Aumento da violência, narcotráfico e inflação: a herança de Iván Duque na Colômbia

No próximo domingo, 7 de agosto, acontece a cerimônia de sucessão da presidência da Colômbia. Iván Duque, do partido de direita Centro Democrático, entrega a Gustavo Petro, da aliança de centro-esquerda Pacto Histórico, um país mais violento, com maior volume de tráfico de drogas e em crise econômica.

Duque é considerado afilhado político do ex-presidente Álvaro Uribe Vélez e representaria a continuidade de um governo conservador e com uma agenda econômica neoliberal. Com a vitória do Pacto Histórico, encerram-se 20 anos de governos “uribistas”: foram dois mandatos presidenciais de Uribe (2002 – 2010), seguidos de duas gestões de Juan Manuel Santos (2010 – 2018), ex-ministro de Defesa de Uribe, que finalmente foi sucedido por Duque.

O advogado, natural de Antioquia, encerra sua gestão com 68% de reprovação popular, segundo pesquisa da empresa Invamer, publicada em julho deste ano. Nestas eleições, além de recuar da candidatura própria na disputa pela presidência, o Centro Democrático deixou de ter a maior bancada parlamentar para tornar-se o maior derrotado nas eleições legislativas de março deste ano, perdendo seis cadeiras no Senado e 17 na Câmara de Representantes.


Bolsonaro, Duque e Biden durante a Cúpula das Américas, em Los Angeles, em junho deste ano / Jim Watson / AFP

Economia 

Com uma inflação acumulada de 6,6%, o país possui 11% de desempregados e 60% da população economicamente ativa na informalidade. As exportações também caíram 0,4% entre 2021 e 2022.

Durante a gestão de Duque, a dívida pública colombiana quase duplicou. Em janeiro de 2019, representava 36% do Produto Interno Bruto. Dois anos depois, em janeiro deste ano, chegava a 57% do PIB. 

Desde 2018, também houve um aumento de 4,6% da pobreza no país, atingindo 39% da população colombiana, de acordo com o Departamento Administrativo Nacional de Estatística (Dane). Isso tornava o país o terceiro com maior quantidade de pessoas em vulnerabilidade econômica, segundo ranking da Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal).

No ano passado, Duque conseguiu aprovar uma reforma tributária que foi o estopim para deflagrar a maior greve geral da história do país. Após o fim das manifestações, o governo conseguiu promover um novo projeto com algumas mudanças, mas que manteve a lógica de maior cobrança de impostos sobre o consumo e isenção aos grandes empresários.

Apenas 20% do PIB colombiano é fruto das contribuições fiscais e, desse total, somente 5% representam imposto de renda, segundo dados fornecidos para a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Ecomômico (OCDE).


O governo de Duque foi marcado pela maior greve geral da história da Colômbia: em 2 meses de mobilização, 75 pessoas foram mortas, de acordo com organizações de direitos humanos / Raúl Arboleda / AFP

Violência 

O Centro Democrático, liderado por Uribe, foi um dos promotores do “não” em um plebiscito não-vinculante sobre os Acordos de Paz de 2016. A campanha contra os termos de paz saiu vitoriosa e, ainda que não tenha interrompido sua implementação, acabou sendo uma prévia da disputa eleitoral que levou Duque à presidência em 2018. 

Segundo o Instituto Kroc, uma das organizações internacionais que acompanham a implementação dos Acordos na Colômbia, apenas 28% do documento pactuado em Havana foi aplicado nos últimos seis anos. 

O resultado foi um aumento de 200% das chacinas no país, entre 2016 e 2021, de acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU).

A representante da ONU ainda destacou que “os homicídios parecem constituir uma estratégia para afetar a capacidade das comunidades e lideranças de reivindicar seus direitos frente ao despejo de seus territórios”, disse Juliette De Rivero.


Após seis anos da assinatura dos Acordos de Paz, a Colômbia soma mais de 320 ex-guerrilheiros que se commprometeram com a paz e foram assassinadas / Luis Robayo /AFP

Durante quatro anos de gestão de Iván Duque foram registradas 313 chacinas, com 1.192 vítimas, entre elas 957 defensores de direitos humanos e 261 ex-combatentes que assinaram os Acordos de Paz. Cerca de 43% dos casos permanecem sem identificação e punição dos autores do crime.

Nesse período, a taxa de homicídios se manteve numa média de 25 mortos a cada 100 mil habitantes, totalizando 50.179 vítimas mortais. Os dados foram levantados pelo Instituto de Desenvolvimento da Paz (Indepaz).

Além disso, o ministro de Defesa, Diego Molano, enfrentou três pedidos de destituição do cargo por acusações de operações de falsos positivos – quando civis são assassinados pela força pública e contabilizados como “guerrilheiros mortos em combate”. O último caso foi registrado em 28 de março, na região de Putumayo, no Pacífico colombiano, e terminou com 11 civis mortos. 

A prática de falsos positivos para inflar os números das operações do exército se popularizou com o governo de Álvaro Uribe. A Justiça Especial para a Paz (JEP) afirma que há evidências de ao menos 6.400 casos de falsos positivos durante os primeiros seis anos da gestão uribista. 


Apesar de assinar novos programas de “guerra às drogas” e contar com sete bases militares dos EUA no seu território, a Colômbia continua sendo o maior produtor de cocaína do mundo / AFP

Narcotráfico

A Colômbia é o maior produtor de cocaína do mundo, com cerca de 143 mil hectares de cultivo, que abastecem aproximadamente 70% do mercado mundial, de acordo com relatórios das Nações Unidas. 

Em 2020, Duque renovou o Plano Colômbia – uma parceria com os Estados Unidos a fim de aumentar a presença militar estadunidense com mais 800 soldados no território colombiano e um orçamento de US$ 11 bilhões (R$ 57,4 bilhões) para a “guerra às drogas”. Cerca de US$ 4,2 bilhões (R$ 21,9 bilhões) foram usados para a erradicação forçada e fumigação de veneno nas plantações de coca.

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No entanto, em 2021, houve um recorde de produção de cocaína: 1.136 toneladas, um aumento de 8% em relação ao ano anterior, segundo o Escritório das Nações Unidas contra a Droga e o Delito (UNODC).

O ponto 4 dos Acordos de Paz, rechaçado por Duque, previa uma série de políticas públicas para erradicar essas práticas ilegais. Entre elas a realização de uma Conferência Internacional de Combate às Drogas e a substituição de cultivos ilícitos. Cerca de 250 mil famílias camponesas se comprometeram a deixar de plantar coca para semear alimentos. 

Em fevereiro deste ano, o comandante do exército colombiano foi afastado do cargo após vazamento de áudios que o vinculavam com chefes de facções narcotraficantes.


O presidente Iván Duque em evento de mecanismo criado pelo acordo de paz, na cidade de Dabeiba. / Joaquin Sarmiento / AFP

Questão ambiental 

Apesar de propagandear-se como um governo que promovia uma agenda verde e ter sido um dos chefes de Estado que mais se manifestou na Cúpula do Clima de 2021, na prática sua gestão não avançou na pauta ambiental.

Com a proposta de acabar com o desmatamento no país até 2030, atendendo a Agenda da ONU, em abril de 2019, o Executivo lançou a “Operação Artemisa”: um operativo militar composto por dezenas de batalhões do Exército para frear a derrubada de árvores. No entanto, os anos de 2018 e 2020 registraram os mais altos índices de perda de floresta primária na Amazônia colombiana desde o começo das medições, em 2002, segundo levantamento da Fundação para a Conservação e o Desenvolvimento Sustentável (FCDS). 

Em outubro de 2021, o Congresso colombiano aprovou a lei de delitos ambientais prevendo até 15 anos de prisão para pessoas que se apropriassem de terrenos públicos baldios. No mesmo ano, porém, houve um aumento de 1,5% na desmatamento da Floresta Amazônica, sendo que 77% dos casos se concentram nos departamentos de Norte de Santander, Antioquia, Meta, Caquetá, Guaviare e Putumayo, segundo dados do Ministério do Meio Ambiente.

Além disso, ao invés de trabalhar para diminuir a emissão de gases do efeito estufa, diversificando a base energética do país, em maio deste ano, Duque prometeu aumentar a produção de petróleo para atender a demanda dos EUA após a suspensão da compra de combustível russo. No ano passado, os parlamentares do Centro Democrático também votaram contra um projeto de lei que propunha interromper a prática do fracking – fraturamento hidráulico – considerada altamente poluente. 

Edição: Arturo Hartmann