“Nem Stalin, nem Hitler conseguiram me matar”: a biografia da mulher que sobreviveu ao Holodomor e ao nazismo

O século XX foi, sem dúvidas, a Era dos Extremos para a história contemporânea. Um século de violências e processos de destruição em massa nunca antes presenciados pela humanidade

O século XX foi, sem dúvidas, a Era dos Extremos para a história contemporânea. Um século de violências e processos de destruição em massa nunca antes presenciados pela humanidade. De um contexto brutal, ainda emergem histórias de luta, resiliência, perdas, encontros e afirmação inequívoca da vida em face da barbárie. A ucraniana-brasileira Vera Kloczak, hoje com 98 anos, foi testemunha ocular das agruras impostas ao povo ucraniano pelo Holodomor na década de 30, e dos horrores vividos nos campos de trabalho nazistas durante a Segunda Guerra Mundial. A bravura da vida de Dona Vera é narrada com sensibilidade e riqueza documental em “A Fortaleza de Wira”, nova publicação do historiador e autor Anderson Prado, em parceria com o coautor Henrique Schlumberger Vitchmichen.

O livro será lançado em outubro para todo o Brasil – país que concentra a maior comunidade ucraniana fora da Ucrânia. O evento de lançamento acontecerá em Curitiba (PR), no dia 14/10 às 19h, na Livraria Da Vila (Shopping Pátio Batel). Autor e coautor estarão presentes para sessão de autógrafos e bate-papo com o público. A obra resulta de uma pesquisa iniciada em 2015 pelo Prof. Anderson Prado, na elaboração de sua tese de doutorado sobre o Holodomor – quando teve o primeiro contato com Dona Vera, ainda com seus 91 anos. “Foram vários encontros na cidade de Londrina, em cada entrevista um fato extraordinário. A relação entre mim e dona Vera foi tomando contornos de confiança onde, aos poucos, ela foi desvendando toda sua incrível trajetória. Foi assim que nasceu a idéia de publicar uma segunda obra, agora tendo como tema não o genocídio em si, mas a biografia de Dona Vera, a única sobrevivente no Brasil, comenta Dr. Prado.

Vera: a infância e a fome

Com apenas 8 anos de idade, Dona Vera começou a testemunhar eventos que chocaram tanto pelo grau de violência empregado, quanto pelas dimensões histórico-mundiais assumidas. Entre 1931 e 1933, a Ucrânia (já integrante da União Soviética) era assolada pelas políticas econômicas stalinistas que deram base ao Holodomor – também conhecido como “a Grande Fome”, ou “a Fome-Terror”. As coletivizações planificadas pelo governo Stalin permitiam o confisco compulsório de grande parte da produção agrícola, causando a morte de 6 milhões de camponeses em um dos maiores genocídios do século XX. Enquanto criança, na pequena aldeia de Pyryatin, Vera Kloczak presenciou a morte de familiares, vizinhos e membros de sua comunidade por fome e inanição. O absurdo número de 12 mil pessoas mortas por dia, durante o inverno de 1933 nos campos ucranianos, atesta a gravidade da catástrofe humana desencadeada pelas políticas stalinistas.

Tais acontecimentos foram sofridos por sujeitos que tiveram suas vidas e seus laços afetivos para sempre alterados pela fome, pela violência e pela humilhação. “Dona Vera é uma história ímpar para compreendermos o impacto desses eventos na vida das pessoas. Suas próprias identidades e visões de mundo são colocadas em cheque e profundamente descaracterizadas, ao que muitas vezes não se recupera mesmo posteriormente, distorcendo não somente a realidade e o tempo de Dona Vera, mas das gerações que se seguiram” sinaliza Dr. Prado, sobre sobre o peso histórico dos relatos da única sobrevivente do Holodomor de que se tem registro, hoje, na América Latina.

Reavivar tais histórias é também oportunidade para melhor interpretar nosso próprio tempo – nas palavras do historiador francês Marc Bloch, “a incompreensão do presente nasce fatalmente da ignorância do passado”. Olhando para a anexação da Ucrânia à URSS em 1922 e sua trajetória como território anexado, é possível estabelecer paralelos com as problemáticas nacionais que ainda acometem a Ucrânia contemporânea. “Particularmente, eu penso problemática a comparação direta entre o Holodomor e a Guerra atual, já que são processos específicos e frutos de contextos particulares; mas, sem dúvida, os imbróglios russo-ucranianos que já podiam ser sentidos naquela época ainda estão presentes no país nos dias de hoje, compreendendo no entanto suas diferenças contextuais”, pondera o autor.

Segunda Guerra Mundial e o sofrimento ucraniano
 

Aos 18 anos, Dona Vera foi levada como prisioneira de guerra pelas tropas alemãs que invadiram o Leste Europeu. Foi encaminhada como “escrava branca” (por não ser judia) para a Alemanha e, depois, para a França, onde foi obrigada a permanecer nos campos de trabalhos forçados e cavar trincheiras antitanques. Ao fim da guerra, Vera Kloczak ainda se abrigou em um campo de refugiados na Alemanha, temendo as represálias stalinistas endereçadas aos “traidores” que permaneceram na nação germânica durante o conflito. “Vera teve sua própria identidade em formação abalada, vivendo sob a fome intensa e conhecendo a desolação dos campos ucranianos na infância, foi desgarrada de sua família como prisioneira de guerra pelas forças nazistas alguns anos depois. Durante anos teve que sobreviver nas mais remotas condições em uma terra estranha e em meio aos seus captores que a viam mais como um objeto descartável do que como um ser humano em sua plenitude”, constata Dr. Prado, que colheu depoimentos da sobrevivente ao longo de 7 anos de pesquisa.

Foi em 1947 que Dona Vera (nome brasileiro que adotou em processo de aculturação) conseguiu imigrar para o Brasil, casada com um jovem ucraniano que a ajudou a sair do campo nazista de Estrasburgo. A bordo de um navio, desembarcou em uma colônia de imigrantes do Leste Europeu em Cambé (PR), posteriormente estabelecendo-se em Apucaranas (PR) – onde vive até hoje, viúva, aos 98 anos, na companhia de filhos, netos e bisnetos. Em “A Fortaleza de Wira”, a resistência desta ucraniana-brasileira é registrada com minúcia e humanidade, em uma leitura indicada tanto à comunidade acadêmica especializada quanto ao público geral“Acreditamos que a comunidade ucraniano-brasileira terá muito o que pensar e absorver da obra, pois a trajetória de Vera está intimamente ligadas aos principais acontecimentos que acometeram a Ucrânia do século XX, e a própria trajetória dessa comunidade em terras brasileiras, sendo um elo que une muitas histórias e pessoas”, sugere o coautor Henrique S. Vitchmichen.

Lançamento do livro “A Fortaleza de Wira”, de Anderson Prado e Henrique S. Vitchmichen

Data: 14 de outubro de 2022

Horário: 19h

Local: Livraria Da Vila (Shopping Pátio Batel) – Av. do Batel, 1868 – Loja 314 – Batel, Curitiba – PR

Evento gratuito e aberto ao público

Mais informações sobre o livro “A Fortaleza de Wira”

Ficha técnica

Livro: A Fortaleza de Wira

Autor: Anderson Prado e Henrique S. Vitchmichen

Número de páginas: 214

ISBN: 9786555170559

Formato: brochura

Dimensões: 1.1 × 16 × 23 cm

Preço: R$79,00

Editora: Intersaberes

Sobre os Autores

O autor Anderson Prado é pós-doutor pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e especialista em estudos sobre conflitos do Leste Europeu. Autor de diversas obras, entre elas, “Diversidade étnica e cultural no ParanᔓFoucault: histórias de poder” e “Holodomor (1932-1933): repercussões no jornal ucraniano-brasileiro Prácia”.

O coautor Henrique Schlumberger Vitchmichen é mestre em História pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) e especialista em História, Imprensa e Imigrações Eslavas para o Brasil. Tem vários artigos publicados sobre os temas; atualmente, dedica seus estudos à relação dos conflitos no Leste Europeu e aos processos de refúgio durante a Segunda Guerra Mundial