Roraima aprova lei de três artigos que proíbe destruição de maquinário do garimpo ilegal

A Assembleia Legislativa de Roraima (Ale-RR) aprovou o Projeto de Lei (PL) 233/2022, que proíbe a destruição de equipamentos utilizados por garimpeiros ilegais.

No primeiro de três sucintos artigos, o PL estabelece que “fica terminantemente proibida” a “destruição e inutilização de bens particulares apreendidos nas operações/fiscalizações ambientais no Estado”. Segundo o texto, a restrição deve ser obedecida por “órgãos ambientais de fiscalização”, Polícia Militar de Roraima e Companhia Independente de Policiamento Ambiental (CIPA).

Após a aprovação, a matéria segue para sanção do governador Antonio Denarium (PP), defensor da legalização da mineração de ouro em áreas protegidas. Em 2021, Denarium sancionou uma lei liberando o garimpo em Roraima, inclusive com uso de mercúrio, substância tóxica usada para separar o minério das impurezas. A lei, no entanto, foi declarada inconstitucional e invalidada pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Comemorada por empresários do garimpo, a proibição da destruição dos equipamentos é considerada “claramente inconstitucional” pelo Ministério Público Federal (MPF). 

“Como assinalam diversos precedentes do Supremo Tribunal Federal (STF), lei estadual não pode esvaziar procedimento previsto em legislação nacional a pretexto de atender interesse regional”, escreveu o MPF ao apontar a inconstitucionalidade. 

“Em diversos casos, aeronaves apreendidas em pistas de pouso clandestinas ou mesmo em aeródromos regulares foram encontradas sendo novamente utilizadas no apoio logístico das atividades de mineração ilegal”, continua a nota do MPF.

Votação a portas fechadas e sem lista de presença

A votação ocorreu a portas fechadas em sessão extraordinária realizada na segunda-feira (27), em uma sala de reuniões do Legislativo estadual. A folha de votação indica que 14 dos 24 deputados votaram favoravelmente, mas não informa se o restante dos parlamentares votaram contra, estavam ausentes ou se abstiveram. 

A reportagem pediu para a assessoria de imprensa da Ale-RR informar quem participou da sessão, mas não obteve resposta. 


Deputado George Melo com garimpeiros durante apresentação de projeto que proíbe destruição de maquinário / Divulgação/Assessoria de imprensa

“Para nós o garimpo é a morte”

Todos os pontos de extração do minério de Roraima são ilegais, pois ficam em áreas protegidas, principalmente na Terra Indígena (TI) Yanomami. A mineração vem causando uma tragédia social provocada pela atividade predatória, com relatos de desnutrição, violência e abuso sexual praticados por garimpeiros. Ainda assim, o estado é um dos polos de produção de ouro no Brasil.

A liderança Telma Taurepang, do povo Taurepang de Roraima, diz que a lei leva ainda mais insegurança às comunidades indígenas. “A partir do momento que abre um garimpo, inúmeras vidas são destruídas, começando pela vida das mulheres. O garimpo é um prática que, para nós indígenas, é a morte”, afirma a coordenadora da União das Mulheres Indígenas da Amazônia Brasileira (Umiab) e pré-candidata a deputada federal.

O PL 233/2022 não especifica se a proibição é válida para terras públicas da União, como é o caso do território Yanomami, ou apenas para áreas sob gestão estadual. O Brasil de Fato pediu esclarecimentos ao autor do projeto, deputado George Melo (Podemos), mas não obteve resposta. 

Autor do projeto assumiu prometendo fortalecer agricultura familiar

George Melo assumiu o mandato há três meses. Ele era suplente de Jalser Renier (SD), cassado por quebra de decoro parlamentar. Renier foi apontado pela Polícia Civil como mandante do sequestro e tortura do jornalista Romano dos Anjos, que apresentava um programa policial na afiliada da TV Record em Roraima. 

Natural de Boa Vista, Melo é descrito como empresário pelo site da Assembleia Legislativa de Roraima. Ele entrou na política nos anos 2000 e cumpriu mandatos de vereador em Boa Vista (RR). Nas últimas eleições, declarou ter bens no valor de R$ 360,5 mil, incluindo um lote de terras de R$ 300 mil, uma participação societária em uma empresa, além de R$ 60 mil em dinheiro. 

Após tomar posse, o deputado prometeu que daria prioridade ao fortalecimento de pequenos produtores rurais, aumentando a produção regional e diminuindo a demanda por alimentos produzidos em regiões distantes, que chegam com preços altos no mercado local, em função da infraestrutura de transportes deficitária.

“Eu gostaria que meus projetos ajudassem o pessoal da agricultura familiar. Tem muita gente que abastece hoje a nossa capital com uma renda que é praticamente semanal e eu quero ajudar para que possam produzir e que [a produção] não precise vir de fora. Que aqui abasteça e gere emprego para nossa população”, declarou na cerimônia de posse, segundo o g1. 

A liderança Telma Taurepang critica: “Como se fortalece a agricultura família dessa forma, destruindo o meio ambiente, destruindo os lugares onde a gente vive? Então é totalmente contraditório os parlamentares aprovarem uma lei de destruição”.

Ao longo do curto mandato, porém, Melo mudou de rumo e passou a atuar em favor de empresários do garimpo, que vêm se organizado politicamente desde que as operações contra a atividade ilegal se tornaram mais frequentes em Roraima.

Um deles empresários mais poderosos do setor é Rodrigo Cataratas, que já teve aeronaves apreendidas apreendidas pela Polícia Federal (PF) por suspeita de utilizá-las no transporte de equipamentos para garimpos ilegais na Terra Indígena Yanomami. 

Criador do “Movimento Garimpo é Legal”, Cataratas esteve presente em sessões da Ale-RR, acompanhado de uma comitiva de garimpeiros, pressionando pela aprovação do PL.

Em declarações públicas, ele se opõe a lideranças indígenas, como a deputada federal Joenia Wapichana (Rede-RR), única parlamentar indígena no Congresso. O líder Júnior Yanomami afirmou ao site Amazônia Real que já foi ameaçado pelo empresário. Cataratas nega a ameaça.

“Direito de propriedade”

Na justificativa do projeto de lei, o deputado George de Melo defendeu o “direito de propriedade” dos garimpeiros e citou leis federais que determinam a apreensão, e não a destruição, dos equipamentos apreendidos em fiscalizações ambientais.

Por outro lado, o MPF diz que a inutilização do maquinário tem aval do Supremo Tribunal Federal (STF). Para o MPF, proibir a prática contraria a legislação federal e pode significar um estímulo ao garimpo ilegal.

“Tais procedimentos [destruição de maquinário ilegal] só podem ser empregados nos casos em que o transporte do bem apreendido seja impossível e com a finalidade de impedir que ele seja, momentos após o fim da fiscalização, reutilizado na destruição do meio ambiente”, reafirma nota do órgão federal. 

Edição: Thalita Pires