Partilha da Palestina faz 75 anos em meio a uma realidade nada otimista

Osvaldo Euclides de Sousa Aranha (1894-1960) -- o nome próprio original é com “v”, não “w” -- teve um papel importante na reunião da ONU que partilhou a então chamada região da Palestina

No centro de Tel Aviv há uma rua com o nome de um brasileiro: a Rua Oswaldo Aranha. É quase uma ruela, pequena e curta. Mas, não deixa de ser uma homenagem ao diplomata do Brasil mais conhecido e reverenciado em Israel. Foi o ex-embaixador brasileiro que, em 29 de novembro de 1947, há exatos 75 anos, presidiu a Assembleia Geral da ONU que aprovou o Plano de Partilha da Palestina, uma resolução histórica que abriu caminho para a criação de Israel, seis meses depois, em 14 de maio de 1948.

Osvaldo Euclides de Sousa Aranha (1894-1960) — o nome próprio original é com “v”, não “w” — teve um papel importante na reunião da ONU que partilhou a então chamada região da Palestina (na época sob controle britânico) em duas partes: uma árabe e uma judia. A divisão foi feita de acordo com os resultados de uma comissão das Nações Unidas que identificou as partes da região onde moravam mais judeus e mais árabes.

Em 29 novembro de 1947, o Plano de Partilha foi colocado em votação. Historiadores afirmam que, caso Aranha não tivesse agido em prol da aprovação, o plano seria rejeitado. O brasileiro, que presidiu a Assembleia Geral no biênio 1947-1948 (após ser governador do Rio Grande do Sul e ministro no governo Getúlio Vargas), adiou a votação por um dia para que os defensores da partilha pudessem angariar mais votos.

Então, a moção 181 da AG da ONU foi aprovada por 33 votos a favor, 13 contra e 10 abstenções. A gravação da contagem dos votos é, talvez, a peça audiovisual mais famosa de Israel, escutada e assistida anualmente na celebração do que os israelenses chamam de “Kaf Tet Be-November” (ou 29 de novembro, com as letras hebraicas “kaf” e “tet” representando o número 29).

A influência de Osvaldo Aranha na aprovação da Partilha é muito estimada em Israel. Existe até mesmo um museu com seu nome no kibutz Bror Chail, no qual o martelo original usado pelo diplomata durante a sessão da ONU é guardado. Em seu discurso parabenizando o Brasil por seu bicentenário, em setembro deste ano, o atual premiê israelense, Yair Lapid, lembrou de Aranha e seus esforços pela criação de Israel.

A aprovação da Partilha da Palestina foi o Dia da Vitória para a grande maioria dos judeus do mundo inteiro. Mas, certamente do lado palestino, a moção nao foi vista da mesma forma. Como os árabes rejeitaram a decisão da ONU, o segundo Estado, o árabe, nunca foi criado. Isso marca o conflito entre israelenses e palestinos. O Estado Árabe não foi criado, primeiramente, pela insistência do mundo árabe-muçulmano em rejeitar a existência de uma nação não-muçulmana (Israel) no Oriente Médio.

Mais tarde, esse Estado (o que chamaríamos atualmente de Palestina, apesar de Palestina histórica ser o nome milenar da região e não um país que existia antes) foi proclamado pela Autoridade Nacional Palestina — entidade criada nos Acordos de Oslo da década de 90, a primeira real tentativa de paz entre israelenses e palestinos, mas que saiu parcialmente apenas do papel. E, apesar de centenas de países reconhecerem a existência da Palestina como Estado (incluindo o Brasil), Israel não reconhece.

Atualmente, um acordo de paz entre israelenses e palestinos que contemple a solução de “Dois Estados para Dois Povos” — justamente o que a resolução de Partilha da Palestina previa — parece estar se tornando cada vez mais distante. Entre a maioria dos israelenses, essa solução parece ser coisa de um passado não mais relevante. Muitos acreditam que os palestinos não são “parceiros” para negociações. Outros, que Israel deveria anexar toda a Palestina pré-1947 por motivos religiosos e ultranacionalistas. Alguns só temem os palestinos e não sabem o que pensar.

Entre muitos palestinos, a desilusão leva ao desespero e pouca esperança para o futuro. Muitos acreditam que os israelenses não são “parceiros” para negociações. Outros, que os palestinos devem tomar à força, através do terrorismo, toda a Palestina pré-1947. Alguns só temem os israelenses e não sabem o que pensar.

Certamente, ainda há quem, dos dois lados, acredite em negociações de paz e na possibilidade de coexistência pacífica na “Terra Santa”. Mas, 75 anos depois da Partilha da Palestina, esse ideal parece distante.

Oswaldo Aranha não podia prever que a Partilha da Palestina, a primeira grande decisão coletiva da ONU no mundo pós-Segunda Guerra Mundial, não seria o fim da questão judaica na Palestina histórica. E que, 75 anos depois, a situação que ele pensava estar solucionando — ajudar a criar um lar a um povo perseguido há milênios e que tinha acabado de perder um terço de seus membros no Holocausto — ainda estaria sendo debatida.

*Daniela Kresch é jornalista e correspondente do Instituo Brasil-Israel em Tel Aviv