Argentina recebe Lula para reunião da CELAC com integração regional e atos golpistas na agenda

As manchetes dos jornais na Argentina foram dedicadas ao ataque bolsonarista em Brasília e os desdobramentos do caso durante os primeiros dias desta semana. O país que será destino da primeira visita internacional do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) põe especial atenção ao ocorrido no território vizinho, parceiro estratégico em termos de comércio e aliança política.

Segundo a agenda presidencial, Lula aterrissará na Argentina do próximo dia 23, onde se reunirá com o presidente Alberto Fernández e participará da próxima cúpula da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC), no dia 24, em Buenos Aires. O Brasil participa desta reunião como convidado especial, uma vez que o país se retirou da CELAC sob o governo de Jair Bolsonaro (PL).

“A tentativa de golpe foi muito forte na Argentina, pela proximidade, afinidade e importância que o Brasil tem para a Argentina”, destaca o jornalista e analista internacional Gerardo Szalkowicz, mencionando o majoritário repúdio ao atentado por parte do arco político argentino.


Bandeiras do Brasil e da Argentina durante ato pela democracia em Buenos Aires, em repúdio ao atentado golpista em Brasília / Juliano Mazzuchini

O embaixador argentino no Brasil, Daniel Scioli,, classificou o ocorrido como sendo “muito mais grave do que aconteceu no Capitólio”, em entrevista à rádio argentina Rivadavia, na segunda-feira (9). “É um acontecimento inédito, sem precedentes, de uma violência e uma atitude terrorista e golpista”, disse o embaixador. “Há um grande questionamento sobre a polícia militar e as forças de segurança.”

“Conhecemos o temperamento e o comedimento de Lula, um homem capaz de superar adversidades”, continuou Scioli. “Esperemos que no dia 23 esteja na Argentina porque temos um grande acordo com Brasil, que viemos trabalhando com ele e sua equipe de integração nas distintas áreas do governo, que dará um grande impulso à Argentina.”

Com a presença de Lula na cúpula da CELAC, o tema da integração regional deverá ser tratado com ênfase, segundo o ministro argentino das Relações Exteriores Santiago Cafiero. “Não se trata apenas de uma integração econômica ou financeira, mas de fortalecer as instituições democráticas de cada país”, disse o chanceler à rádio El Destape.

Lula é visto como líder regional

No país vizinho, há uma alta expectativa de que Lula retome o lugar de liderança na região quando o assunto é integração, tanto por parte do governo atual da Frente de Todos quanto por organizações sociais internacionalistas.

“Será um acontecimento que o Brasil volte a integrar a CELAC, e que possa dinamizá-la e oxigená-la”, afirma Szalkowicz, que diz ter esperança de que Lula aponte para uma agenda extraoficial para dialogar com os movimentos sociais e sindicais da Argentina. Essas pontes são parte fundamental, segundo o jornalista, para enfrentar a investida da extrema direita na América Latina e o Caribe.

“O que aconteceu no Brasil foi uma explícita demonstração da estratégia das direitas, desde o golpe de Honduras, no Paraguai, incluindo o golpe parlamentar no Brasil em 2016, o golpe da Bolívia, em 2019, a tentativa de magnicídio e de proscrição política contra Cristina Kirchner e a perseguição contra Pedro Castillo no Peru. Não são situações isoladas. Quando não ganham nas urnas, a direita não tem problema em pisotear a democracia.”

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A ativista Beverly Keene, da organização Diálogos 2000, esteve presente na mobilização em defesa da democracia em Buenos Aires, em frente à embaixada brasileira na segunda (9). Em diálogo com o Brasil de Fato, destacou que, mesmo com as limitações do contexto, o governo de Lula traz “ventos de integração e irmandade que a América Latina e o Caribe precisam”, em um contexto de processos democráticos abalados recentemente em distintos países.

“Será um ano difícil em toda a região. A democracia que construímos nos anos pós-ditadura é muito frágil. A desigualdade e a falta de ferramentas básicas para a vida das grandes maiorias se traduz em que as pessoas não se sentem representadas ou incluídas nela”, diz. “Na reunião presidencial da CELAC, deve-se discutir a situação, por exemplo, do Peru, onde o povo ocupa as ruas para defender seu direito a decidir seu governo, e do Haiti, também atualmente mobilizado por sua soberania e para definir sua própria forma de governo e representantes.”

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No caso da Argentina, o impacto da notícia sobre o atentado em Brasília fez eco nas recentes investidas antidemocráticas nacionais, tendo como estopim a tentativa de assassinato da vice-presidenta Cristina Kirchner, em setembro do ano passado. “Antes do atentado à vice-presidenta, houve vários episódios de grupos que se expressaram de forma violenta. Há algo que não é levado suficientemente a sério, não há contenção de ação suficiente sobre esses grupos”, diz Amílcar Salas Oroño, doutor em ciências sociais da Celag, referindo-se à assimetria entre a ação das autoridades diante das mobilizações que geraram distúrbios e pediam golpe de Estado desde o início.

“Situações como essa explicitam uma preocupação vigente na América Latina sobre o papel não só dos militares, mas o das polícias. Na Argentina, houve uma mobilização policial durante a pandemia, e aí surge um conflito que deveria ser priorizado”, pontua Oroño.

Edição: Thales Schmidt