Posições brasileiras frente ao conflito Israel-Hamas: um olhar sobre as perspectivas do governo e da oposição

Redacao Por Redacao - Equipe
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Anna de Holanda, Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e Ghaio Nicodemos Barbosa, Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)

No dia 7 de outubro de 2023, o Hamas lançou um ataque coordenado contra Israel, resultando em 1.139 mortos e mais de 240 reféns. Em resposta, Israel iniciou uma série de bombardeios e incursões militares na Faixa de Gaza, controlada pelo grupo palestino, provocando mais de 34 mil mortes e cerca de 2 milhões de desabrigados.

O conflito repercutiu no Brasil, onde o governo e a oposição discordaram sobre a posição adequada frente a situação. Oficialmente o governo de Luiz Inácio Lula da Silva condenou tanto o ataque do Hamas quanto a ofensiva israelense. Já a oposição, liderada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro defendeu o alinhamento com Israel.

Analisamos as diferentes posições sobre o conflito no contexto político brasileiro. Para isso, consideramos a posição oficial do governo federal, as reações do Congresso Nacional e o impacto das iniciativas de governadores que viajaram ao Oriente Médio a convite do governo israelense.

A atuação do Brasil no Conselho de Segurança da ONU

Em outubro de 2023, o Brasil presidia o Conselho de Segurança das Nações Unidas. Com isso a representação diplomática do país teve um papel ativo na gestão da crise. A nível doméstico, o governo brasileiro convocou uma reunião de emergência e se manifestou publicamente contra o ataque terrorista.

Em nota, o governo pediu moderação de ambos os lados, destacando o apoio à solução de dois Estados e à implementação dos Acordos de Oslo. O Ministério das Relações Exteriores (MRE) condenou as ações do Hamas e o inicio dos ataques israelenses, reforçando o compromisso com uma resolução pacífica para o conflito.

No Conselho, o Brasil negociou uma pausa humanitária, mas a proposta foi vetada pelos Estados Unidos, que exigiram uma referência ao direito de Israel à autodefesa. O Brasil não conseguiu alcançar consenso sobre a sua resolução.

Somente no mês seguinte, uma proposta de pausa humanitária, feita por Malta, foi aprovada. Em março de 2024 uma nova resolução de cessar-fogo humanitário, proposta pela Argélia, obteve aprovação.

Somada a essas ações, o Brasil organizou a repatriação de mais de 1.500 cidadãos brasileiros que estavam em Israel, Gaza e Cisjordânia. A demora na evacuação de brasileiros de Gaza gerou tensões diplomáticas entre Brasil e Israel, com críticas à lentidão das autoridades israelenses.

O impacto da oposição: Polarização política interna

A oposição, especialmente os aliados de Jair Bolsonaro, criticou o governo de Lula. Durante seu mandato, Bolsonaro se alinhou com Israel e apoiou o governo de Benjamin Netanyahu. Em contraste, o governo de Lula adotou uma postura mais equilibrada, condenando os ataques dos dois lados e buscando uma solução diplomática.

Com o aumento da violência, Lula criticou mais duramente Israel, apontando o impacto dos ataques israelenses sobre os civis. A oposição aproveitou a falta de uma declaração do governo classificando o Hamas como uma organização terrorista para criticá-lo.

Embora a gestão de Lula tenha condenado o ataque de 7 de outubro, a postura foi considerada insuficiente por seus opositores. A polarização política se acentuou entre grupos religiosos, principalmente de igrejas neopentecostais, que têm posições favoráveis à Israel.

Em novembro de 2023, a visita do embaixador israelense, Daniel Zonshine, ao ex-presidente Bolsonaro gerou mais atritos. A oposição usou o episódio para acusar o governo de Lula de fraqueza e falta de firmeza nas relações com Israel.

Opositores defenderam que a repatriação de nacionais foi mérito de Bolsonaro, e só foi possível após a reunião com Zonshine. Essa narrativa foi rebatida por governistas.

O Congresso Nacional e as reações políticas

No Congresso, a oposição foi incisiva ao criticar as declarações de Lula sobre o conflito. Ápice da crise foi a comparação feita pelo presidente brasileiro entre as ações do exército israelense em Gaza e o Holocausto, e o governo brasileiro foi criticado tanto pela oposição quanto por alguns aliados, que consideraram a fala do presidente inadequada.

Líderes como Arthur Lira e Rodrigo Pacheco, presidentes da Câmara e do Senado, adotaram uma postura mais amena em relação a Israel. Parlamentares expressaram solidariedade aos palestinos deslocados, mas não criticaram as ações militares israelenses contra a população civil de Gaza. Nas discussões legislativas, o apoio a Israel prevaleceu, e poucos parlamentares questionaram o elevado número de vítimas palestinas.

Governadores e a política subnacional

Em março de 2024, os governadores de São Paulo, Tarcísio de Freitas, e de Goiás, Ronaldo Caiado, viajaram a Israel. Com o pretexto de reforçar os laços bilaterais e demonstrar apoio ao governo israelense, os governadores aproveitaram o desgaste de Lula para se projetar politicamente. Aliados de Lula interpretaram a viagem como uma manifestação de apoio à Netanyahu e como uma ação política estrategicamente orientada para as eleições de 2026.

Durante sua visita, Caiado pediu desculpas pelas declarações do governo brasileiro, enquanto Freitas expressou solidariedade ao povo israelense e ressaltou a importância dos laços entre os dois países. Esses gestos reforçaram a tensão política doméstica, e evidenciaram uma clara divisão entre a postura do governo federal e dos governadores que se alinham politicamente com o bolsonarismo.

Considerações Finais

O conflito entre Israel e o Hamas teve um grande impacto na política do país. A diplomacia brasileira tentou manter uma postura equilibrada, condenando ambos os lados e buscando soluções diplomáticas, como a proposta de uma pausa humanitária no Conselho de Segurança da ONU.

No entanto, as declarações de Lula geraram uma reação forte da oposição, especialmente entre grupos conservadores e religiosos que defendiam o alinhamento com Israel e minimizavam as mortes de civis palestinos.

A medida que Israel subiu o tom contra as declarações do presidente, o governo brasileiro buscou responder de forma equivalente. Um evento marcante nesta transição foi a retirada do embaixador Frederico Meyer, no mês de maio. O embaixador foi constrangido pelo governo israelense em fevereiro após as fatídicas declarações de Lula.

Em cúpulas internacionais, o presidente brasileiro mantêm a postura inflamada. Os discursos proferidos na Assembleia Geral das Nações Unidas, em setembro, e na Cúpula dos BRICS, em outubro, demonstram que Lula manterá o tom. A principal crítica passou a focar na crise humanitária dos palestinos em Gaza e o risco da escalada do conflito. As declarações reavivaram as tensões com a oposição, que segue incondicionalmente apoiadora de Israel.

O conflito retórico entre Brasil e Israel continua produzindo desdobramentos internos e externos. Uma decisão do TCU que embargou a aquisição de obuseiros da empresa israelense Elbit Systems, em outubro, mostra as tensões seguem dentro do governo. Um dos críticos da decisão é o ministro da defesa José Múcio, que declarou que entende a decisão como ‘ideológica’.

Após os ataques sofridos por Israel partindo do Irã em abril e da investida das forças israelenses em território libanês em outubro, oposição e governo se colocaram em lados opostos novamente.

As percepções internas sobre o conflito foram exploradas na preparação para as eleições municipais, que ocorreram em outubro deste ano. Tudo indica que, caso o conflito se alongue, o tema retornará nas eleições estaduais e federais de 2026.

Desse modo, o caso expõe as complexidades da política externa brasileira em um cenário de polarização interna, revelando como os alinhamentos ideológicos influenciam até mesmo decisões sobre questões internacionais de grande importância.

Anna de Holanda, Pesquisadora no Núcleo de Estudos Atores e Agendas de Política Externa do IESP, Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e Ghaio Nicodemos Barbosa, Doutor e Mestre em Ciência Política pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP), Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)

This article is republished from The Conversation under a Creative Commons license. Read the original article.

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