Recondução de Dilma no Banco do BRICS impulsiona busca por multilateralismo financeiro internacional

A manutenção de Dilma no comando do NDB, assim, pode ser considerada um aspecto geopolítico central perante este panorama
Dilma • Reprodução/TV Brasil
Dilma • Reprodução/TV Brasil

Isabela Rocha, Universidade de Brasília (UnB)

Dilma Roussef é presidente do Novo Banco do Desenvolvimento (NDB) – popularmente conhecido como Banco do BRICS – desde 2023, e continuará assim até 2030. Agora, no marco da presidência brasileira do BRICS, sua recondução à liderança do banco, ocorrida no final de março, simboliza não apenas a confiança política dos países-membros em sua administração, mas também a aposta na continuidade de uma agenda estratégica voltada à autonomia financeira do grupo.

Essa decisão se insere em um momento de forte reposicionamento do Brasil no cenário internacional, marcado também pela liderança brasileira ano passado no G20 e pela organização da COP 30 no fim deste ano, consolidando uma postura ativa do país na reestruturação da governança global.

Ao mesmo tempo, o apoio explícito de lideranças como Vladimir Putin à recondução de Dilma ao cargo revela a importância de sua permanência à frente do banco. Não apenas como símbolo de continuidade, mas como pilar de coesão em meio às tensões geopolíticas, às sanções econômicas que vinham recaindo sobre a Rússia e, agora, à guerra tarifária iniciada semana passada pelo governo Trump, que tem na China seu maior adversário.

Os significados dessa continuidade

Historicamente, a política externa brasileira é marcada pela adoção do multilateralismo, o que está em congruência com os temas a serem explorados no marco da presidência brasileira de 2025, como o fortalecimento da cooperação econômica, financeira e comercial e o incentivo à inclusão social e ao financiamento de infraestrutura sustentável. Mais central, no entanto, é a pauta do desenvolvimento institucional do bloco, visando maior coesão na condução de políticas entre os países – e, caso o Brasil tenha sucesso, consolidando o BRICS como um polo autônomo de governança global.

A manutenção de Dilma no comando do NDB, assim, pode ser considerada um aspecto geopolítico central perante este panorama. Num momento de fortalecimento dos mecanismos de cooperação Sul-Sul, bem como entre países situados fora do eixo do Norte Ocidental, sinaliza que o Brasil tem tido sucesso nesta missão de consolidação institucional. E também expressa alinhamento político com a agenda de reestruturação da ordem financeira internacional, especialmente no que se refere à construção de alternativas ao sistema baseado no dólar.

Intensificação do uso de moedas locais

Essa agenda tem ganhado corpo no interior do BRICS por meio da intensificação do uso de moedas locais – especialmente entre Rússia e China, que já operam de forma robusta fora do sistema financeiro norte-americano – e da promoção ativa da desdolarização como estratégia de soberania econômica.

Neste sentido, vale dizer que ainda que a missão do BRICS, principalmente sob a liderança brasileira, não consista em sua consolidação como bloco anti-Ocidente. Mas são inegáveis os impactos negativos da hegemonia do dólar sobre as economias locais. Por exemplo, em países emergentes, a desvalorização cambial costuma se intensificar diante de instabilidades políticas internas e de políticas econômicas adotadas pelos Estados Unidos, como a elevação dos juros, o que encarece a dívida externa em dólar e desestabiliza as moedas. Além disso, o acesso a financiamento internacional segue condicionado a regras e critérios impostos por instituições ocidentalizadas, como o FMI e o Banco Mundial. Também, a necessidade de reservas cambiais em dólar limita a autonomia de política econômica dos países do Sul Global, que se veem obrigados a manter grandes volumes de moeda estrangeira estagnados.

Para além da questão econômica

Finalmente, há também a questão política. O dólar, como moeda hegemonicamente utilizada em transações internacionais e reservas, é um poderoso instrumento de poder político. A capacidade dos Estados Unidos de impor sanções financeiras unilaterais, bloquear sistemas de pagamento e condicionar o acesso ao sistema SWIFT é frequentemente utilizada como forma de coerção política, em ataques diretos às soberanias de países que contraírem a agenda política norte-americana.

Assim, ter Dilma novamente como presidente do NDB expressa um projeto geopolítico que extrapola a continuidade administrativa, e impulsiona o BRICS a constituir uma plataforma para articular relações multilaterais e reequilibrar a governança econômica global.

O uso de medidas monetárias unilaterais por países desenvolvidos, como a desvalorização artificial de moedas, ressaltou, geram desequilíbrios cambiais e prejudicam injustamente as economias emergentes. A superação, assim, das crises globais exige uma nova arquitetura financeira internacional, pautada na expansão do investimento, no fortalecimento dos mercados internos e na ampliação de instrumentos de financiamento voltados ao desenvolvimento sustentável.

Nesse contexto, sua recondução até 2030 representa o esforço do BRICS por buscar instrumentos financeiros mais autônomos e condizentes com as realidades e prioridades dos países em desenvolvimento. Se a gestão anterior já havia priorizado o financiamento de projetos sustentáveis e de infraestrutura em países em desenvolvimento, a de agora poderá ajudar a mitigar riscos cambiais associados ao dólar e fomentar uma lógica financeira mais coerente com as realidades domésticas dos países-membros. E consolidar uma agenda institucional voltada à construção de um modelo de financiamento mais plural e menos dependente dos mecanismos tradicionais de crédito internacional.

A prorrogação do mandato da brasileira expressa também uma estratégia geopolítica articulada de preservar a estabilidade do NDB diante das sanções impostas à Rússia e reforça a imagem do Brasil como ator-chave na construção de um novo arranjo financeiro multilateral, que incorpora preocupações com sustentabilidade, inclusão e autonomia econômica.

Neste contexto, ao assumir uma posição de liderança em instituições emergentes, o Brasil não apenas reivindica maior representação no sistema internacional, mas intervém diretamente em sua reconfiguração. E não mais como coadjuvante em fóruns tradicionais, mas como arquiteto de novas centralidades, disposto a tensionar as hierarquias herdadas e a disputar, com legitimidade e projeto, os novos rumos da ordem global.

Isabela Rocha, Doutoranda em Ciência Política, Universidade de Brasília (UnB)

This article is republished from The Conversation under a Creative Commons license. Read the original article.

Redacao

Equipe de jornalistas do Jornal DC - Diário Carioca

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