Governo não apura acordo de Braga Netto com firma suspeita de morte do presidente do Haiti

O Palácio do Planalto descumpriu o prazo determinado para uma investigação da Secretaria de Controle Interno da Presidência da República sobre o descumprimento de um contrato de mais de R$ 40 milhões assinado pelo general Walter Braga Netto, em 2018, quando ele comandava o Gabinete de Intervenção Federal no Rio de Janeiro, assinado com a empresa estadunidense CTU Security.

Em julho do ano passado, o Brasil de Fato revelou o caso com exclusividade e mostrou que o dono da CTU Security, o empresário Antonio Emmanuel Intriago Valera, é investigado no estado da Flórida por participação no assassinato do presidente do Haiti, Jovenel Moïse, dentro do palácio do governo, em 7 de julho de 2021. Braga Netto é candidato à vice-presidência na chapa à reeleição do presidente Jair Bolsonaro (PL).

Em portaria publicada no Diário Oficial da União em fevereiro deste ano, o governo federal prorrogou o período de apuração de irregularidades no contrato pela segunda vez consecutiva, concedendo 180 dias para a investigação, conduzida pelos auditores Ricardo Lima Souza e Merson Rodrigues Gomes. Desde 2020, o Executivo investiga responsabilidades pelo descumprimento do acordo. O novo prazo, no entanto, venceu em 29 de julho deste ano.

O governo Bolsonaro não registrou o resultado da investigação, conforme determina o procedimento da Secretaria-Geral da Presidência da República. O Palácio do Planalto foi procurado pela reportagem na manhã da última sexta-feira (5), mas não respondeu aos questionamentos, tampouco acusou recebimento da demanda. O espaço segue aberto para manifestações.

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O acordo com a CTU Security

O contrato com o governo brasileiro previa a entrega de 9.360 coletes à prova de bala para a Polícia Civil do Rio de Janeiro. O custo médio de cada colete seria de R$ 4,3 mil. No primeiro mês do governo Bolsonaro, o Executivo chegou a pagar R$ 35.944.456,10 à empresa. Três meses depois, no entanto, o pagamento foi cancelado e o contrato suspenso.

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A dispensa de licitação para as compras do Gabinete de Intervenção foi um pedido de Braga Netto, feito em maio de 2018, ao Tribunal de Contas da União (TCU). O órgão deu autorização, em junho daquele ano, para compras sem licitação.

Segundo relatos de autoridades da Flórida, em entrevista ao site Politico, o dono da CTU Security, Antony Intriago, contratou mais de 20 ex-soldados da Colômbia para executar a morte do presidente haitiano Jovenel Moïse. A Polícia Nacional do Haiti acusou o empresário de ser um dos integrantes de uma conspiração para matar o chefe de Estado.

Planalto maquiou portaria

Em agosto, mais uma reportagem do Brasil de Fato sobre o tema mostrou que o Planalto ocultou o nome da CTU Security em portaria publicada no Diário Oficial da União em 30 de julho de 2021. Na ocasião, a apuração interna também foi estendida por mais 180 dias. O governo, contudo, alterou o padrão das publicações anteriores sobre o mesmo caso e não inseriu o nome da empresa na portaria.

A reportagem enviou questionamento sobre a “maquiagem” da portaria à Presidência. A resposta do governo Bolsonaro, posterior à publicação do texto, afirmou que o “entendimento de que o nome da empresa foi ocultado estaria incorreto, uma vez que a portaria segue o modelo utilizado pela Controladoria-Geral da União”.

Apesar da justificativa fornecida no ano passado, o nome da CTU Security voltou a aparecer de forma literal no Diário Oficial na portaria publicada em fevereiro para o mesmo fim. O texto determinava a instalação de Comissão de Processo Administrativo de Responsabilização “para ultimar a apuração das eventuais responsabilidades administrativas supostamente cometidas pela empresa” e “proceder ao exame dos atos e fatos conexos que emergirem no curso da apuração”.

Militares envolvidos e falsificação de documentos

Em novembro, a Agência Pública apontou que a invoice (documento de compromisso de pagamento do governo para importações) foi liberada em 8 de janeiro de 2019, nos primeiros dias do governo Jair Bolsonaro e que, no documento do gabinete de intervenção que oficializou a suspensão do contrato, em julho, o governo cita “suposta falsificação de documento”.

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A reportagem mostrou ainda que o coronel Glaucio Octaviano Guerra, militar da reserva da Aeronáutica Brasileira, teria participado junto a outros militares da negociação do contrato com a CTU Security. Ele teve o nome envolvido em dos escândalos da negociata paralela de vacinas ao Ministério da Saúde, investigado pela CPI da Covid no Senado.

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O atual representante da CTU Security no Brasil é outro militar, o coronel da reserva Aristomendes Barroso Magno. Ele também é coordenador do grupo Agir, que reúne militares que apoiam Bolsonaro. Em novembro de 2020, com a investigação em andamento, ele teve reunião com o secretário de Controle Interno da Secretaria-Geral da Presidência, Edson Leonardo Dalescio Sá Teles.

O órgão é responsável pela investigação sobre a CTU. No registro oficial, o coronel Aristomendes é citado como “presidente da CTU”. Ele esteve acompanhado do advogado da empresa, Álvaro Luiz Costa Júnior.

Exército no Haiti

Durante 13 anos, de 2004 a 2017, cerca de 37 mil oficiais das Forças Armadas do Brasil foram deslocados para o Haiti. O Brasil de Fato mostrou, em julho, que pelo menos oito militares que tiveram papel de liderança na missão ocupam ou ocuparam cargos no governo Bolsonaro. Braga Netto não atuou no país caribenho, mas tem longa relação com militares norte-americanos.

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Há 10 anos, em 2011, o atual ministro da Defesa foi designado adido militar do Comando do Exército junto à Embaixada do Brasil nos Estados Unidos. Braga Netto permaneceu em território norte-americano por aproximadamente três anos. Deixou o posto em 2013, quando retornou ao Brasil para atuar no esquema de segurança dos Jogos Olímpicos de 2016, no Rio de Janeiro.

Menos de dois anos depois da Olimpíada, em fevereiro 2018, Braga Netto foi nomeado pelo ex-presidente Michel Temer (MDB) como interventor federal no Rio de Janeiro. A intervenção seguiu até dezembro do mesmo ano. Em 2019, a Agência Pública mostrou que onze empresas privadas de segurança e tecnologia nacionais e internacionais assinaram cerca de R$ 140 milhões em contratos sem licitação com o governo brasileiro, todos destinados à intervenção no Rio de Janeiro.

Edição: Thalita Pires