A Casa Roberto Marinho inaugura, em 24 de abril de 2025, duas exposições dedicadas à obra de Elizabeth Jobim: A inconstância da forma e Entre olhares – Encontros com a Coleção Roberto Marinho. A ocupação dos dois andares do instituto cultural marca as quatro décadas de carreira da artista carioca, apresentando as diferentes fases de sua produção e traçando relações visuais entre suas obras.
“No térreo, Elizabeth Jobim estabelece um diálogo único com o nosso acervo. Assim, seguimos com a tradição das exposições individuais contemporâneas do Cosme Velho, que promovem não apenas a exibição de trabalhos, mas novas leituras e interações entre passado e presente”, observa o diretor da Casa, Lauro Cavalcanti.
No andar superior, a curadoria de Paulo Venancio Filho opta por uma mostra panorâmica com mais de 50 desenhos e pinturas, revelando como, ao longo dos anos, a pesquisa artística de Jobim evoluiu de forma pendular, em constante relação com sua própria trajetória.
“As exposições pontuam os principais momentos do meu percurso. Com o Paulo, decidimos incluir trabalhos do início da minha carreira que há tempos não eram expostos. Já na seleção para o térreo, em que faço a curadoria a partir do acervo da Casa Roberto Marinho, entram artistas cujas obras dialogam diretamente com a minha produção”, explica a artista.
Reconhecida como um dos principais nomes da arte contemporânea brasileira, Elizabeth Jobim integrou a icônica exposição Como vai você, Geração 80?, realizada no Parque Lage em 1984. Agora, ao ocupar os espaços da Casa Roberto Marinho, revisita sua obra marcada pela interseção entre pintura, escultura e instalação.
A INCONSTÂNCIA DA FORMA | Curadoria: Paulo Venancio Filho
No primeiro andar, A inconstância da forma apresenta uma seleção de desenhos, pinturas, objetos e ocupações espaciais que traçam um panorama da trajetória de Elizabeth Jobim. “A ideia foi romper com uma narrativa de cronologia linear. A trajetória proposta provoca ‘saltos’ temporais e artísticos, desafiando o espectador a se reposicionar constantemente diante da continuidade alternante da obra”, revela o curador Paulo Venancio.
Essa abordagem cria uma dinâmica pendular que reflete a poética da artista, na qual linguagens e suportes se entrelaçam ao longo do tempo. Para Lauro Cavalcanti, o título da mostra “sublinha a capacidade que a produção de Jobim possui de manter em movimento uma linguagem pessoal cuja estabilidade consiste em acolher e retransformar tendências aparentemente antagônicas da arte contemporânea”.
No início da carreira, Elizabeth Jobim explorava a pintura de forma gestual, buscando uma interpretação sensorial do mundo e dos objetos. “Existe um caminho que começa no trabalho mais gestual e vai em direção ao desenho de observação, a partir de esculturas. Acho que foi nesse período, da passagem do espaço para o plano, que eu tive um amadurecimento nos anos 1980”, pontua a artista.
No fim da década de 1990, seu processo de observação direta se intensifica. Inicialmente, passa a desenhar e pintar tubos de tinta e, em seguida, a explorar as formas e ângulos irregulares das pedras encontradas em seu sítio, na região serrana do Rio. Esse elemento torna-se central na sua pesquisa, aparecendo de diferentes formas em sua obra – seja em desenhos, blocos, monólitos ou esculturas.
A instalação Sem título (2001), exibida ao fundo da sala que abre A inconstância da forma, exemplifica essa investigação. Formado por 42 folhas de papel coladas verticalmente, o mural apresenta desenhos inspirados nas pedras que atravessam a obra de Jobim. Sobre o fundo branco, a tinta acrílica azul ultramar – cor recorrente em sua produção – escorre pela superfície, reforçando a sua materialidade.
No mesmo espaço, as telas costuradas da década de 2020 introduzem um novo momento da pesquisa da artista. O linho aparece em diferentes tratamentos – cru, branco, pintado ou em tecidos industriais para estofados – enquanto as linhas de costura, que estruturam a grade geométrica, permanecem visíveis. “A tela se organiza à maneira de um patchwork absolutamente bidimensional, uma construção de tecidos organizados e costurados fora do chassi, e como um transplante de bidimensional tornado pintura”, resume Venancio no texto da exposição que apresentou a série Linha Florescente, em 2023.
Nas duas salas seguintes, a estreita ligação de Jobim com a história da arte se evidencia em desenhos e pinturas que conversam com a escultura Rapto das Sabinas (1583), de Giambologna, e com o grupo escultórico do Laocoonte (1506). “Todos esses trabalhos são da década de 1980 e trazem, cada um a seu modo, algo que me parece estar presente no olhar da artista, com diferentes graus de sutileza: um interesse pela fisicalidade e pelo movimento do corpo humano, com seus contornos anticlássicos cheios de veias, rugas e torções”, observa o curador.
Seguindo o percurso da visita, aparecem pinturas mais recentes, em que predominam tons avermelhados que vibram sobre telas de grande formato. Em outra sala, estão reunidos murais do início dos anos 2000, em que a cor azul ultramar é aplicada com rolo sobre o branco. Para Lauro Cavalcanti, essa economia cromática “mais que delimitar figuras, possibilita o espaço vazio”. É nesse período que Jobim expande e intensifica a relação entre pintura e espaço, criando grandes instalações pictóricas com partes moduladas.
Entre elas, Endless Lines se destaca. Criado originalmente para a Lehman Gallery, em Nova York, em 2008, o mural de 32 metros de comprimento por 2 metros de altura é composto por telas pintadas dispostas lado a lado. A sua monumentalidade transforma o espaço expositivo em parte essencial da obra, explorando a relação entre pintura e arquitetura por meio de linhas dinâmicas e formas modulares.
Seguindo o movimento pendular da mostra, as pinturas costuradas reaparecem com mais 11 peças, incluindo exemplares das séries Enlace, Frestas e Linho Florescente. Na última sala, pequenos desenhos revelam o processo criativo da artista. Diferente da lógica arquitetônica, em que um projeto é definido antes da execução, os esboços funcionam como registros de observação e experimentação. Muitos deles são estudos preparatórios para suas grandes instalações, mas mantêm um caráter pictórico próprio, evidenciando a relação sensível entre planejamento e improvisação em sua prática.
Esse espaço reúne trabalhos de todas as décadas, sintetizando a diversidade que atravessa a exposição: guaches dos anos 1980, naturezas-mortas dos anos 1990 e as pinturas costuradas da década de 2020.
O percurso, longe de uma progressão linear, reafirma a ideia de uma obra em fluxo, na qual diferentes investigações visuais se interconectam e se renovam continuamente. A exposição será acompanhada por um catálogo, que reunirá textos críticos e imagens das obras, oferecendo uma análise aprofundada sobre a trajetória da artista carioca e as relações visuais que permeiam sua produção.
ENTRE OLHARES – ENCONTROS COM A COLEÇÃO ROBERTO MARINHO | Curadoria: Elizabeth Jobim
Na exposição Entre olhares, no térreo, Elizabeth Jobim aprofunda a sua experiência como curadora na Casa Roberto Marinho. “Para a exposição A escolha do artista, organizada pela instituição em 2021, ela fez uma cuidadosa curadoria selecionando as Ripas da Ione Saldanha para dialogar com as suas próprias obras, conferindo-lhes individualidade onde antes apreciava-se sobretudo o conjunto”, relembra Cavalcanti. Ele destaca ainda a estreita relação da artista com o instituto cultural, que exibe permanentemente a sua obra Concretos (2018), na fachada da Reserva Técnica.
Neste segundo exercício curatorial, Elizabeth amplia o diálogo, recorrendo não só a obras do acervo, mas à sua coleção particular e à própria produção artística. As obras selecionadas refletem um olhar pessoal sobre suas influências e as conexões que atravessam sua trajetória. “Nesse processo, eu considerei tanto a escala das peças quanto as afinidades com meu trabalho”, sintetiza a artista.
A curadoria se constrói a partir da expressividade gestual e da relação com o corpo – elementos centrais em sua obra. “Esse recorte é também uma forma de se refletir hoje sobre os anos 1980, contexto esse da produção abstrata gestual, no qual iniciei minha pesquisa e trajetória nas artes”, explica.
Nesse período, Iberê Camargo teve grande influência em seu trabalho, especialmente por suas séries Fantasmagorias e Ciclistas, que dialogavam intensamente com a cena contemporânea da época. Já Jorge Guinle se destacou como uma referência essencial, tanto por sua produção pictórica quanto por seus textos sobre arte, que impactaram significativamente a sua formação. A escultura Eixo exógeno (1996), de Tunga, marcada por um movimento de torção, exemplifica essa conexão entre corpo e espaço. Outras artistas como Ana Linnemann, Iole de Freitas, Gabriela Machado, Tarsila do Amaral e Maria Helena Vieira da Silva, além de Angelo Venosa e Antonio Bandeira, também aparecem em sua seleção, reforçando a diversidade do diálogo.
Ao trazer obras de sua coleção particular, a artista evidencia como essas peças se relacionam com seu olhar sobre o mundo e sua própria criação.”Comecei a colecionar trocando obras com colegas, uma prática comum entre artistas e, com o tempo, também adquiri algumas peças. Sempre escolho trabalhos que, de alguma forma, dialogam com a minha obra – mesmo quando essa relação não é óbvia à primeira vista, ela acaba se revelando”.
Ao longo da mostra, essa dinâmica se desdobra, culminando em uma seleção que enfatiza a presença física na construção da imagem e na ocupação do espaço expositivo. Esse aspecto fica evidente em obras como o mural Sem título (2024), de quatro metros de comprimento, instalado na segunda sala ao lado de Garrafas (1957), de Iberê Camargo. A interação entre pintura e arquitetura se repete com a presença das pedras, expostas na mostra Variações (Paço Imperial, 2019), e das telas com volume, da década de 2010. Estes blocos coloridos, que são ao mesmo tempo pintura, escultura e instalação, interagem com o espaço e convocam o corpo do espectador a percorrê-lo.
Na terceira sala, a exposição ganha uma dimensão imersiva com uma instalação site-specific criada especialmente para a mostra, que remete às séries Enlace e Linha Florescente. Utilizando tecidos sobre as paredes, Jobim constroi um ambiente em que telas de sua coleção particular e da Coleção Roberto Marinho ampliam as possibilidades de interlocução entre obra e arquitetura.
Esse percurso é concebido como uma biografia visual e afetiva, revelando as conexões da artista com os seus contemporâneos e os caminhos que moldaram a sua obra.
SOBRE ELIZABETH JOBIM
Elizabeth Jobim nasceu em 1957, no Rio de Janeiro. Formou-se em Comunicação Visual na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), em 1981, e obteve seu mestrado em Artes Plásticas (MFA) na Escola de Artes Visuais de Nova Iorque. Lecionou Desenho e Pintura na Escola de Artes Visuais do Parque Lage (Rio de Janeiro), em 1994 e em 2010.
Entre as suas exposições coletivas, destacam-se: Salão Nacional de Artes Plásticas, no MAM Rio (Rio de Janeiro, 1982/1983); Como Vai Você, Geração 80?, no Parque Lage (Rio de Janeiro, 1984); Rio Hoje, no MAM Rio (Rio de Janeiro, 1989); Panorama da Arte Atual Brasileira, no MAM (São Paulo, 1990); Arte Contemporânea Brasileira, na Galeria Nacional de Belas Artes (Pequim, China, 2001); Caminhos do Contemporâneo – 1952/2002, no Paço Imperial (Rio de Janeiro, 2002) e 5ª Bienal do Mercosul (Porto Alegre, 2005); Art in Brasil 1950-2011 – Europalia 2011, no Palais des Beaux-Arts, (Bruxelas, 2011); (de)(re)construct, no Bronx Museum of the Arts (Nova Iorque, 2015); Mulheres na Coleção, no MAR (Rio de Janeiro, 2018); No papel, na Mul.ti.plo Espaço Arte (Rio de Janeiro, 2019); Drawing Out Summer: A revolving selection of gallery artists, na Henrique Faria Fine Art (New York, 2020). A escolha do artista na Coleção Roberto Marinho, no Instituto Casa Roberto Marinho (Rio de Janeiro, 2021); Abstração: a realidade mediada, na Millan (São Paulo, 2022).
Entre as exposições individuais destacam-se: Pinturas e Desenhos, na Galeria Raquel Arnaud (São Paulo, 1997); Aberturas, no Paço Imperial (Rio de Janeiro, 2006); Endless Lines, na Lehman College Art Gallery (Nova Iorque, 2008); Em Azul, na Estação Pinacoteca, (São Paulo, 2010); Blocos, no MAM Rio (Rio de Janeiro, 2013); In This Place, Henrique Faria Fine Art (Nova Iorque, 2017); Ensaios, Galeria Raquel Arnaud (São Paulo, 2018); Jazida, Museu do Açude (Rio de Janeiro, 2018), Variações, no Paço Imperial (Rio de Janeiro, 2019); Frestas, Lurixs (Rio de Janeiro, 2019); Entre Tempos, Galeria Simões de Assis (Curitiba, 2021); A linha florescente, na Galeria Raquel Arnaud (São Paulo, 2023); Elizabeth Jobim – O Tempo das Pedras, no Museu Oscar Niemeyer (Curitiba, 2024).
SOBRE A CASA ROBERTO MARINHO
A Casa Roberto Marinho foi aberta ao público como instituto cultural sem fins lucrativos em 28 de abril de 2018, no Cosme Velho, Zona Sul do Rio de Janeiro. A instituição foi integralmente criada com recursos próprios da família, de forma independente, sem qualquer incentivo ou uso de lei de isenção fiscal. Concebida para promover o conhecimento através da arte e da educação, tornou-se um centro ativo de referência em arte brasileira, sob a direção do arquiteto, antropólogo e curador Lauro Cavalcanti.
O acervo reunido ao longo de seis décadas pelo jornalista Roberto Marinho (1904-2003) é especializado em modernismo brasileiro dos anos 1930 e 1940, e abstração informal da década de 1950. O belo conjunto de cerca de 1.400 peças cadastradas – entre pinturas, esculturas, gravuras, objetos e desenhos – também recebeu trabalhos de estrangeiros, como Marc Chagall (1887-1985) e Salvador Dali (1904-1989).
Com mais de 1.200m² de área expositiva, o projeto conta com sala de cinema, além de cafeteria e livraria especializada em publicações de arte. O jardim, originalmente projetado por Burle Marx com espécies da flora tropical, é um prolongamento da Floresta da Tijuca.
SERVIÇO:
A inconstância da forma (1º andar) | curadoria: Paulo Venancio Filho
Abertura: 24 de abril de 2025, às 18h30
Encerramento: 10 de agosto de 2025
Entre olhares – Encontros com a Coleção Roberto Marinho (térreo) | curadoria: Elizabeth Jobim
Abertura: 24 de abril de 2025, às 18h30
Encerramento: 22 de junho de 2025
Instituto Casa Roberto Marinho
Rua Cosme Velho, nº 1105 – Rio de Janeiro | RJ
Tel: (21) 3298-9449
Visitação: terça a domingo, das 12h às 18h
(Aos sábados, domingos e feriados, a Casa Roberto Marinho abre a área verde e a cafeteria a partir das 9h.)
Ingressos à venda exclusivamente na bilheteria:
R$ 10 (inteira) / R$ 5 (meia entrada)
Às quartas-feiras, a entrada é franca para todos os públicos.
Aos domingos, “ingresso família” a R$10 para grupos de quatro pessoas.
A Casa Roberto Marinho respeita todas as gratuidades previstas por lei e é acessível a pessoas com deficiência física.
Estacionamento gratuito para visitantes, em frente ao local, com capacidade para 30 carros.