Biden mantém política de pressão contra Cuba adotada por Trump

No dia 20 de janeiro, serão completados dois anos desde que a administração do democrata Joe Biden tomou posse na Casa Branca. O Partido Democrata, liderado por uma de suas vertentes mais conservadoras, retornou ao poder executivo do país com a promessa e a ilusão de reverter a corrosiva era Donald Trump que, em apenas quatro anos, havia provocado uma série de mudanças substanciais tanto na política interna quanto na política global. Transformações que culminaram na invasão do Capitólio em 6 de janeiro de 2021 e a recusa do Trumpismo em aceitar sua derrota eleitoral até hoje.

Durante sua campanha presidencial, Biden criticou duramente as medidas que seu adversário republicano estava implementando contra Cuba. Ele até prometeu reverter as “políticas fracassadas do Trump que prejudicaram os cubanos e suas famílias”.

Durante o governo de Barack Obama (2009-2017), os EUA haviam implementado uma série de políticas que reduziram suas hostilidades em relação à ilha. O objetivo destas políticas era restabelecer o diálogo, assim como possíveis negociações, entre Washington e Havana, embora sem desmontar o bloqueio que ainda permanece em vigor. Entre as medidas de aproximação mais importantes durante este período estiveram a retirada de Cuba da lista de “Patrocinadores do Terrorismo” – uma lista elaborada pelo Departamento de Estado norte-americano que incluía Cuba desde 1982 – assim como o restabelecimento das embaixadas tanto no país caribenho quanto nos Estados Unidos.

Não obstante, as tênues tentativas de aproximação com Cuba foram imediatamente revertidas por Trump. Seu governo não só recompôs o conjunto de medidas hostis contra a ilha, mas também aumentou significativamente as ações coercitivas unilaterais, aplicando 243 novas medidas contra Havana.

Esta situação assumiu um particular drama no contexto global da pandemia de covid-19. Em meio à luta contra o flagelo que estava assolando o mundo, Cuba teve bloqueada a entrada no país de insumos médicos e ferramentas sanitárias para combater a pandemia.


A Soberana 2, vacina desenvolvida em Cuba / Reprodução

Foi neste contexto que as promessas da campanha de Biden conseguiram despertar, em amplos setores progressistas e democráticos, a esperança de que a política de “descongelamento” com Cuba seria retomada. Entretanto, depois de tomar posse, a equipe política de Biden atrasou a implementação de suas promessas de campanha em relação à ilha, argumentando que as medidas a serem adotadas estavam em uma “fase de estudo”.

Algumas das razões para este atraso podem ser atribuídas às tensões na política interna dos EUA. Além da forte rejeição da oposição republicana ao restabelecimento do diálogo com Cuba, houve uma divisão interna dentro das fileiras do partido democrata já que não há um consenso sobre o assunto.

Algumas semanas após a posse de Biden, no dia 4 de março de 2021, um grupo de 80 congressistas democratas da Câmara dos Deputados escreveram uma carta na qual pediam ao presidente que abandonasse as sanções que Trump havia implementado contra Cuba, descrevendo-as como “cruéis”. Entretanto, a resposta do executivo viria cinco dias mais tarde. Em entrevista coletiva, quando perguntada sobre a carta, a porta-voz presidencial, Jen Psaki, afirmou que “uma mudança na política em relação a Cuba não está atualmente entre as principais prioridades do Presidente Biden”.

Semanas depois, os EUA mantiveram sua tradicional rejeição ao que foi expresso pela comunidade internacional através da Assembléia Geral da ONU realizada em 23 de junho de 2021. Com 184 votos a favor, três abstenções e os dois votos tradicionais contra dos Estados Unidos e de Israel, foi aprovada mais uma vez a resolução intitulada “Necessidade de acabar com o embargo econômico, comercial e financeiro imposto pelos Estados Unidos da América contra Cuba”.

Os conflitos internos em Cuba também desempenharam um papel considerável na manutenção da política norte-americana de “pressão máxima”. Os recentes protestos registrados na ilha foram usados como pretexto pelo governo dos EUA para continuar suas políticas de bloqueio. Assim, Cuba deixou de ser uma das prioridades de Biden para ser uma grande preocupação.

Ainda assim, movimentos populares pressionaram a Casa Branca pelo fim do bloqueio contra Cuba. O movimento Black Lives Matter publicou no dia 15 de julho de 2021 uma declaração em suas mídias social exigindo o fim do bloqueio de Cuba, que, em suas palavras, “foi instituído com a intenção explícita de desestabilizar o país e minar o direito dos cubanos de escolher seu próprio governo”.

Em outubro de 2021, líderes do Conselho Mundial de Igrejas (CMI) enviaram uma carta a Biden instando-o a tomar a “decisão ousada” de encerrar o embargo financeiro e comercial contra Cuba. E finalmente, em dezembro do mesmo ano, uma centena de congressitas democratas reapresentaram uma carta ao presidente, convidando-o a restabelecer o diálogo com Cuba, atender às necessidades humanitárias e fazer progressos na normalização das relações com Havana. Concluíu-se o primeiro ano de Biden no cargo.

Durante 2022, embora Biden não tenha modificado substancialmente a atitude do governo, ele foi forçado a introduzir algumas mudanças. Externamente, a eclosão da guerra na Ucrânia, manteve o aparato externo da Casa Branca concentrado na construção do que seria o “conceito estratégico” atualizado da Otan, que em sua reunião de cúpula em Madri colocou a China e a Rússia como seus principais inimigos. No plano interno, o aumento da inflação nacional, que atingiu seu nível mais alto em 40 anos, combinado com a queda da popularidade de Biden – o declínio mais rápido em termos de imagem desde a Segunda Guerra Mundial – levou o governo a adotar uma política conservadora em relação a Cuba em um ano eleitoral.

Não obstante, após 17 longos meses de uma “revisão de política”, durante os quais as medidas introduzidas por Trump contra Cuba permaneceram intactas, o Departamento de Estado anunciou em maio que relaxaria algumas medidas ligadas principalmente à migração. Por que este anúncio foi feito?

Por um lado, a ameaça de vários governos latino-americanos de boicotar a 9ª Cúpula das Américas se Cuba fosse excluída pressionou a política externa dos EUA. Mostrou mais uma vez que não seria tão fácil se desvincular da “questão de Cuba”. Por outro lado, o agravamento da crise migratória na ilha – resultado da crise induzida pelo próprio bloqueio, além do produzido pela pandemia – fez com que a crise migratória na fronteira sul dos EUA se agravasse.

Foi neste contexto que as conversações bilaterais de migração foram retomadas. Foi anunciada a reabertura dos voos das companhias aéreas estadunidenses para o interior da ilha. Foi restabelecido o diálogo entre a Guarda Costeira dos Estados Unidos e as Tropas da Guarda Fronteiriça Cubana. E a possibilidade de envio de remessas foi anunciada – embora ainda não tenha sido implementada. O Ministro das Relações Exteriores de Cuba, Bruno Rodríguez, descreve a retomada da emissão de vistos de imigrantes na embaixada dos EUA como um “passo positivo”.

Entretanto, apesar destes passos de reaproximação, em 2 de dezembro de 2022 o Departamento de Estado dos EUA apresentou sua lista anual de “países que violam a liberdade religiosa” nos quais Cuba foi incorporada sob o título de “países de particular preocupação”. Isto torna possível que o país caribenho esteja sujeito a novas sanções, além daquelas que já pesam contra a ilha.

Na metade de seu mandato, Biden não reverteu as políticas implementadas por Trump contra Cuba. Entretanto, os próximos meses serão fundamentais se Washington finalmente decidir aliviar as sanções e cumprir a promessa da campanha. Como aponta o cientista político cubano William Leogrande, a nomeação do ex-senador Christopher Dodd como Conselheiro Presidencial Especial para as Américas após as eleições de meio-termo poderia ser um passo nessa direção. Dodd tem sido um defensor de uma mudança de estratégia no relacionamento com Cuba. Entretanto, a decisão política não dependerá apenas de um funcionário.

No dia 3 de fevereiro deste ano, serão completados 61 anos desde que os Estados Unidos iniciaram sua política de bloqueio contra a ilha com a Proclamação Presidencial 3.447 do Presidente John F. Kennedy. O objetivo desta medida era punir o governo revolucionário de Fidel Castro por seu “alinhamento com as potências comunistas”, a União Soviética e a República Popular da China, no marco da Guerra Fria.

O plano havia sido meticulosamente estudado pelo governo dos EUA. O então Secretário de Estado Adjunto para Assuntos Interamericanos, Lester D. Mallory, explicou ao seu superior, em um memorando datado de 6 de abril de 1960, a estratégia a ser implementada contra Cuba: “O único meio previsível para subtrair [de Castro] o apoio interno é através do desencanto e da desilusão com base nas insatisfações e limitações. (…) devemos tomar todas as medidas para enfraquecer a vida econômica em Cuba. (…) negar-lhe fundos e suprimentos para diminuir os salários e a renda e assim produzir fome, desespero e a destituição do governo”.


Os presidentes de Cuba, Miguel Díaz-Canel, e dos EUA, Joe Biden / Saul Loeb, Mladen Antonov / AFP

Desde então, os Estados Unidos empreenderam uma complexa combinação de leis e regulamentos que consistem em várias sanções econômicas, políticas, de comunicação e outras. Em 1996, o Congresso dos EUA aprovou a Lei de Liberdade e Solidariedade Democrática de Cuba, que estabelece que o bloqueio deve ser mantido até que Cuba “se torne uma democracia multipartidária e de livre mercado e pague uma compensação pelas propriedades nacionalizadas pelo Governo Revolucionário”.

A política de bloqueio é uma violação do direito internacional. A própria declaração da ONU afirma que é “o direito soberano e inalienável de um Estado de determinar livremente seus próprios sistemas políticos, econômicos, culturais e sociais”. Declara que todos os Estados têm o dever de “abster-se de qualquer ação ou tentativa, sob qualquer forma ou sob qualquer pretexto, de desestabilizar ou minar a estabilidade de outro Estado”. É por isso que por 30 votos consecutivos a Assembléia Geral da ONU votou a favor de uma resolução anual exigindo que os Estados Unidos ponham fim ao bloqueio. Esta resolução é sistematicamente desobedecida pelos EUA.

No relatório mais recente elaborado pelo Ministério das Relações Exteriores cubano sobre os prejuízos econômicos causados pelo bloqueio, estimou-se que durante os primeiros 14 meses da administração Biden, os prejuízos causados a Cuba atingiram US$ 6,3 bilhões. Ou seja, mais de US$ 454 milhões por mês e US$ 15 milhões por dia. Nos sessenta anos do bloqueio, o prejuízo econômico para o país caribenho está estimado em US$ 154 bilhões.

Edição: Thales Schmidt