Médico sírio naturalizado brasileiro realiza atendimentos gratuitos para mulheres venezuelanas em Boa Vista

Durante a semana passada, o otorrinolaringologista Mohamad Feras Al-lahham consultou e promoveu sessões informativas a mulheres venezuelanas que participam do projeto “Empoderando Refugiadas” em abrigos da Operação Acolhida

Vivendo no Brasil há quase 10 anos, o médico sírio Mohamad Al- lahham sabe bem o que é deixar seu país de origem na condição de refugiado. Tendo que deixar Damasco, capital da Síria, para passar a residir em Curitiba-PR com sua família, a distância de mais de 3.300kms não o afastou de estar próximo de quem, assim como ele, buscou proteção internacional no Brasil.

“Ao ter que sair da Síria e vir para o Brasil, senti o que é comum a muitas pessoas refugiadas, vendo minha história na história de cada uma delas e isso possibilita exercer minha profissão de forma ainda mais empática”, afirma o otorrinolaringologista.

Na semana passada, ele foi para Boa Vista-RR a convite da organização Círculos de Hospitalidade, baseada em Florianópolis-SC, para realizar atendimentos voltados à clínica geral, otorrinolaringologia e audiometria das crianças, com apoio da Agência da ONU para Refugiados (ACNUR), da ONU Mulheres e da Operação Acolhida.

A dedicação de sua profissão talvez não teria sido possível se não fosse o tamanho empenho do médico em seguir sua vocação. Somente após três anos de muitos esforços ele conseguiu revalidar seu diploma da graduação e da especialização pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), familiarizando-se com o sistema público de saúde do país de acolhida para então voltar a exercer sua profissão. Ao longo destes três longos anos de espera para que o reconhecimento de sua profissão fosse concluído, Mohamad viveu dando aulas esporádicas de árabe, inglês e francês.

Atualmente, com 40 anos, Mohamed se tornou cidadão brasileiro e ao lado de seu irmão, dentista, tem a sua própria clínica em Curitiba, a Clínica Síria – uma forma de homenagear seu país de origem.

“No atendimento que realizamos, buscamos compartilhar um pouco da nossa história com os pacientes, assim como tentamos orientar as pessoas refugiadas que chegam a Curitiba. Muita gente nos ajudou ao longo destes quase 10 anos no Brasil, desde os professores de português que nos ensinaram o idioma de forma voluntária até as pessoas que me ajudaram para que eu conseguisse chegar onde estou”, disse o médico.

Como forma de retribuir as conquistas, ele passou a dedicar parte de seu tempo atendendo a pessoas refugiadas no Brasil, de diferentes origens e idades, mas que requerem desta atenção de saúde – ainda mais por um profissional que vivenciou situações similares da delicadeza que é ser refugiado em um novo país.

Como ele já realizava atendimento presencial a inúmeras pessoas refugiadas em Curitiba, com a intensificação da telemedicina em razão da COVID-19, o médico passou a atender pacientes de outras localidades, dando início ao projeto chamado “I Hear U” (Eu Ouço Você, traduzido).

O projeto ‘I Hear U’

Em outubro de 2021, uma mãe síria buscou a Círculos de Hospitalidade para atendimento médico à sua filha que apresentava infecção respiratória. Ao considerar que o tratamento prescrito pelo hospital por onde a mãe e a menina passaram estava incompleto, a fundadora e presidente da ONG, Bruna Kadletz, solicitou ajuda para o Dr. Mohamad, que já atendia no seu consultório. Após o atendimento do médico com uma atenção toda especial à criança, ele prescreveu um tratamento mais adequado, possibilitando que ela melhorasse em pouco tempo.

Por meio do projeto, o médico atende a pessoas refugiadas em diversos lugares do mundo, provendo atendimento humanizado às pessoas que carregam em si uma questão mental ainda mais delicada em decorrência do deslocamento forçado.

“Com a telemedicina, passei a atender a população refugiada, principalmente venezuelanos, à distância. Consegui diagnosticar e prover atendimento médico de forma a facilitar e promover bem-estar à vida dessas pessoas”, afirma o médico.

Neste ano, o ‘I Hear U’ chegou pela primeira vez a Boa Vista, onde promoveu atendimentos às mulheres do projeto ‘Empoderando Refugiadas’, além de sessões informativas nos abrigos que integram a resposta humanitária do governo brasileiro aos refugiados e migrantes provenientes da Venezuela.

“Finalmente consegui me consultar e pegar uma receita médica para o meu tratamento, já havia me consultado aqui, mas ainda não tinha um diagnóstico exato”, afirmou J.A., mulher residente em um dos abrigos da Operação Acolhida – resposta humanitária do Governo brasileiro, juntamente com o ACNUR e outros parceiros para o fluxo de pessoas refugiadas e migrantes.

O projeto ‘Empoderando Refugiadas’

Realizado pela Agência da ONU para Refugiados (ACNUR), a Rede Brasil do Pacto Global e a ONU Mulheres, o projeto Empoderando Refugiadas” tem como objetivo prover conhecimentos e promover a empregabilidade de mulheres refugiadas, solicitantes da condição de refúgio e migrantes em Boa Vista. Apenas em outubro, foram selecionadas 60 mulheres para participarem das formações do projeto, sendo que 20 delas fazem parte da turma de refugiadas com deficiências, doenças crônicas ou únicas provedoras de renda de pessoas com deficiência.

O atendimento do Dr. Mohamad às mulheres que participam do Empoderando Refugiadas se deu entre os dias 22 e 26 de novembro, com atenção especial às mulheres com deficiência. Foram atendidas presencialmente cerca de 140 pessoas, entre mulheres, crianças e familiares das participantes do projeto presencialmente, atendidas em três diferentes abrigos (Pricumã, Jardim Floresta e Rondon 2) e na Universidade Federal de Roraima (UFRR).

Durante a visita do médico, 34 pacientes fizeram os exames de audiometria indicados pelo profissional e 50kg de medicamentos foram doados aos pacientes e instituições locais parceiras.

“A prioridade da visita do Dr. Mohamad às mulheres venezuelanas foi de garantir que as participantes do Empoderando Refugiadas e seus familiares recebessem laudos adequados relativos às suas condições, facilitando assim o processo de interiorização e consequentemente de empregabilidade desta população que tem muito a contribuir com as empresas contratantes. Este é mais um exemplo de como os refugiados contribuem para o desenvolvimento local”, afirma Oscar Pineiro, Representante Interino do ACNUR Brasil