Filme brasileiro Meu Nome é Bagdá é premiado em Berlim

Enquanto o governo Bolsonaro, conhecido por sua homofobia e transfobia, tenta destruir o cinema brasileiro, como denunciou a produtora Sara Silveira, os filmes brasileiros conquistaram a crítica e os expectadores do 70º Festival Internacional de Cinema de Berlim.

O  prêmio  conquistado pelo cinema brasileiro foi o Prêmio do Júri para melhor longa metragem da mostra Geração, dedicada aos jovens cineastas e aos temas da juventude.

Meu Nome é Bagdá, de Caru Alves de Souza, recebeu a premiação por unanimidade dos membros do júri.

“Uma impressionante peça de liberdade, cheia de maravilhosas amizades, música, movimento e solidariedade. Era impossível não ficar impressionado com a protagonista, com as pessoas ao seu redor e era também impossível esquecer o clímax glorioso e poderoso deste filme. Isso é prova de que a vida pode não fazer milagres por nós, mas podemos superar todos os obstáculos se seguirmos nossa paixão”, anunciou o júri.

O prêmio é para Caru Alves de Souza, a diretora, mas é também para a atriz Grace Orsato, interpretando a jovem skatista andrógina Bagdá. Para Souza, o filme conta a solidariedade existente entre as mulheres e sobre suas dificuldades cotidianas”. Um filme no qual se joga muito com a improvisação e mostra a amizade num grupo de jovens.

Para a diretora, o tema do skate não era nenhuma novidade, pois ela praticava esse esporte aos 16 anos. A escritura do filme  tinha começado há dois anos e foi sendo montada cena por cena. Ela fez nessa ocasião um levantamento das principais pistas de skate em São Paulo. O roteiro foi sendo pensado em alguns meses, mas o texto final “veio como um enxurrada”, como ela diz. Souza é filha da cineasta Tatá Amaral, mas já se impôs ela própria como cineasta.

Balanço do Festival de Cinema de Berlim

O Festival confirmou sua natureza política. O Urso de Ouro concedido ao filme iraniano Não há Nenhum Mal, de Mohammad Rasoulof, confirmou essa preocupação. O filme brasileiro Todos os Mortos poderia ser um opção, se não houvesse o filme iraniano, porém não obteve a penetração esperada junto à crítica e nem junto ao júri, que lhe teria dado algum prêmio.

Teremos de nos habituar à nova realidade: com as atuais dificuldades criadas aos produtores de filmes haverá, a partir de agora, uma diminuição de títulos brasileiros nos festivais. Mas é verdade que, a exemplo do que aconteceu durante a ditadura militar, os filmes brasileiros terão apoio no exterior seja tanto dos festivais, como de distribuidores e da imprensa.

O balanço final desta Berlinale é magro para o Brasil: dos 19 filmes levados às diversas mostras, só um foi premiado, Meu Nome é Bagdá, da cineasta Caru Alves de Souza, na mostra Geração. Porém, o público lotou geralmente as salas com exibição de filmes brasileiros.

Foi o caso do filme de adolescentes, também na mostra Geração, Alice Júnior, aplaudido de pé no cine Urania, por mais de cinco minutos. Dirigido por Gil Baroni e já com  sucesso no Brasil, tem no papel principal Anne Celestino Motta, a vida e alma do filme, no papel da garota trans Alice, na verdade Jean Genet no registro civil.

O amor na classe operária

Um filme francês não premiado, me chamou bastante a atenção: foi o Sal das Lágrimas, do realizador Philippe Garrel. Histórias de amor em preto e branco de um jovem do interior da França, Luc, vivido por Logann Antuofermo, um novo ator que surge.

A importância desse filme é a de  mostar um quadro operário. Luc é filho de um carpinteiro que deseja se aperfeiçoar na marcenaria e vai a Paris, para um curso de aperfeiçoamento. Mostra a vida do pessoal que trabalha sem as lantejoulas dos filmes americanos, nos quais amor vem geralmente misturado com personagens de classe média para cima.

Um filme romântico à maneira dos anos 50/60, no estilo de filmes de Godard e Truffaut, incluindo mesmo o triangulo amoroso consentido. A época não está para o romantismo e muito menos para amores entre operários. Passou despercebido.

Sem coronavirus na Berlinale

Havia a expectativa de uma grande diminuição de participantes, nas projeções para a crítica e para o grande público, em consequência dos riscos do coronavirus. A principal ausência sentida foi dos chineses, quase uma centena anulou sua ida ao evento.

O Festival transcorreu tranquilo sem controles, sem máscaras e mesmo sem grandes preocupações com riscos de atentados. Foi um Festival normal, sem os excessos de proteção contra o vírus tomados nestes dias pela Suíça e pela França.

Confira a premiação do Festival Internacional de Cinema de Berlim

BERLIM 2020

URSO DE OURO

“There Is No Evil”

De Mohammad Rasoulof (Irão/Alemanha/República Checa)

GRANDE PRÉMIO DO JÚRI

“Never Rarely Sometimes Always”

De Eliza Hittman (EUA)

PRÉMIO DA 70ª BERLINALE

“Effacer l’historique”, de Benoît Delépine e Gustave Kervern (França/Bélgica)

MELHOR REALIZAÇÃO

Hong Sang-Soo por “The Woman Who Ran” (Coreia do Sul)

MELHOR ATRIZ

Paula Beer por “Undine”, de Christian Petzold (Alemanha/França)

MELHOR ATOR

Elio Germano por “Volevo Nascondermi”, de Giorgio Diritti (Itália)

MELHOR ARGUMENTO

Fabio e Damiano D’Innocenzo por “Favolacce”, de Fabio e Damiano D’Innocenzo (Itália/Suiça)

MELHOR CONTRIBUIÇÃO ARTÍSTICA

Jürgen Jürges

Pela direção de fotografia de “DAU. Natasha”, de Ilya Khrzhanovskiy e Jekaterina Oertel (Alemanha/Ucrânia/Reino Unido/Rússia)

MELHOR PRIMEIRA OBRA

“Los Conductos”, de Camilo Restrepo (França/Colômbia/Brasil)

MELHOR DOCUMENTÁRIO

“Irradiés”, de Rithy Panh (França/Cambodja)

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*Rui Martins é jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. É criador do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas, que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu Dinheiro sujo da corrupção, sobre as contas suíças de Paulo Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto Carlos, A rebelião romântica da Jovem Guarda, em 1966. Foi colaborador do Pasquim. Vive na Suíça, correspondente do Expresso de Lisboa, Correio do Brasil e RFI (Rádio França Internacional).

Edição: Leandro Melito