Thiago Gehre Galvão, Universidade de Brasília (UnB) e Tatiana Dias Silva, Universidade de Brasília (UnB)
Em 2015, a ONU estabeleceu 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), como um quadro de referência sobre o desenvolvimento global. Os objetivos, reunidos na Agenda 2030, têm como diretrizes a igualdade de oportunidades e o respeito aos direitos humanos, a proteção do planeta, a paz e a prosperidade sem deixar ninguém para trás por meio de uma parceria global para o desenvolvimento sustentável. Agora, o Brasil, numa iniciativa voluntária, pretende incluir um 18o objetivo nas metas nacionais para 2030.
Em 15 de novembro de 2024, o Brasil lançou oficialmente o ODS 18, que visa eliminar o racismo e a discriminação étnico-racial, em todas suas formas, contra os povos indígenas e afrodescendentes. O lançamento se deu no âmbito do G20 Social — um encontro que reuniu no Rio de Janeiro, entre 14 e 16 de novembro, comunidades, associações populares, juventudes e outros movimentos —, às vésperas do G20, o fórum multilateral entre países industrializados e emergentes que debate questões econômicas e financeiras mundiais.
A proposta do novo objetivo de desenvolvimento sustentável já havia se tornado um baluarte da posição do Brasil na luta pela igualdade étnico-racial em fóruns estratégicos, como o Fórum de Países da América Latina e do Caribe para o Desenvolvimento Sustentável, realizado em Santigo, no Chile, em abril; e o Fórum Político de Alto Nível para o Desenvolvimento, em Nova Iorque, nos Estados Unidos, em julho de 2024. Em ambos, foram realizados eventos laterais sobre o ODS 18.
De onde surge este novo ODS?
Em setembro de 2023, em seu discurso de abertura da 78ª Assembleia Geral das Nações Unidas, o Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, anunciou que o Brasil estava adotando voluntariamente um novo ODS: “Queremos alcançar a igualdade racial na sociedade brasileira por meio de um 18o objetivo que adotaremos voluntariamente”.
Estudos precursores da Fundação Oswaldo Cruz, da Universidade de Brasília e da Universidade Estadual Paulista (Bauru) propuseram a criação de um ODS para a igualdade racial, direitos de povos indígenas, cultura, bem como a transversalização destas pautas em toda a Agenda 2030. Esta proposta, que aflora na sociedade, ganha vida no governo brasileiro no contexto de reinstalação da Comissão Nacional para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (CNODS) em 2023.
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Uma conjunção perfeita entre criatividade e empenho técnico uniu o trabalho de representantes da Secretaria-Geral da Presidência da República, do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania (MDHC), do Ministério dos Povos Indígenas (MPI), do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do Ministério da Igualdade Racial (MIR).
A partir deste grupo inicial, o debate foi amplificado na Câmara Temática específica da CNODS para tratar dos assuntos relacionados ao ODS 18 e coordenar as ações de criação e implementação do novo ODS.
A Câmara Temática do ODS 18 é composta por mais de 30 representações governamentais e da sociedade civil, com o apoio de diversas outras organizações convidadas, com destaque para as representações de movimentos sociais Negros e dos povos indígenas. Além disso, foi estabelecido um Observatório do ODS 18 na Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB). A partir daí, foram realizadas diversas reuniões deste grupo, entre 2023 e 2024, para desenhar uma proposta preliminar do ODS 18.
Uma das principais preocupações institucionais neste processo de criação de um novo ODS foi garantir a participação social. Para tanto, foram realizadas diversas oficinas técnicas para a construção de nota conceitual, das metas e indicadores do ODS 18. Assim, foram realizadas reuniões de escuta às organizações da sociedade civil para compreender as suas perspectivas sobre o ODS 18.
Outro destaque foi a realização, junto ao Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), do concurso da logomarca do ODS 18. Foram realizadas reuniões de trabalho, lançamento de edital do concurso, seleção de três propostas iniciais por grupo curador e eleição da logomarca, utilizando a Plataforma Brasil Participativo, com mais de 1.300 votos.
Cumpre destacar a participação legislativa no debate, a exemplo da realização de Audiência Pública sobre o ODS 18, com foco na oitiva da sociedade, em parceria com a Frente Parlamentar dos ODS.
Como o ODS 18 impacta nossa vida?
O ODS 18 é um conjunto de metas e indicadores que circunscrevem os nossos compromissos com:
- Eliminar o racismo e a discriminação, a xenofobia, e todas as formas de violência;
- Garantir aos povos indígenas e afrodescendentes a efetivação e a ampliação do acesso à justiça, a representatividade equitativa contra povos indígenas e afrodescendentes nas esferas pública e privada, levando em conta suas interseccionalidades, em particular o homicídio das juventudes, feminicídio e os resultantes de homofobia e transfobia;
- Promover a reparação integral das violações socioeconômica e cultural;
- Assegurar moradias adequadas, seguras e sustentáveis aos povos indígenas e afrodescendentes, incluindo comunidades tradicionais, favelas e comunidades urbanas, com garantia de equipamentos e serviços públicos de qualidade, com especial atenção à população em situação de rua;
- Assegurar o acesso à atenção à saúde de qualidade;
- Assegurar a educação de qualidade e não discriminatória aos povos indígenas e afrodescendentes, bem como o respeito às suas culturas e histórias, garantido o fortalecimento da educação pública, processos de consulta livre, prévia e informada a povos indígenas e afrodescendentes, assim como a repartição de benefícios, quando aplicável, preservando a sua ampla autonomia e autodeterminação.
Avançar na implementação do ODS 18 tem por objetivo revisar as lacunas da Agenda 2030 em relação aos afrodescendentes e povos indígenas e propor uma estratégia de desenvolvimento sustentável com justiça étnico-racial, comprometida a não deixar ninguém para trás. A proposta do Brasil de um 18o ODS agrega um foco específico no enfrentamento das múltiplas desigualdades sobrepostas de natureza étnico-raciais.
Thiago Gehre Galvão, Professor e pesquisador do Programa de Pós-Graduação do Instituto de Relações Internacionais, Universidade de Brasília (UnB) e Tatiana Dias Silva, Doutora em Administração, Universidade de Brasília (UnB)
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