Eliara Santana, Observatório das Eleições
As denúncias oferecidas pela Procuradoria Geral da União contra o ex-presidente Jair Bolsonaro, seu ex-ministro da Defesa, o general de quatro estrelas Walter Souza Braga Netto, e mais 32 pessoas (entre elas 25 militares), por participação na trama golpista que tentou mantê-lo no poder após a derrota para Luiz Inácio Lula da Silva nas eleições de 2022, colocaram o Brasil em suspense. Analistas políticos, sociólogos, jornalistas e, sobretudo, os eleitores, perguntam-se sobre os próximos passos deste processo: o ex-presidente será preso? Como? Quando? Como fica seu grupo político a partir de agora, a um ano e meio das próximas eleições para presidente? Muitas perguntas cujas respostas já começam a ser alinhavadas, menos de 24 horas depois de as denúncias – um calhamaço de mais de 300 páginas – terem sido publicadas. Em entrevista concedida nesta quarta-feira à nossa editora Luciana Julião, a doutora em linguística pela PUC Minas e pesquisadora do Observatório das Eleições, vinculado ao Instituto da Democracia e da Democratização da Comunicação (INCT IDDC), Eliara Santana, avalia o impacto das denúncias sobre a futura candidatura da oposição à sucessão de Lula e sobre os militares envolvidos na aventura golpista. Segundo ela, se há alguma possibilidade de anistia, ela será mais direcionada a eles: “O documento da PGR já afirma explicitamente que muitos militares foram ‘coagidos’ pelos golpistas a participar da trama”, diz ela.
1. De que forma a denúncia contra Bolsonaro mexe no xadrez das eleições presidenciais de 2026? Qual o futuro político de Bolsonaro?
As denúncias apresentadas pelo PGR Paulo Gonet são robustas e muito bem detalhadas – elas assumem a tese de formação voluntária de uma organização criminosa, com o emprego de armas e o uso de violência contra o Estado Democrático de Direito desde 2021 – ou seja, mostram, com esse apuro histórico, o cuidado para afirmar que houve preparação e articulação para o golpe. A denúncia fala também em crime contra a ordem democrática e expõe, claramente, a liderança do próprio presidente da República à época, Jair Bolsonaro. A denúncia, portanto, mexe bastante no xadrez eleitoral. Para 2026, quero apontar alguns aspectos.
O primeiro é que Jair Bolsonaro sai efetivamente da disputa. Sua inelegibilidade já estava dada. Mas com o encaminhamento da denúncia, a possibilidade de ele ser preso aumenta na mesma proporção em que diminuem as chances de seus aliados lutarem pela reversão da sua inelegibilidade. Então, a extrema direita agora terá de encontrar um candidato forte para suprir essa ausência. O bolsonarismo não contava com uma denúncia tão forte e tão robusta como essa, que coloca em xeque as narrativas de perseguição política.
Desde a manifestação do PGR, o movimento nas redes sociais é intenso, com questionamentos e tentativas de defesa por parte de alguns apoiadores, como Tarcísio de Freitas. O segundo aspecto é que essa ausência pode levar a um racha no grupo de extrema direita na indicação de nomes, na construção de possibilidades eleitorais. Nem tudo está fechado em torno de Tarcísio e no apoio a Bolsonaro.
O terceiro aspecto é a própria reação de Jair Bolsonaro diante da iminência de ir para a cadeia. Ele parece fingir que se coloca no sacrifício, mas efetivamente não se coloca. Ele não vai querer cair sozinho, sob pena de dar com a língua nos dentes. A própria manifestação imediata de apoio a ele, feita nesta quarta-feira pelo governador de São Paulo, indica muito mais um certo medo de possíveis delações do que um sinal genuíno de lealdade ao ex-presidente.
Por fim, apesar de fora do jogo para 2026, Bolsonaro segue sendo um ator político muito importante no cenário nacional, e vai cobrar essa fatura. E poderá fazer isso tumultuando bastante a articulação em torno desse nome alternativo para a candidatura. Nesse contexto, surge aí um elemento que agora pode parecer irrelevante, mas que pode bagunçar muito o cenário: Michelle Bolsonaro.
Michelle é inteligente e ardilosa, e está fazendo um ótimo trabalho à frente do PL Mulher, mas Bolsonaro não vai querer vê-la candidata, apesar do PL. Então, fiquemos atentos aos desdobramentos.
2. Qual é o impacto da denúncia feita pela PGR nas relações entre o Poder Executivo e os militares no Brasil contemporâneo?
Por um lado, é uma ação muito importante que corrobora a denúncia já feita pelas investigações da PF: a denúncia de militares de alta patente no Brasil. Isso nunca ocorreu na história do país, e é um avanço importante, ainda que não seja suficiente. Mas, por outro lado, não creio que haverá fortes abalos nesse sentido, porque a própria denúncia atenua o papel dos militares no geral e fala até que eles foram “coagidos” pelo núcleo golpista.
Quem abalou de fato as relações entre Poder Executivo e os militares foi Dilma Roussef ao instituir a Comissão Nacional da Verdade, que reuniu milhares de documentos para fazer um retrato do que foi a perversidade da ditadura no Brasil. Neste momento, não aposto em tensão ou abalo.
3. Na sua opinião, a denúncia obedeceu os trâmites normais do inquérito ou pode ter sido apressada pela atual luta política entre governo e oposição, cuja temperatura recentemente aumentou por conta da divulgação de pesquisas indicando a queda de popularidade do presidente Lula?
Obviamente, não sou especialista em Direito. No entanto, a robustez da denúncia, que segue os passos do relatório já apresentado pela Polícia Federal em 2024, não deixa margem para qualquer tese conspiratória ou persecutória. A denúncia é minuciosa e detalhada, com todos os cuidados para observar os acontecimentos e a investigação apresentada. Não vejo margem para dúvida e nem para inferências relativas a um possível uso político – o que não significa dizer que a extrema direita bolsonarista não usará essa narrativa para se opor à denúncia. Vai usar, mas creio que ela não se sustente.
4. Qual o impacto da denúncia sobre o movimento da oposição pela anistia dos golpistas de 8 de janeiro? A denúncia contra Bolsonaro deverá afastar o Congresso do tema ou, pelo contrário, estimular os esforços do grupo que defende a anistia?
É uma pancada expressiva no movimento para anistiar os golpistas, porque é muito detalhada, apresenta as provas e tipifica tudo o que foi feito em termos de crimes contra o Estado Democrático de Direito. E a movimentação nas redes já mostrou que o golpe foi sentido. No entanto, não acredito que isso vá afastar o Congresso do tema – é um Congresso, em sua maioria, alinhado ao bolsonarismo, e que vai fazer de tudo para tentar aprovar a anistia e trabalhar por uma redução de danos.
5. Há analistas políticos que avaliam que Bolsonaro será “sacrificado” em prol do jogo político, isto é, será punido exemplarmente, e depois disso a anistia será aprovada, livrando de punições todos os demais envolvidos, incluídos aí militares e outros líderes de oposição. Qual é sua opinião sobre essa leitura?
O movimento de “anistia” ou perdão que eu observo é em direção aos militares de modo geral, ao Exército. A denúncia do PGR já coloca explicitamente que muitos foram “coagidos” pelos golpistas – o que soa como algo hilário, militares coagidos. Quanto à punição de Bolsonaro, ela será próxima de algo exemplar sim, a imagem dele será bastante danificada, com a tentativa de manter intacta ou preservada aquela anomalia que parte da imprensa denomina de “bolsonarismo moderado” – como se isso fosse possível – com representantes como Tarcísio e afins. A colaboração premiada de Mauro Cid vai exatamente nesse sentido: de mostrar a liderança de Jair Bolsonaro na arquitetura do golpe. Mas, como eu disse, Bolsonaro não é alguém que cai sozinho e em silêncio. Ele vai gritar e vai colocar muita lenha na fogueira. A tentativa de anistia para os demais vai persistir, mas acredito que ela não terá grande fôlego, sobretudo pela possível resposta de Bolsonaro.
6. Como você prevê os próximos passos políticos do processo, a partir da denúncia? Negociação para minimizar danos ou guerra política franca entre governo e oposição?
Teremos a tramitação no STF, como apreciações muito robustas. A oposição bolsonarista não vai se calar e vai, sim, fazer várias movimentações para atacar o governo e o STF – com apoio da extrema direita norte-americana, como já estamos vendo nas articulações contra o ministro Alexandre de Moraes. A oposição vai chamar para a briga, vai provocar tumulto, vai chamar manifestações, vai armar o circo e provocar o caos. Nesse sentido, será interessante observar as movimentações dos bolsonaristas de sapatênis, como Tarcísio e Caiado. Tarcísio já deu declaração de apoio em rede social, mas a questão é saber se ele encampa manifestação aberta, convocação a favor de Bolsonaro, sendo o queridinho da mídia – sobretudo a paulista – para disputar a Presidência em 2026. Em relação a Caiado, já sabemos que ele não tem a lealdade exatamente como um valor. E há o fator Zema, que está louco para se projetar nacionalmente. Muitas emoções.
Eliara Santana, Doutora em Linguística e Língua Portuguesa pela PUC Minas, pesquisadora, Observatório das Eleições
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