como refúgio para pessoas escravizadas que fugiam da captura. Ao longo dos séculos, tornou-se uma área negligenciada, poluída por esgoto urbano.
Hoje, abriga pessoas deslocadas pelo conflito armado na Colômbia, por políticas urbanas neoliberais e, mais recentemente, por migrantes venezuelanos que fogem da crise econômica.
À medida que a terra se torna mais escassa, populações marginalizadas recorreram às zonas úmidas para assentamento, engajando-se em uma prática chamada ‘rellenar’ – cortando manguezais e construindo sobre a água. Esse processo degradou significativamente a zona úmida, levando à perda de biodiversidade e ao aumento das vulnerabilidades ambientais.
A Ciénaga continua sendo um refúgio vital para inúmeras espécies da fauna e flora e fornece recursos essenciais para as comunidades pesqueiras locais. No entanto, sua paisagem tem sido remodelada por assentamentos informais, migração e destruição de manguezais, revelando mais do que apenas degradação ambiental.
Lutas sociais e ecológicas
Cartagena é uma cidade de contrastes marcantes: um centro histórico pitoresco voltado para turistas contrasta fortemente com os arredores empobrecidos e segregados.
Hoje, a floresta de manguezais, drasticamente reduzida, está entre os recursos mais valiosos e disputados de Cartagena, desempenhando um papel crucial na luta contra o aumento do nível do mar, prevenindo a erosão e mitigando as mudanças climáticas urbanas.
Os efeitos das mudanças climáticas tornam as desigualdades ainda mais visíveis. Chuvas intensas e um sistema de esgoto disfuncional resultam em inundações que afetam tanto os assentamentos quanto o centro histórico.
Ao mesmo tempo, o aumento do nível do mar – 22 centímetros nos últimos 50 anos – ameaça o status de Patrimônio Mundial da UNESCO de Cartagena. Em resposta, o governo da cidade lançou uma política ambiental em 2014 que abordava especificamente a vulnerabilidade às mudanças climáticas por meio de um plano tecnocrático e baseado em engenharia chamado Plano 4C.
Mas a adaptação climática em Cartagena não pode ser reduzida apenas à infraestrutura. Zonas úmidas como a Ciénaga de la Virgen são parte integrante da rede de canais e lagoas da cidade, que deságuam na Baía de Cartagena. Essas zonas úmidas atuam como conectores hidrológicos e ecológicos dentro do tecido urbano, oferecendo serviços ecossistêmicos cruciais, como suporte à biodiversidade, regulação hídrica e proteção contra impactos climáticos. Elas também possuem um significado cultural e econômico para as comunidades que delas dependem.
Política das Zonas Úmidas: mais do que conservação
A política das zonas úmidas, como eu a defino, não se trata apenas de conservar paisagens alagadas – é sobre entender como diferentes atores sociais concebem, disputam e transformam esses espaços. Em Cartagena, as zonas úmidas são vistas simultaneamente como recursos naturais valiosos a serem protegidos e como espaços para o desenvolvimento urbano informal. Essa dualidade transforma as zonas úmidas em fronteiras onde exclusão social e degradação ecológica caminham lado a lado.
No entanto, a expansão urbana informal não é meramente um resultado da pobreza ou do desespero. Está profundamente ligada a políticas urbanas excludentes que falham em fornecer acesso equitativo à moradia. A agenda urbana neoliberal de Cartagena há muito ignora populações marginalizadas, deixando a Ciénaga como a última opção para assentamento.
Historicamente, zonas úmidas foram vistas como espaços indesejáveis ou “inutilizados”, tornando-se alvos fáceis para o desenvolvimento urbano informal. A história das pessoas escravizadas que se escondiam nos manguezais ecoa nas lutas atuais por terra e moradia.
Esse cenário ilustra o que Malcolm Ferdinand chama de “dupla fratura da modernidade” – a destruição simultânea dos ecossistemas e a exclusão social das populações marginalizadas.
Em Cartagena, essa dupla fratura é evidente: à medida que a cidade se expande, ela destrói os manguezais que servem como barreira crucial contra as mudanças climáticas, ao mesmo tempo em que empurra comunidades empobrecidas para áreas ecologicamente vulneráveis, expondo-as a riscos ambientais e negligência.
Neste Dia Mundial das Zonas Úmidas, é essencial reconhecer que as zonas úmidas não são apenas ecossistemas que precisam de proteção. Elas também são locais de luta por justiça e equidade. Projetos de conservação não devem focar apenas na biodiversidade, mas também considerar os contextos sociopolíticos que levaram à degradação dessas áreas. Uma restauração da Ciénaga de la Virgen, por exemplo, não pode se limitar a plantar manguezais e proteger espécies ameaçadas — é preciso abordar as desigualdades urbanas sistêmicas que contribuem para sua destruição.
O tema de 2025 para o Dia Mundial das Zonas Úmidas, “Protegendo as Zonas Úmidas para o Nosso Futuro Comum”, destaca a necessidade de ação coletiva. Os esforços globais incluem projetos de restauração, mutirões comunitários de limpeza e campanhas educativas, enfatizando que a conservação requer colaboração entre todos os setores da sociedade.
Este ano, ampliemos a conversa além da proteção dos ecossistemas. Como garantir que os esforços de restauração das zonas úmidas também abordem as dinâmicas sociais por trás da degradação ambiental? Como tornar a conservação mais inclusiva para vozes marginalizadas? Ao trabalharmos para restaurar zonas úmidas como a Ciénaga de la Virgen, devemos nos comprometer a integrar justiça social e desenvolvimento urbano equitativo.
Afinal, zonas úmidas não são apenas habitats para a biodiversidade — são espaços vivos para as pessoas também. Vamos usar este dia para reconhecer que a verdadeira conservação é inseparável da dignidade humana e da justiça social.
Silke Oldenburg, Senior Researcher in Anthropology, Graduate Institute – Institut de hautes études internationales et du développement (IHEID)
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