Análise | Medo injustificado

Houve quem arrepiasse de medo ao ler a reportagem da Folha de S. Paulo publicada na quarta-feira (3): “Exército compra equipamento para acessar celulares e silencia sobre motivos”. Nada mais compreensível, neste momento em que a democracia magrinha que nos sobrou está ameaçada.

Ora, isso é comezinho na inteligência militar. O jornal reportou que “a galinha come milho”. Impossível corporações armadas se manterem avisadas sem recursos técnicos básicos.

O jornalista diz que, “pela primeira vez”, o Exército compra tal tipo de ferramenta. O coronel da reserva do Heraldo Makrakris emendou: trata-se de “mais uma” ferramenta. A reportagem é tão rasteira e enganosa que outro coronel, Marcelo Pimentel, ironizou: “o jornalista devia ganhar um Pulitzer”.

O repórter fez o leitor pensar em ladroagem ao informar que a compra foi efetuada sem licitação. Não sabia que é bizarro anunciar esse tipo de compra? E que, se houve publicidade, foi intencional, como alertou o coronel Marcelo Pimentel? 

O repórter fez ainda o pobre leitor imaginar planos terríveis, ao destacar que a compra foi autorizada pelo general Paulo Sérgio, hoje ministro da Defesa dedicado a fustigar o TSE por conta de urnas eletrônicas. 

Nesses assuntos, as reportagens necessárias deveriam tratar das intenções dos vazamentos de notícias, ensina Piero Leirner, obstinado pesquisador da guerra híbrida. A atuação dos militares está dirigida para condicionamentos da sociedade. Interessa-lhes criar ambientes que chamam de “psicossociais” e, neste sentido, usam sorrateiramente a imprensa desavisada ou de má fé.

Não cabe aos brasileiros temer a capacidade de espionagem das corporações militares. Guerreiros, quanto mais informados, melhor se preparam para suas missões. 

O que deveria preocupar são os propósitos da espionagem. Seria para acompanhar o passo a passo dos numerosos agentes estrangeiros imiscuídos em nossos negócios? 

O que deve deixar o cidadão inquieto é a obcecada preocupação do militar com o “inimigo interno”, que o transforma, para a alegria do potencial agressor estrangeiro, em caçador de cidadãos descontentes com o ordenamento socioeconômico. 

O que deve assombrar os brasileiros é a dependência das corporações militares em armas e equipamentos de potências estrangeiras. Em outras palavras: a incapacidade de defender o país com armas próprias e o permanente beneficiamento de complexos industriais-militares que aterrorizam o mundo. 

Ao ocupar a mente dos brasileiros com potocas, jornalistas não ajudam a luta democrática. Atuam como transmissores de desígnios castrenses.

Será que um dia veremos grandes jornais enviando repórteres à Washington para nos relatar o que diabo fazem as comissões das Forças Armadas brasileiras nos Estados Unidos? Isso, sim, amedronta.

Desde a Segunda Guerra Mundial mantemos escritórios militares permanentes neste país. Os recursos públicos esbagaçados bastariam para mudar o rumo da prosa em política de Defesa. 

Estivessem as fileiras voltadas para dissuadir possíveis agressores estrangeiros, não lhes sobraria disposição para tutelar o Estado e a sociedade. A democracia estaria melhor protegida.

*Doutor em História pela Universidade de Paris. Ex-presidente da Associação Brasileira de Estudos de Defesa (ABED). Foi vice-presidente do CNPq.

*Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Daniel Lamir