Artigo | Cuidemos das pergunta do nosso povo: a realidade mostra quem está falando a verdade

               Nos tempos atuais, as feridas da alma do nosso povo estão enfebradas, com dores cujas causas e remédios não só não as curam como as aprofundam. Até as palavras para nomear as dores se distorcem nestas cidades em que parecemos surdos, porque parece que quando alguém fala a palavra amar, o outro entendeu armar, alguém pronuncia a palavra cultura alguém ouviu como censura.
Na cidade dos surdos, as pessoas parecem encurvadas, pelo esforço de carregar para todos os lados o peso da desesperança, o peso de ter de trabalhar para juntar dinheiro, para pagar ofertas em altares, em troca de um olhar de um inventado Jesus neoliberal, pagar uma taxa extra pelo botijão de gás, pelo cabo da TV, da internet, pelo acesso a água, a luz, pelo direito de poder chegar e sair de sua casa na periferia da cidade surda. 
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Uma cidade, onde quanto menos dinheiro circula na praça, tudo fica mais perigoso e mais caro porque os atuais capitães do mato elevam as propinas e as taxas que cobram em troca de ficarmos vivos. Mas, mesmo parecendo tudo estar meio em suspenso no ar, tem uma pergunta que desliza pelos cantos da vida, pelas janelas dos olhares, a pergunta é: quem está falando a verdade? 
  A pergunta é: quem está falando a verdade? 
  Esta pergunta é a porta de entrada da casa do nosso povo para o diálogo. O povo a seu modo, sem explicitar está problematizando, o que é verdade e o que é mentira em nosso país? O critério para embasar esse diálogo é a realidade, a história e o acolhimento em todas as suas durezas, violências e belezas.
A realidade contradiz as mentiras, como essa que inventou a pergunta se os trabalhadores querem empregos ou diretos, que inventou a gestão da sobrevivência como um problema individual. Mas a realidade, em meio a crise com pandemia e morte, varreu o país com uma onda incrível de solidariedade que entre outras coisas colocou a luta pela vida, como centro de nossa verdade. 
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A história contradiz as mentiras, quando olhamos o Brasil e vemos que é a estrutura da enriquecida casa grande que esfola e odeia a vida que pulsa e vibra perigosamente na grande senzala. Nessa contradição que expressa ódios, lidamos com esse trauma coletivo que segue mal resolvido pela inconclusa abolição, república e por consequência nossa frágil democracia e com estas inconclusões a cada pouco vai para o tronco a democracia e o povo da cor preta, o sexo das que reproduzem e cuidam da vida e da morte e a natureza vista como coisa a ser controlada e convertida em lucros.
A história, a realidade e o acolhimento pela escuta e pelo diálogo entre nós, um povo esfolado, desconfiado, cansado, são as bases para entendermos que as condições objetivas de nossas vidas não serão transformadas por milagres, por messias ou terceirizadas para aqueles que falam bonito.
  As condições objetivas de nossas vidas não serão transformadas por milagres, por messias
  Estamos tendo de inventar um lugar, um comitê popular, onde cada pessoa possa participar, porque pode dizer a sua palavra, ouvir a do outro e construir as formas comuns de dizermos e lutarmos por nossas palavras em comum e voltadas para a invenção de um futuro onde a vida ultrapassa os limites da sobrevivência, dos mínimos, do acesso ao consumo básico, do vire-se cada um como puder, que supere a lógica da casa grande que insiste no chicote que virou bala contra a senzala.
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As nossas palavras sobre como devemos viver em comum, em sociedade, sobre o que pensamos e queremos do Brasil são cheias de cores, tem purpurina, tem comida boa, tem música alegre, tem escolas e saúde integrais, têm uma jornada de trabalho adequada para cada pessoa, tem direitos humanos, porque não faltará terra, trabalho e teto na medida justa, necessária e digna para que possa florescer todas as nossas potencialidades, as nossas aspirações e potências de libertação e emancipação humanas em equilíbrio com a nossa casa comum, a terra.
Em 2022 e depois e depois a luta é para que estas nossas palavras se tornem tão massivas, tão fortes, tão encantadoras, tão organizadas, porque populares, porque conscientes, porque capazes de tornar, fome, injustiças, desigualdades, explorações, violências, opressões de uma feiura, de uma imoralidade insuportáveis.
Nos próximos anos, honrando a história de lutas e resistências de nossos antepassados, com os pés no presente e um projeto de futuro, vamos trabalhar de sol a sol, com o nosso povo, para escrevermos e vivermos um capítulo de justiça e dignidade popular na história do nosso país.   
Semana Santa do ano de 2022.
    * Eliane Martins é integrante do Movimento de Trabalhadores por Direitos
*Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
            Edição: Rebeca Cavalcante