Com 35 mil mortes, Brasil se afasta de esforços mundiais para controle da covid-19

Nesta última semana, a situação da covid-19 no Brasil provocou manifestações de duas das maiores organizações de saúde do mundo e gerou críticas até mesmo do presidente dos Estados Unidos Donald Trump, considerado um aliado por Jair Bolsonaro (sem partido). No domingo (31), os registros de casos no país ultrapassaram a marca do meio milhão. Na sexta-feira (5), os números superaram os 645 mil. As mortes confirmadas ultrapassaram 35 mil, de acordo com dados do Ministério da Saúde.

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Atualmente, o Brasil é o segundo país do mundo com mais registros de casos da covid-19, atrás apenas dos Estados Unidos. Os números de óbitos avançam em velocidade maior a cada semana e hoje, o país é o terceiro em mortes confirmadas em todo o mundo. As confirmações de casos fatais bateram sucessivos recordes nos últimos dias e chegaram a ficar acima de 1.400 registros na quinta-feira (4).

Organização Mundial da Saúde

Frente ao avanço cada vez mais rápido da pandemia no país, a Organização Mundial da Saúde (OMS) fez um alerta no início da semana: o pior nível de contágio no Brasil ainda está por vir. Segundo o diretor-executivo do organismo, Michael Ryan, o descontrole nas transmissões nos coloca entre os líderes em aumento de casos diários. Nesse cenário, é impossível prever quando a situação atingirá seu pior momento.

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De acordo com Ryan, a ausência de abordagem científica – somada à desigualdade e densidade urbana – causa esse descontrole. O diretor da OMS reafirmou a importância de medidas de confinamento e testagem em massa. Duas realidades das quais o Brasil está longe. 

“Houve respostas diferentes entre os países, e há bons exemplos de governos que adotaram abordagens científicas, enquanto em outros países vemos uma ausência ou uma fraqueza nisso”, avaliou o diretor-executivo da OMS.

Organização Pan-Americana da Saúde

No dia seguinte, o sinal vermelho veio da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas). Em uma sessão virtual realizada na terça-feira (2), o diretor de doenças infecciosas da entidade, Marcos Espinal, afirmou que o número de testes realizados no Brasil está muito abaixo do ideal e não alcança os patamares observados nem entre os vizinhos sul-americanos nem entre os países de outros continentes. 

“É muito difícil afirmar que isso vai retroceder nas próximas semanas. Elas serão cruciais para o Brasil. Vai depender de como se implemente o pacote de medidas no país”, sinalizou.

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Ele ressaltou ainda que o crescimento no número de cidades que registram a doença é extremamente preocupante. Entre os dias 11 e 25, o índice aumentou em 170% e 75% das cidades brasileiras já registram a presença do vírus. Segundo ele, as medidas de mitigação devem continuar sendo implementadas.

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No mesmo evento, a diretora da Opas Carissa Etienne fez um alerta sobre a possibilidade de uma segunda onda de contaminações frente à flexibilização do isolamento. “Meu conselho é que não abram rápido demais. Há o risco de uma reemergência da covid-19, que poderia apagar todas as vantagens que conseguimos nos últimos meses”.

Na contramão do mundo

A situação é considerada tão crítica que até mesmo Donald Trump foi duro ao se referir às políticas de enfrentamento adotadas no Brasil. Considerado um aliado por Jair Bolsonaro, o empresário estadunidense, que ocupa a presidência do país, enfatizou: “Se você olha para o Brasil, eles estão num momento bem difícil. (…) Se tivéssemos agido assim, teríamos perdido 1 milhão, 1,5 milhão, talvez 2,5 milhões ou até mais [de pessoas]”.

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Na afirmação, Trump se referiu também à Suécia, que, ao contrário dos vizinhos europeus, não adotou medidas rígidas de isolamento. Por lá, o governo deixou a cargo de cada cidadão decidir ou não pela adoção do distanciamento e manteve abertas escolas e empresas. Usado como exemplo por Jair Bolsonaro, o país registrou a maior taxa de mortalidade per capita do mundo entre os dias 26 de maio e 2 de junho.

A situação fez com o que o governo admitisse os erros. Na quarta-feira (3), o epidemiologista-chefe da Agência de Saúde Pública sueca, Anders Tegnell, afirmou: “Sim, acho que poderíamos ter feito mais do que fizemos na Suécia, claramente”.

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Enquanto isso, diversos estados e cidades do Brasil seguem anunciando relaxamento nas medidas de isolamento. O alerta para os prejuízos que essas medidas podem causar também vêm de dentro do próprio país. Uma pesquisa da Associação Paulista de Medicina (APM) mostra que  84,5% dos médicos entrevistados consideram que o pior momento ainda não chegou. Já 96,6% dos profissionais entrevistados disseram acreditar que vai faltar trabalhadores da área da saúde para cuidar dos doentes.

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Edição: Vivian Fernandes