Michael Johnson: "saúde mental é um problema que afeta a todos nós"

O ex-velocista americano Michael Johnson, quatro vezes campeão olímpico e oito vezes campeão mundial, reconheceu que "o esporte de elite pode ser ruim para a saúde mental", referindo-se aos casos da ginasta Simone Biles e da tenista Naomi Osaka, que revelaram ao mundo o quão negativo é o efeito de tamanha pressão à qual são submetidas.

Madri, 10 out (EFE).- O ex-velocista americano Michael Johnson, quatro vezes campeão olímpico e oito vezes campeão mundial, reconheceu que “o esporte de elite pode ser ruim para a saúde mental”, referindo-se aos casos da ginasta Simone Biles e da tenista Naomi Osaka, que revelaram ao mundo o quão negativo é o efeito de tamanha pressão à qual são submetidas.

Por ocasião do Dia Mundial da Saúde Mental, Johnson comentou em um comunicado da Academia Laureus, da qual é embaixador, que, quando soube que Naomi Osaka havia abandonado o torneio de Roland Garros devido a questões de saúde mental, ele “não sabia exatamente o que estava acontecendo, o que é compreensível agora, pois a própria Naomi disse que ainda está tentando descobrir”, afirmou.

“Eu estava trabalhando para a BBC quando Simone Biles deixou a competição (algumas provas de ginástica) durante os Jogos Olímpicos de Tóquio. Eu tinha pensado muito na Naomi desde Roland Garros. Desta vez, eu decidi, vou esperar um pouco. Dia após dia, Simone falava com sinceridade e detalhes, e quanto mais ela fazia isso, mais perto estávamos de entender”, acrescentou.

Para o ex-atleta, “o aspecto mental do esporte pode anular completamente o talento físico até mesmo do melhor competidor”.

“A saúde mental é um problema que afeta a todos nós (…). Não é algo que se possa diagnosticar e analisar em tempo real a partir da cabine de transmissão ou nas mídias sociais. Temos que escutar”, disse.

Johnson também descreveu a pressão sobre o atleta de elite.

“Quando você chega onde eu estava, ou onde Naomi e Simone estão agora, você está fazendo seu trabalho na frente de milhões de pessoas. Não importa o quanto você esteja fisicamente preparado, isso tem um custo mental. Treinei toda minha vida para isso. Quero muito ganhar, mas posso falhar. Talvez eu nunca mais tenha esta oportunidade. Posso desapontar meus colegas de equipe. Meu contrato pode não ser renovado. E todos estão observando, o tempo todo”, explicou.

Johnson também citou seu próprio caso nos Jogos de Barcelona, em 1992.

“Eu tinha 24 anos de idade. Tinha ficado invicto nos 200m durante dois anos, fui campeão mundial e era o grande favorito para o ouro na Espanha. Então, pouco antes do início dos Jogos, tive uma intoxicação alimentar. Depois de me recuperar dos efeitos iniciais, não pensei que a doença iria me afetar na pista. Eu me senti bem. Até que a pistola (de largada) disparou para o início da minha eliminatória. Naquele momento, eu sentia que estava correndo no corpo de outra pessoa. Consegui passar dali até as quartas de final, mas não cheguei à final”, narrou.

“A delegação americana viajou (para a Espanha) com psicólogos esportivos e marcou um horário para que eu encontrasse um imediatamente. A equipe tinha reconhecido que o que tinha acontecido comigo era o tipo de coisa que poderia levar ao que chamamos de ‘colapso’ – uma espiral descendente que é difícil de se sair. Você pode começar a duvidar de si mesmo, e isso era o que estava acontecendo comigo. Mas assim que me sentei naquele quarto de hotel com o psicólogo da equipe, percebi que não era lá que eu precisava estar. Pode ter funcionado para algumas pessoas. Para mim, não”, acrescentou.

O ex-velocista afirmou que teve “sorte” por ter recebido apoio da família.

“Meus pais estavam em Barcelona, assim como meus irmãos (é o mais novo de cinco irmãos). Meu pai veio ao meu quarto de hotel, e eu sabia que poderia dizer a ele como me sentia, quais eram meus medos. E ele apenas escutou. Então, me disse: ‘Você não perdeu uma final. Você não venceu esta. Mas você também não pôde competir nela”, contou.

Para Johnson, a experiência em Barcelona foi “a maior decepção” de sua carreira.

“E não acabou quando entrei no avião de volta para os Estados Unidos. Algumas semanas depois, eu estava sentado em casa, ainda pensando sobre aquilo. E agora percebo que tinha que pensar a respeito. Eu tinha que ficar com raiva. Eu tinha que ficar desapontado. Eu tinha que sentir tudo isso antes de poder processar o que tinha acontecido”, disse.

“Por fim, comecei a pensar cada vez mais sobre os três medalhistas em Barcelona. Ouro, prata e bronze. Eu tinha competido muito contra cada um deles nos dois anos que antecederam as Olimpíadas. E eles nunca me haviam vencido. Então comecei a perceber que, se nos encontrássemos no ano seguinte, a probabilidade de eu cruzar a linha de chegada em primeiro era bastante alta. Eu não tinha feito nada de errado. Eu não tinha perdido meu encanto. E eu não havia deixado de ser o velocista mais rápido do mundo nos 200m”, acrescentou.

E foi o que aconteceu. Nos Jogos Olímpicos seguintes, em Atlanta, ele experimentou “mais pressão do que em qualquer outra época”.

“Foi em parte uma coisa minha. Eu não teria desejado de outra forma. Em 1996, eu sabia quem eu era. Eu sabia que estava mais feliz e sabia que estava no meu melhor, sob a pressão mais intensa”, afirmou.

“Se eu não tivesse me sentido confiante, eu não teria apelado ao COI (Comitê Olímpico Internacional) para mudar o calendário (das provas) e me permitir disputar os 200m e os 400m em uma Olimpíada em casa”, argumentou.

No fim, Johnson ganhou ouro nas duas provas, eternizando-se na história olímpica.

“Hoje é o Dia Mundial da Saúde Mental. Mas não tente colocar esta questão numa gaveta. Isso é impossível. Ela afeta as estrelas do esporte e as pessoas com quem compartilham sua vida, e é completamente diferente para cada uma delas”, disse. EFE