Quem tem medo de poesia? Gregório Duvivier não faz parte deste grupo e, como um apaixonado, faz de tudo para persuadir os outros das qualidades do seu objeto de encanto – até mesmo criar um espetáculo sobre o assunto. No monólogo “O Céu da Língua”, uma comédia poética, o artista usa o seu discurso sedutor para convencer o público de que tropeçamos diariamente na poesia e o assunto é prazeroso e divertido. O Teatro Riachuelo Rio recebe o espetáculo, em uma curta temporada, de 20 a 23 de março.
“Uma ode à língua portuguesa e ao poder da palavra”, disse a crítica Suzana Verde, no jornal O Observador. “É comédia da boa, apesar de por vezes ser difícil rir, estando tão assoberbados com tudo o que acontece em palco”.
No aniversário de 500 anos de Luis de Camões, foi a peça de um brasileiro que roubou a cena em Portugal. Gregorio Duvivier, que não estreava uma peça nova há cinco anos, fez essa peça para homenagear sua língua-mãe. Encontrou, ao fazer a peça, uma legião de pessoas que compartilham dessa paixão. “Gregorio Duvivier é um artista completo, no sentido mais renascentista do termo”, disse Miguel Esteves Cardoso, o maior cronista de Portugal, no jornal O Público.
“A poesia é uma fonte de humor involuntário, motivo de chacota”, reconhece o ator, que cursou a faculdade de Letras na PUC do Rio de Janeiro e publicou três livros sobre o gênero literário. “Escrevi uma peça que pode ajudar alguém a enxergar melhor o que os poetas querem dizer e, para isso, a gente precisa trocar os óculos de leitura”.
A direção é da atriz Luciana Paes, parceira de Gregório no espetáculo de improvisação Portátil – e nos vídeos do canal Porta dos Fundos. Se no seu solo anterior, Sísifo (2019), escrito junto com Vinicius Calderoni, Gregório subia uma grande rampa dezenas de vezes, agora, o que se tem é uma encenação desprovida de qualquer cenário.
No palco, totalmente limpo, o instrumentista Pedro Aune cria ambientação musical com o seu contrabaixo, e a designer Theodora Duvivier, irmã do comediante, manipula as projeções exibidas ao fundo da cena. O resto é só o comediante e sua devoção pelas palavras. “Acredito que o Gregório tem ideias para jogar no mundo e, com essa crença, a coisa me move independentemente de qualquer rótulo”, diz Luciana, uma das fundadoras da celebrada Cia. Hiato, que estreia na função de diretora teatral.
“O Céu da Língua” não é um recital. Por outro lado, garante Luciana, a dramaturgia de Gregório não deixa de ser poética. “O stand-up comedy aqui é uma pegadinha pra falar de literatura”, como ela bem define. “A peça fica na esquina do poema com a piada”, arremata o ator.
“O Gregório comediante está no palco ao lado do Gregório intelectual com seu fluxo de pensamento ininterrupto e por isso a plateia embarca na proposta”, explica a diretora,
que compartilha com o ator a paixão pelo nome das coisas. “Graças aos seus recursos de ator, Gregorio pega o público distraído. Ninguém resiste quando é surpreendido por alguém apaixonado.”
Gregório, desde a infância, carrega uma obsessão pela palavra, pela comunicação verbal, pela língua portuguesa. Assim o protagonista brinca com códigos, como aqueles que, em sua maioria, só são decifrados por pais e filhos ou casais enamorados.
As reformas ortográficas que tiram letras de circulação e derrubam acentos capazes de alterar o sentido das palavras inspiram o artista em tiradas bem-humoradas. O mesmo acontece quando ele comenta a ressurreição de palavras esquecidas, como “irado”, “sinistro” e “brutal”, que voltaram ressignificadas ao vocabulário dos jovens. E aquelas que só de ouvi-las geram sensações estranhas, a exemplo de afta, íngua, seborreia, ou outras, inventadas, repetidas à exaustão, como “atravessamento”, “disruptivo” ou “briefings”? Até destas Gregório extrai humor.
Para o artista, a língua é algo que nos une, nos move, mas raramente damos atenção a ela. É só pensar nas metáforas usadas no cotidiano – “batata da perna”, “céu da boca”, “pisando em ovos”. Nesta hora, usamos a poesia e nem percebemos. Para provar que a poesia é popular, Gregório chama atenção para os grandes letristas da música brasileira, como Orestes Barbosa e Caetano Veloso, citados em “O Céu da Língua” através das canções “Chão de Estrelas” (1937) e “Livros” (1997). A massa ainda há de comer o biscoito fino que fabrico”, disse Oswald de Andrade. Infelizmente a literatura no Brasil nunca encheu estádios. Mas a palavra cantada, essa sim, ganhou multidões. “Foi a nossa música popular quem conseguiu realizar o sonho oswaldiano de levar poesia para as massas”, festeja o ator.
Nesta cumplicidade com a plateia, Gregório mostra gradativamente que a poesia não tem nada de hermética e que a nossa língua não deve nada a nenhuma outra. Muito pelo contrário. Temos um manancial de poesia desperdiçada em cada conversa jogada fora. “Minha pátria é a língua portuguesa”, diz Fernando Pessoa. Caetano continua: “e eu não tenho pátria, eu tenho mátria e quero frátria”. Gregorio constroi o espetáculo em torno dessa fraternidade, e nos lembra que, apesar de todas as nossas diferenças, temos uma língua em comum que nos irmana. E também pode nos fazer gargalhar.
LEIA TAMBÉM
Teatro Riachuelo Rio
O prédio, tombado como patrimônio histórico-cultural, é imponente e se destaca na Rua do Passeio, número 40, reunindo passado, presente e futuro em um só lugar. O ícone da belle époque brasileira ficou com as portas fechadas por dois anos até 2016, quando foi devolvido à população como Teatro Riachuelo Rio, sempre com uma programação plural e acessível. Desde então, foram realizadas diversas peças, musicais, concertos e shows.
Com uma área de aproximadamente 3.500 m², o teatro oferece uma estrutura completa para seus frequentadores, incluindo foyer, salas de ensaio, escritórios, camarins, área externa e uma grande sala com plateia para 999 pessoas. Mais do que um espaço físico, o teatro representa um compromisso com a promoção da cultura e da arte em suas diversas formas. O espaço conta ainda como o Bettina, Café & Arte, que além de abrir como bomboniere para atender ao público do teatro, funciona também para café da manhã e almoço.
Ficha Técnica:
Texto: Gregorio Duvivier e Luciana Paes Interpretação: Gregorio Duvivier
Direção: Luciana Paes
Assistente de direção: Theodora Duvivier
Direção musical e execução da trilha: Pedro Aune Criação visual e projeções: Theodora Duvivier Iluminação: Ana Luzia de Simoni
Cenografia: Dina Salem Levy
Assistente de cenografia: Alice Cruz
Figurino: Elisa Faulhaber e Brunella Provvidente Costureira: Riso Monteiro
Fotos: Demian Jacob
Foto de capa: Joana Calejo Pires
Arte Livreto: Maria Cau
Designer Gráfico: Laercio Lopo
Visagismo: Vanessa Andrea
Administração: Andréia Porto
Produção Executiva: Lucas Lentini
Produção: Pad Rok Produções Culturais, Clarissa Rockenbach e Fernando Padilha
Serviço:
Nome: O Céu da Língua
Data e horário: 20 a 23 de março
Sexta e sábado às 20h e domingo às 18h
Classificação: 14 anos
Duração: 90 minutos
Valores:
Balcão R$40
Balcão Nobre R$ 80
Plateia R$100
Plateia Vip R$120