Mesmo preso, suposto mandante das mortes de Bruno e Dom mantém negócios ilegais no Javari

A prisão do suspeito de mandar matar o indigenista Bruno Pereira e o jornalista Dom Phillips não o impediu de manter negócios ilegais no Vale do Javari. Ruben Dario da Silva Villar, conhecido como Colômbia, é dono de uma embarcação que compra peixe ilegal extraído da Terra Indígena. No início de setembro, o Brasil de Fato percorreu o rio Javari, cruzou a fronteira com o Peru e flagrou o estabelecimento em funcionamento.

A balsa de Colômbia fica ancorada em território peruano, às margens do Javari, entre a cidade brasileira de Benjamin Constant (AM) e o povoado de Islândia, no Peru. Indígenas e não indígenas que vivem na região são categóricos ao relatar que a atividade acontece às claras. O estabelecimento compra os produtos dos pescadores que invadem a Terra Indígena (TI) e os revende na Colômbia e no Peru. 

As imagens foram feitas em setembro deste ano, dois meses após Colômbia ter sido preso. Na ausência do pai, quem conduz os negócios é o filho do acusado, que continua ameaçando os defensores da TI. Um indígena que não quis ser identificado relatou ter ouvido uma ameaça do novo administrador do flutuante: “Meu pai está preso, mas eu não”. 

Especial Javari: Contêiner armazena peixe ilegal em frente à base do Exército na fronteira com Peru 

A Polícia Federal (PF), que chefia a Força Tarefa que investiga caso, não confirmou publicamente até hoje a participação de Colômbia nos assassinatos do indigenista e do jornalista. O envolvimento dele no duplo homicídio, porém, é dado como certo por indígenas que trabalhavam na fiscalização ao lado de Bruno Pereira. 

A reportagem não conseguiu localizar a defesa de Colômbia. Às autoridades, ele negou ter cometido qualquer ilegalidade, mas já admitiu manter negócio lícitos com os autores diretos das mortes de Bruno e Dom. Caso o advogado de Colômbia se manifeste, o posicionamento será incluído nesta reportagem. 


Comércio de Colômbia no rio Javari, em território peruano / Murilo Pajolla

Pirarucu barato é sucesso nos restaurantes 

Villar não é único “patrão” da pesca ilegal na divisa com a Colômbia e o Peru. Ao entrar em território peruano pelo rio Javari, a reportagem encontrou uma balsa que anunciava a compra de pescado, no atacado e no varejo. No cartaz, a imagem é de um pirarucu, um dos peixes com maior valor comercial.

No Peru, o pirarucu é pescado e comercializado aparentemente sem restrições. No Brasil a pesca é proibida, a não ser que venha de áreas regulamentadas, com plano de manejo. A União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja) diz que o peixe pescado na Terra Indígena é contrabandeado para centros consumidores na Colômbia e no Peru. 


“Compro peixe no atacado e no varejo”; no cartaz, o desenho de um pirarucu / Murilo Pajolla

Do lado brasileiro da tríplice fronteira, embarcações de linha que fazem o trajeto entre Tabatinga (AM) e Benjamin Constant (AM) são revistadas diariamente pela Marinha. A reportagem do Brasil de Fato teve que abrir a mochila e mostrar todos os pertences pessoais aos militares. A alguns quilômetros dali, porém, o comércio de peixe ilegal ocorre livremente. 

A poucos quilômetros da balsa do Colômbia está a pequena cidade de Islândia, em território peruano. O município fica à beira do Javari e oferece uma paisagem inusitada: foi construído em cima de plataformas de concreto, que mantêm as casas secas quando o rio está cheio.

Em Islândia, o paiche, como é chamado o pirarucu, é a estrela nos cardápios. Em um dos principais restaurantes da cidade, uma porção de pirarucu frito custa 25 reais. 

Descontrole na fronteira favorece o narcotráfico 

Na região, a ligação entre a pesca ilegal e o tráfico internacional de drogas não é nenhum segredo. A Univaja afirma que pescadores ilegais foram aliciados pelos traficantes. Eles ajudariam a transportar e armazenar cocaína em comunidades pobres que sobrevivem da pesca. Em uma das linhas de investigação, a PF apura se Colômbia usa comércio ilegal de peixes para lavar o dinheiro do narcotráfico.

“Hoje o narcotráfico aqui no Vale do Javari não deixa os povos indígenas sossegados. Eles têm essa experiência de mandar as drogas, a cocaína, dentro dos barcos dos pescadores e dos madeireiros”, relata Tamakuri Kanamari, presidente da Associação dos Kanamari do Vale do Javari (Akavaja) e integrante da Univaja. 

No rio Javari, Tamakuri aponta o local onde ficava uma base militar do Peru. O que restou da instalação fica no lado peruano do rio, perto da cidade brasileira de Atalaia do Norte (AM).


O que sobrou da base militar peruana incendiada por narcotraficantes / Imagem cedida

O líder indígena conta que a base foi metralhada e incendiada por narcotraficantes. Na parte de cima do barranco do rio, só sobraram os escombros, já encobertos pela vegetação, e uma torre que era usada para telecomunicações. 

“Eles paravam, revistavam as canoas, o que os passageiros levavam dentro, perguntavam se tinham alguma coisa proibida, como carne e tracajá. Essa base confrontava o narcotráfico”, continua Tamakuri. 

O antigo posto de controle fica no encontro do Javari com o rio Itacoaí. É o local onde Bruno e Dom deveriam ter passado no dia 5 de junho deste ano, quando desapareceram. 

Pirarucu é armazenado em vila militar 

Em outro ponto da fronteira, fotos mostram um contêiner refrigerado usado para armazenar o pirarucu. A instalação fica na vila militar de Palmeiras do Javari. A informação foi publicada com exclusividade pelo Brasil de Fato na semana passada.  

A estrutura está a cerca de 100 metros do 1º Pelotão Especial de Fronteira do Exército e a 50 metros de uma guarita militar. De lá, o peixe é levado em barcos até o aeroporto de Angamos, no Peru. O produto é embarcado inteiro, sem embalagem, para abastecer os restaurantes peruanos e colombianos. 

Outro lado 

Sobre o descontrole na tríplice fronteira, a reportagem pediu o posicionamento do Ministério da Defesa, pasta que comanda as Forças Armadas. Se houver resposta, a reportagem será atualizada. 

Edição: Thalita Pires