Próximo presidente do STJ, ministro Humberto Martins reúne vocação jurídica e larga experiência administrativa

​​Natural de Maceió, o ministro Humberto Martins – que nesta quinta-feira (27) será empossado na presidência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) – passou parte da infância no interior de Alagoas, e ali iniciou sua carreira jurídica. “Nunca tive dúvidas de qual faculdade cursar, qual carreira exercer, pois a defesa dos menos abastados, das minorias étnicas e sociais, a valorização do ser humano, o amor pela justiça, são valores que me movem desde sempre”, disse ele em 2016.

Após concluir os cursos de direito, em 1979, na Universidade Federal de Alagoas, e de administração de empresas, em 1980, no Centro de Estudos Superiores de Maceió, Martins começou a sua atuação profissional como promotor de Justiça adjunto na comarca de União dos Palmares (AL), cargo que exerceu de 1979 a 1982.​​​​​

Atual corregedor nacional de Justiça, o ministro Humberto Martins assume a presidência do STJ 14 anos após ingressar no tribunal. | Foto: Emerson Leal / STJ​​

Também foi procurador do Estado de Alagoas (de 1982 a 2002) e, por duas décadas, exerceu a advocacia privada, ocupando diversas funções relevantes, como a presidência da Ordem dos Advogados do Brasil de Alagoas, por dois mandatos.

Durante o segundo período à frente da OAB, foi indicado a uma vaga no Tribunal de Justiça de Alagoas (TJAL) pelo quinto constitucional, na condição de advogado. Como desembargador, teve assento em órgãos julgadores cíveis e criminais, foi vice-presidente do Tribunal Regional Eleitoral de Alagoas, corregedor regional eleitoral e diretor da Escola Judiciária Eleitoral.

De 1992 a 2006, lecionou na Universidade Federal de Alagoas. Autor de vários livros e artigos jurídicos, foi reconhecido pela atuação acadêmica ao receber o título de doutor honoris causa em direito, conferido em 2019 pelo Centro Universitário Facol, de Pernambuco.

Novo​​ desafio

Em 2006, Martins foi nomeado ministro do STJ e, desde então, atuou na Segunda Turma e na Primeira Seção – colegiados especializados em direito público. Atualmente, é membro da Corte Especial.

Ao longo de 14 anos no tribunal, o ministro proferiu 142.483 julgamentos, sendo 38.477 em sessão e 104.006 monocraticamente. Foi relator de seis recursos repetitivos.

Uma pesquisa no Informativo de Jurisprudência – publicação do tribunal que seleciona teses novas e de grande repercussão no meio jurídico – mostra o nome do ministro em 349 casos, seja como relator do processo julgado ou do precedente adotado no acórdão.

Um dos julgamentos de maior repercussão foi o do REsp 1.558.086, em 2016, no qual se discutiu a publicidade para o público infantil. O ministro considerou abusivo o marketing de alimentos dirigido – direta ou indiretamente – para as crianças, destacando que a decisão sobre compra e consumo de produtos alimentícios deve ser dos pais, ainda mais quando são comuns os casos de obesidade infantil.

No processo, uma empresa foi condenada por veicular campanha promocional em que oferecia a possibilidade de comprar um relógio por R$ 5 a quem adquirisse cinco unidades de determinado produto.

O ministro entendeu que a campanha era uma forma de manipular as crianças e que, além disso, caracterizava operação de venda casada.

Vagas em ​​creches

Em 2010, Humberto Martins rejeitou um recurso do município de Criciúma (SC) por entender que o princípio da reserva do possível não poderia servir de fundamento para o poder público negar um direito fundamental – no caso, vagas para crianças de zero a seis anos nas creches da rede municipal.

No REsp 1.184.474, o magistrado afirmou que a realização dos direitos fundamentais não é opção do governante, não é resultado de um juízo discricionário nem pode ser encarada como questão que dependa unicamente de vontade política.

Para Martins, eventual falta de recursos deve ser demonstrada pelo poder público, mas não se admite que esse argumento seja utilizado como desculpa genérica para a omissão estatal no campo dos direitos fundamentais.

Foro privilegi​​ado

Em 2016, no REsp 1.567.713, Humberto Martins votou para que ex-secretários estaduais pudessem ser processados e julgados sem foro privilegiado, no caso de uma ação de improbidade administrativa.

Segundo o ministro, não é possível equiparar os atos de improbidade aos crimes de responsabilidade. Ele afirmou que é inadmissível fazer uma interpretação ampliativa da Lei 1.079/1950 (Lei do Impeachment) quanto ao foro por prerrogativa de função, de modo a abrigar autoridades não previstas.

Danos amb​​ientais

No REsp 1.285.463, julgado em 2012, o ministro aplicou o princípio da precaução para proibir a queima da palha de cana-de-açúcar em plantações do interior paulista. O Ministério Público havia entrado com ação para coibir essa prática, mas o tribunal estadual entendeu que, na ausência de estudos que comprovassem malefícios à saúde provocados pela fuligem, o Judiciário não poderia paralisar a atividade canavieira.

Segundo Humberto Martins, na dúvida deve prevalecer a defesa do meio ambiente e da saúde, e a ausência de certezas científicas não pode servir de argumento para postergar a adoção de medidas eficazes para a proteção ambiental.

“A ausência de certeza científica, longe de justificar uma ação possivelmente degradante do meio ambiente, deveria incitar o julgador a mais prudência”, disse o ministro ao defender uma ponderação entre os interesses econômicos e os ambientais. Ele lembrou ainda que a Conferência Rio 92 e outros tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário consagram o princípio da precaução em questões ambientais.

Inva​são

No REsp 1.499.927, julgado em 2016, o ministro rejeitou os argumentos da Agência Fiscalizadora do Distrito Federal (Agefis) contra sua condenação, em ação civil pública, a desobstruir áreas públicas ocupadas de forma irregular. Perante o STJ, a agência alegou a necessidade de formação de litisconsórcio com os responsáveis pelas construções em áreas públicas, para que eles também estivessem no polo passivo da ação.

Para Humberto Martins, no entanto, não há responsabilidade solidária entre uma agência de fiscalização e particulares, num contexto em que a entidade pública tem o poder-dever, imposto por lei específica, de exercer atividade de planejamento, fiscalização e execução.

Segundo o ministro, a agência foi condenada tão somente a garantir o respeito à lei, e não a cumprir alguma obrigação que dependesse da ação dos particulares.

Outros​​​ cargos

Além da atividade como julgador no STJ, Humberto Martins exerceu, paralelamente, diversas outras funções: corregedor-geral da Justiça Federal, diretor do Centro de Estudos Judiciários da Justiça Federal, presidente da Turma Nacional de Uniformização (TNU), ouvidor do STJ, ministro substituto do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e diretor-geral da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam).

De dezembro de 2015 a agosto de 2016, enquanto esteve à frente da Enfam, Martins investiu em parcerias internacionais, como as que foram firmadas com a Universidade de Bolonha (Itália) e com a universidade nacional de juízes da China.

Nesse período, foi criado o Selo Enfam de Qualidade em educação judicial. A gestão do ministro Martins também lançou a Revista Enfam, para divulgar semestralmente aos juízes de todo o país as ações educacionais desenvolvidas.

Em 2016, Humberto Martins foi eleito vice-presidente do tribunal, cargo que ocupou até a sua escolha como corregedor nacional de Justiça, em 2018.

C​NJ

No Conselho Nacional de Justiça (CNJ), onde assumiu como corregedor em agosto de 2018, Humberto Martins trabalhou na criação do Disque Cidadania, serviço telefônico disponibilizado para o registro de denúncias, reclamações e sugestões, aproximando a corregedoria do cidadão.

Outra medida que marcou sua gestão foi a criação do Fórum Nacional das Corregedorias (Fonacor), idealizado para reunir trimestralmente todos os corregedores de Justiça do país em uma discussão sobre a realidade do Poder Judiciário.

Martins editou diversos atos normativos para disciplinar ações de combate à corrupção e à lavagem de dinheiro, e também questões internas do Judiciário, como o pagamento de verbas retroativas aos magistrados, entre muitos outros temas.

Em 2020, foram editados normativos para garantir o funcionamento do Judiciário em meio à pandemia do novo coronavírus (Covid-19), disciplinando serviços cartoriais e a forma de atuação dos magistrados.

Na área disciplinar, o ministro julgou mais de dois mil processos referentes à conduta de magistrados em todo o país (os processos atribuídos ao corregedor representam 85% de todos os que tramitam no CNJ).

No fim de 2019 e início de 2020, Humberto Martins chefiou o grupo de trabalho criado pelo CNJ para analisar a implementação do juiz de garantias, novidade trazida pelo pacote anticrime recém-aprovado pelo Congresso Nacional.

Veja o currículo completo do ministro Humberto Martins.

Leia também:

Com carreira dedicada à área criminal, ministro Jorge Mussi já ocupou cargo de governador de Santa Catarina​

Posse da nova direção do STJ, na quinta-feira (27), será transmitida ao vivo