O Brasil registrou um novo e alarmante recorde: 511.466 javalis foram abatidos em apenas oito meses deste ano, até agosto. Os dados, provenientes do Sistema de Informação de Manejo de Fauna (Simaf) do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), revelam uma escalada no combate à espécie invasora. Desde 2020, o aumento nos abates declarados é de 465%, somando um total oficial de 1,710 milhão de javalis mortos.
O Professor Paulo Bezerra, coordenador da área de javalis da USP/ESALQ-LOG, questiona a precisão do registro, estimando o número real de abates como cinco vezes maior. Bezerra aponta que os controladores não reportam a totalidade dos abates no Simaf por falta de tempo ou paciência. A caçada se mantém como a forma mais eficaz de controle para esta espécie endêmica da Europa e da Ásia, que não possui predador natural no Brasil.
O javali representa um risco sanitário e econômico de proporções catastróficas. Sua reprodução acelerada e a ausência de predadores o transformaram em uma praga incontrolável, principalmente na região Centro-Sul do país.
O Custo da Invasão: Lavoura Devastada e Risco Sanitário
Em Mato Grosso do Sul, a crescente população de javalis intensifica a devastação. Os prejuízos atingem lavouras de milho, soja e cana-de-açúcar, além de áreas turísticas como Bonito. A Consultora Técnica Fernanda Lopes de Oliveira, da Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso do Sul (FAMASUL), afirma: os danos diretos ocorrem na alimentação e deslocamento dos animais. Fernanda sublinha o risco sanitário que o javali impõe, transmitindo doenças e comprometendo a bioseguridade de diversas cadeias produtivas.
A FAMASUL defende uma urgente integração entre produtores, iniciativa privada e poder público para um manejo populacional efetivo. A entidade exige, ainda, investimento em pesquisa para obter dados mais precisos sobre a ocorrência do animal. O oeste de Santa Catarina emerge como uma nova fronteira para a praga. A pesquisadora Virginia Santiago, da Embrapa Suínos e Aves, alerta para a invasão que veicula patógenos, contaminando o solo e a água, com riscos para a saúde humana e de outras espécies.
O Imbróglio Político e a Burocracia da Caça
O controle de javalis está previsto em uma norma técnica do Ibama desde 2013, exigindo autorização e registro como controlador. Apenas São Paulo e Minas Gerais possuem legislação estadual complementar. Rafael Salermo, engenheiro agrônomo e fundador da Associação Brasileira de Caçadores Aqui tem Javali, protesta contra a burocracia. Salermo exige que os órgãos de fiscalização apoiem a caça e cessem a perseguição aos caçadores, que atuam com o consentimento e a confiança dos produtores rurais.
Na Câmara dos Deputados, o Deputado Alceu Moreira (MDB-RS) protocolou uma proposta que visa descentralizar a competência do combate a espécies nocivas, transferindo-a para estados e municípios. O projeto também flexibiliza a comercialização de produtos para o controle. Moreira busca transformar o controle em uma atividade espontânea e de custo próprio para o caçador, mas de maneira regrada. A Frente Parlamentar de Agropecuária tenta aprovar um requerimento de urgência para votar a matéria no plenário ainda neste ano.
O javali não é apenas um problema agrícola; ele é o sintoma da falha do Estado em gerir um risco biológico e econômico. A resposta burocrática, que persegue o caçador-controlador em vez da praga, assemelha-se ao enigma de Sísifo, condenado a empurrar uma pedra que sempre retorna. O Governo deve abraçar a ciência e a ação cívica descentralizada. A solução progressista exige desburocratizar a caça de controle e investir massivamente em pesquisa agropecuária e bioseguridade para proteger o patrimônio natural e a produção alimentar do Brasil.
